Por Ricardo Guerra para o Saker Latinoamérica e PLR – 17 de junho de 2022
Apesar do pioneirismo na implantação do processo eleitoral eletrônico, não é preciso ser um especialista para perceber que o Brasil não mais se encontra na vanguarda da área (ver também aqui), sendo considerados pontos bastante críticos:
- A falta de transparência do funcionamento do sistema das urnas eletrônicas no país;
- E a injustificada impossibilidade da comprovação efetiva da sua segurança.
A discussão sobre a necessidade de transparência e segurança no sistema de funcionamento das urnas eletrônicas brasileiras não é recente:
- Estudiosos da área da informática se dedicam a esse fim desde o final da década de 1990;
- E o movimento foi ganhando força a partir da realização de testes públicos de segurança, tomando um impulso maior quando foi organizado o 1º Fórum Nacional de Segurança em Urnas Eletrônicas – no ano de 2013.
Dessa e de outras experiências, resultou o alerta quanto a diversas vulnerabilidades encontradas no nosso sistema eleitoral eletrônico, com destaque para o fato de que:
- O sistema funcional das urnas eletrônicas brasileiras não permite saber se o voto (eletronicamente gravado) corresponde realmente ao voto dado pelo eleitor;
- E não nos dá a possibilidade de se fazer uma auditoria – quanto a esse aspecto.
Muitas das novas tecnologias desenvolvidas no mundo, no sentido de aprimorar a segurança dos processos eleitorais através da votação eletrônica, não foram incorporadas ao sistema brasileiro e causa muito estranhamento – o fato do Brasil ser o único país no qual os votos ainda são registrados apenas de forma eletrônica:
- A realidade é que o sistema funcional das urnas brasileiras hoje está ultrapassado;
- Precisa ser aperfeiçoado;
- E a simples implantação do registro impresso do voto – acoplado à urna eletrônica – representa uma solução prática para esse problema.
O registro em papel é a forma mais segura de garantir que os votos do eleitor (registrados de forma eletrônica) possam ser auditados, caso se queira ou haja algum problema:
- Esse registro permite provar ao eleitor, de forma muito prática e simples, que o sistema está funcionando corretamente;
- E a primeira coisa que é preciso ficar clara – é que o registro impresso do voto nada tem a ver com o antigo voto manuscrito.
Defender o registro do voto eletrônico em papel não é um retrocesso – como muitos querem nos fazer crer:
- Muito pelo contrário, o registro impresso do voto eletrônico é um importante avanço para a democracia;
- E representa apenas um dos passos necessários no sentido da adoção de novas tecnologias visando aumentar a segurança nos processos eleitorais informatizados.
Aqueles que se apresentam contrários à comprovação física do voto eletrônico, enfaticamente o fazem levantando questões relacionadas ao sigilo do registro eletrônico do voto, o que na verdade é uma falácia:
- O fato de se ter registro em papel não significa que o eleitor será identificado e tampouco que ele ficará de posse de qualquer comprovante que revele a sua escolha;
- E esse procedimento não muda nada em relação a possibilidade de coação por parte de milícias (o denominado voto de cabresto) ou ainda a compra de votos;
- Até porque, esse é um problema que pode existir em qualquer forma de votação, seja no modelo atualmente em uso ou no proposto com a comprovação impressa do voto eletrônico.
O registro impresso do voto eletrônico segue um processo simples, seguro e muito prático:
- O comprovante impresso não apresenta nenhuma identificação do eleitor;
- É depositado automaticamente em uma urna física, após a sua conferência e confirmação pelo eleitor, e o eleitor não mantém qualquer contato físico com esse comprovante impresso – apenas o confere.
Ao final do horário estabelecido para votação, a urna é lacrada (sob a supervisão dos mesários e fiscais dos partidos) e transportada para os Tribunais Regionais Eleitorais:
- O processo de totalização e divulgação dos resultados não muda e a contagem eletrônica é feita, da mesma forma – em horas;
- As urnas físicas ficarão disponíveis para dirimir dúvidas e a realização de auditoria, caso haja solicitação por parte de algum cidadão, candidato, partido, órgão, etc;
- Neste caso, algumas urnas são escolhidas aleatoriamente e seus votos impressos são totalizados e comparados com os votos computados eletronicamente.
Além da possibilidade do voto registrado eletronicamente ser comprovado e as urnas serem passíveis de auditoria, outras questões também precisam ser resolvidas, entre elas:
- O fato de todas as urnas brasileiras serem protegidas por um único segredo criptográfico, ou seja, se alguém com intuito criminoso descobrir qual é o segredo de uma urna, terá a possibilidade de abrir o acesso ao sistema de todas as urnas do país;
- Outras situações de risco, que possibilitam a realização de fraudes, podem acontecer desde o momento da inserção dos softwares nas urnas até o próprio ato da votação, e contra isso também é necessário se estar atento.
Mas a questão principal no contexto da análise sobre as urnas eletrônicas, é que:
- No modelo atual, se uma fraude acontecer, não se tem mecanismos eficientes para se fazer uma auditoria;
- E é justamente o mecanismo de comprovação impressa do voto (acoplado à urna eletrônica) que nos abrirá a possibilidade de se fazer essa averiguação;
- Portanto, usar esse tipo de controle nos nossos processos eleitorais é fundamental porque a possibilidade de verificação do voto de cada eleitor é o que vai garantir a credibilidade dos softwares utilizados.
Por outro lado, é importante ressaltar, que apesar de Bolsonaro “defender” a ideia da comprovação física do registro eletrônico do voto, fato que deixa muitas pessoas desconfiadas, a verdade é que nunca foi isso o que ele realmente quis.
Essa foi apenas mais uma estratégia (por ele usada) para confundir a esquerda e manter o controle da situação, impedindo que o foco dessa discussão pudesse cair onde não devia – e sempre foi em sentido contrário à aprovação desse tipo de controle do voto que ele trabalhou.
Bolsonaro sempre soube que o registro impresso do voto eletrônico teria muita dificuldade para ser aprovado – e atuou da seguinte maneira para garantir exatamente isso:
- Estimulou a polarização entre as pessoas, sequestrando a pauta da corrupção eleitoral (tradicionalmente encampada pela esquerda) e foi fazendo “o seu costumeiro jogo de atuação”;
- Usando principalmente o fato de que qualquer posicionamento que toma – sempre leva a esquerda a uma forte tendência de contraposição.
Isso, além de facilitar o cenário teatral para derrotar esse importante avanço para a democracia brasileira que é a comprovação impressa do voto e a possibilidade da urna eletrônica ser auditada, ainda foi lhe assegurando elementos para jogar com seu público seguidor, inclusive poder acusar de fraude uma derrota que porventura possa ter.
A esquerda mordeu a isca e, se contrapondo a mais esta falsa bandeira levantada por Bolsonaro, fez um grande desserviço ao Brasil:
- Mais uma vez, se “deixou cair” em operação psicológica (Pysop) arquitetada por quem realmente dá as cartas e comanda todos os passos do governo Bolsonaro (o Estado Profundo Tabajara);
- E, conforme disse o ex-senador Requião, ao entrar nessa polarização sobre a questão do registro impresso do voto e das urnas auditáveis – a esquerda cometeu uma verdadeira estupidez.
O registro impresso do voto eletrônico significa dar segurança ao processo eleitoral e a rejeição do Projeto de Emenda Constitucional referente a possibilidade de auditoria nas urnas, através do registro impresso do voto eletrônico, deu a Bolsonaro o poder de continuar com a sua narrativa diversionista:
- Para seguir insuflando as pessoas com a ideia de uma articulação, um conluio orquestrado pela esquerda (“os comunistas” personificados no PT), para dar um golpe na democracia – através de fraude;
- Quando, na verdade, são exatamente eles, o grupo que articulou para colocá-lo (como fantoche) no poder e dar continuidade e celeridade ao processo de desmonte do Brasil, que fazem isso, e constantemente agem para desestabilizar a democracia e promover golpes de Estado;
- As urnas no Brasil estão colocadas sob a tutela desse pessoal e, se realmente for feita uma auditoria (e se encontrar indícios ou provas de fraudes na votação) muito provavelmente serão eles que vão estar envolvidos – é só seguir esse fio no Twitter para entender isso.
Portanto, ao invés de aproveitar a pauta “sequestrada por Bolsonaro” e resgatar uma das principais bandeiras de luta de um dos mais importantes representantes do progressismo e nacionalismo da esquerda no Brasil – o saudoso Leonel Brizola – a ex-querda (cirandeira e identitária) ainda comemorou essa infeliz e mais que lamentável vitória de Pirro na votação da PEC 135/19, referente ao voto auditável.
Apequenada, em nenhum momento a esquerda questionou o resultado das eleições de 2018 e evitou o confronto em busca da anulação do pleito mais fraudulento da história do Brasil:
- Fraudes que vão muito além da suposta fakeada, do uso (escancaradamente aberto) de caixa 2 na campanha eleitoral, e das escandalosas fake news;
- Sobre essas fraudes, é possível se aprofundar nessa importante matéria publicada na Gazeta Revolucionária, logo após a realização das eleições em 2018.
Assim, tudo segue acontecendo dentro do que se configura como esperado pelo grupo que hoje domina completamente a narrativa do jogo político no Brasil, cujas “cartas” se encontram no coturno, e livremente vão atuando a serviço do capital apátrida transnacional – defendendo os interesses do imperialismo no Brasil.
Enfim, como era de se esperar, Bolsonaro pautou o tema apenas para tumultuar e criar mais uma situação para proveito imediato:
- Ajudando a “passar bois e mais bois” da boiada da agenda neoliberal conduzida pelo imperialismo, enquanto se polemizou a situação;
- E também, na perspectiva de enterrar de vez essa importante pauta anteriormente defendida pela (outrora combativa) esquerda.
De quebra, Bolsonaro ainda conseguiu trazer para si o direito de posar como “defensor da democracia”, angariando narrativas para mobilizar seu público seguidor.
Todo esse processo representa uma verdadeira tragédia, na qual o quantitativo de votos, a favor e contrários à PEC 135/19, agora pouco ou nada importa – e o horizonte que se vislumbra é de mais e mais fraudes eleitorais.
Infelizmente, pelo menos no presente momento, a esquerda brasileira perdeu a narrativa e a capacidade de mobilização para a luta e não está sendo capaz de impor outro horizonte político para o país:
- Perdida, não está sabendo fazer o que realmente precisa;
- Ou seja, mudar a forma de jogar e romper de vez com essa tal política de alinhamento e negociação.
Nada mais é possível esperar da conciliação, a burguesia e o imperialismo neoliberal precisam ser efetivamente confrontados:
- A organização popular é fundamental;
- E cabe à esquerda, verdadeiramente revolucionária e anti-imperialista, mobilizar essa organização.
Quanto à questão das urnas eletrônicas, apenas resta à esquerda reconhecer o erro (perceber o óbvio) e combativamente lutar para inverter esse jogo:
- Encampando um projeto que verdadeiramente viabilize a auditoria das urnas eletrônicas;
- Jogando a Pysop de volta no colo de Bolsonaro, dos generais e dos agentes do imperialismo que os comandam.
Mas, independente da ideologia que se tenha (de centro, direita, esquerda ou de qualquer outra derivação), todos os cidadãos que se preocupam com a segurança e a transparência da votação no processo eleitoral do Brasil, necessariamente precisam apoiar a luta pela criação de condições para que as urnas eletrônicas possam ser auditadas: é o mínimo que se pode fazer!
Ricardo Guerra é cronista anti-imperialista. Articulista da Gazeta Revolucionária, da Primera Línea Revolucionária América Latina, da Rádio Expressa e da Rádio Revolução Latino-americana.
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