Teerã é parte da estratégia Rússia-China

10/8/2019, Pepe Escobar, Asia Times


Dizer que é complexo o posicionamento de Irã-Rússia no tabuleiro de xadrez geopolítico é pouco. O que já se vê com clareza no atual momento, muito volátil, que que esses países são parceiros, como já noticiei. Embora não como parceiros estratégicos, como no caso da relação Rússia-China, Rússia-China-Irã permanecem como tríade crucialmente decisiva no processo em curso, de vários níveis e de longo prazo, da integração da Eurásia.

Poucos dias depois de Asia Times publicar aquela matéria, outro artigo – que se dizia baseado em “altas fontes próximas do regime iraniano” e carregado de acusações de corrupção sem qualquer fundamento e incontáveis tolices e ignorâncias sobre questões militares concebidas para assustar – dizia que a Rússia converteria os portos iranianos de Bandar Abbas e Chabahar em bases militares avançadas, com submarinos, forças especiais Spetsnaz e jatos de combate Su-57, com o que estaria “estrangulando” o Golfo Persa.

Para começo de conversa, “altas fontes próximas do regime iraniano” jamais revelariam detalhes sensíveis de segurança nacional, muito menos a veículos da mídia estrangeira anglo-norte-americana. No meu caso, e já visitei incontáveis vezes o Irã para comentar a situação do Irã para Asia Times, e mesmo que as autoridades em todos os níveis soubessem perfeitamente de onde eu vinha, nunca consegui respostas dos generais do Corpo de Guardas da Revolução Islâmica a 16 perguntas detalhadas que enviei há um mês. Segundo meus interlocutores, são perguntas consideradas “sensíveis demais” e, sim, envolvem questões de segurança nacional.

Como se poderia prever, o artigo foi integralmente desmentido. Uma das minhas principais fontes em Teerã, que consultei sobre a veracidade dos fatos alegados, foi contundente: “Absolutamente tudo falso”. Afinal, a Constituição do Irã proíbe terminantemente a presença de tropas estrangeiras estacionadas em território iraniano. O Majlis – o parlamento iraniano – jamais aprovaria movimento desse tipo, proibindo em caso extremo, no caso de ataque militar pelos EUA.

Quanto à cooperação militar Rússia-Irã, os exercícios militares conjuntos previstos para acontecer na “parte norte do Oceano Índico”, incluindo o Estreito de Ormuz, são os primeiros desse tipo, só viabilizados por acordo especial.

O analista Gennady Nechaev está mais perto dos fatos, ao observar que no caso da crescente cooperação Rússia-Irã, a possibilidade estaria aberta para “instalação permanente da Marinha Russa em um dos portos iranianos, com aeroporto próximo – o mesmo tipo de arranjo que se vê em Tartus e Hmeimim na costa mediterrânea da Síria.” Mas chegar até lá seria estrada longa e sinuosa.

Com isso chegamos a Chabahar, o que apresenta questão interessante. Chabahar é porto de mar profundo no Golfo de Omã e conexão chave na visão indiana de mini-Rota da Seda. A Índia investiu muito em Chabahar, para conectar o porto, por rodovia, ao Afeganistão e à Ásia Central; e, no futuro, ao Cáucaso. De tal modo que a Índia pode ultrapassar o Paquistão no que tenha a ver com rotas comerciais.

Mas Chabahar também pode converter-se em nodo importante das Novas Rotas da Seda, ou Iniciativa Cinturão e Estrada. Índia e China – e também a Rússia – são membros da Organização de Cooperação de Xangai (OCX). O Irã, mais cedo ou mais tarde, também se tornará membro pleno da OCX. Só então pode talvez se abrir – e toda a ênfase nesse “pode talvez” – a possibilidade de a Marinha Russa ou a Marinha Chinesa atracar em Chabahar, mas ainda sem usar aquele porto como base militar avançada.

Já tenho petróleo, vou viajar 

No Irã, a parceria estratégica Rússia-China está operando em paralelo. A prioridade da China é manter o fornecimento de energia – e Pequim trabalha o tabuleiro de xadrez nessa direção. O embaixador chinês nos Emirados Árabes Unidos acaba de soltar um balão de ensaio, mencionando que Pequim pode vir a garantir escolta aos navios-tanques que cruzem o Golfo Persa e o Estreito de Ormuz. Poderia acontecer independentemente ou – balançar a cenoura – como parte da Operação Sentinela de Washington, a qual, por enquanto, só conseguiu um membro para a “coalizão de vontades”: o Reino Unido.

O que está realmente acontecendo agora no Golfo Persa é muito mais interessante. Como confirmei com corretores de energia em Doha no final do mês passado, a demanda por petróleo nesse momento é mais alta que em 2018. E, consequentemente, o Irã continua a vender a maior parte de seu petróleo.

Um navio-tanque parte do Irã com o transponder desligado; o petróleo é transferido para outro navio-tanque em mar alto; e recebe novo rótulo. Segundo um corretor, “Se você tira do mercado dois ou três milhões de barris por dia, por efeito das sanções contra Venezuela e Irã, mais os cortes da OPEP, você verá preços mais altos.”

Mas ninguém está vendo preços mais altos. O Brent cru permanece próximo do preço mais baixo em sete meses, em torno de US$60 o barril. Significa que o Irã continua a vender, principalmente para a China. O balão de ensaio lançado nos Emirados Árabes Unidos bem pode ser a China camuflando sua compra continuada de petróleo iraniano.

O ministro de Relações Exteriores do Irã Javad Zarif só faz dar mostras e mais mostras de talento diplomático, e vai vencendo de 10 a zero o governo de Donald Trump. Mas todas as grandes decisões no Irã partem do Supremo Líder Aiatolá Khamenei. Aplica-se também à posição de Teerã em relação às formas de apoio da parceria estratégica Rússia-China.

O que os recentes poucos meses deixaram perfeitamente claro é que o pulso magnético de Rússia-China está atraindo Irã, Turquia e Paquistão, atores chaves da Eurásia. Que ninguém se engane: Teerã muito se orgulha da própria independência política, e é tranquilizador saber que o Irã é, e continuará a ser, definitiva linha vermelha que Rússia-China não atropelará.*******

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