O terreno baldio da política britânica

M. K. Bhadrakumar – 16 de outubro de 2022 – [Gentilmente traduzido e enviado por Dakini]

Truss renunciou ao seu mandato na data da publicação dessa tradução.

Quando um horrendo jogo de poder marca o fim da carreira de um político fenomenalmente bem-sucedido, é doloroso de ver. Seguindo todos os relatos na imprensa britânica das últimas semanas, ficou claro que a Noite das Facas Longas [Nota do tradutor: termo cunhado na Alemanha nazista, significando execução políticas extrajudiciais], estava se aproximando para o primeiro-ministro mais fotogênico que a Grã-Bretanha e a Irlanda do Norte já produziram — Liz Truss.

Enoch Powell, se bem me lembro, disse uma vez que a tragédia da maioria dos políticos é que eles não sabem deixar a vida pública antes que o sol comece a se pôr no oeste de sua carreira. De fato, Truss aceitou para si um fim bastante ignominioso para sua impressionante carreira política. 

Pois, ela deveria saber que na vida, é mais importante estarmos cientes de nossas fraquezas do que nossos pontos fortes. Mas ela estava sendo guiada por uma ambição avassaladora de seguir os passos de Margaret Thatcher, enquanto estava claro para qualquer um que visse sua controversa visita a Moscou em fevereiro, que Truss estava perigosamente perto de ser revelada como uma política incompetente. Pensando bem, ela ansiosamente buscou um convite de Moscou para virar manchete da mídia como uma diplomata de fala dura, mesmo com o tempo fechando sobre a Ucrânia. 

Mas então, Truss provavelmente acredita que o sucesso e a competência não estão necessariamente interrelacionados e que política nada mais é que embalagem e marketing — ou, pura sorte. Ela está certa em pensar assim. Boris Johnson teve serventia para ela. Contudo, Truss ignorou que a Grã-Bretanha não está apenas doente, mas provavelmente em fase terminal, e apenas um político com uma varinha de condão pode tirar o país de sua miséria, e que ela não está à altura dessa tarefa. 

O resultado é que em pouco mais de um mês de seu período como primeiro-ministro, Truss provou que a maldição de (Z)Elensky é real. Se ela quisesse abandonar os planos para acabar com o aumento programado do imposto sobre sociedades de 19 para 25%, seria ruim. Mas quando ela deu para trás, também foi ruim. A atmosfera política tornou-se sulfurosa. 

Claro, um dia é muito tempo na política, mas pelo que parece, Truss é um caso esgotado e seus dias como primeiro-ministro estão contados. A atenção já se voltou para Rishi Sunak como seu provável sucessor. Isso vai fazer alguma diferença? 

Sunak tem uma estranha semelhança com Barack Obama — um globalista volúvel, carismático e bem-educado, que teria a aceitação do estabelecimento permanente do país como alguém que pode ser confiável para não atrapalhar os seus planos. Mas isso é tudo o que é necessário para desviar a Grã-Bretanha da conjuntura de crise? 

Uma parte significativa das dores de parto da Grã-Bretanha hoje decorre das sanções do Ocidente contra a Rússia. De acordo com um relatório do Sunday Telegraph, em meados de abril, os cidadãos britânicos já estavam militando contra as sanções devido ao aumento dos preços, especialmente dos combustíveis. O jornal The Guardian também informou que haveria pressão inflacionária e a economia desaceleraria no Reino Unido após medidas econômicas contra a Rússia. 

“As ondas de choque da invasão russa da Ucrânia reduzirão os padrões de vida do Reino Unido em £ 2.500 por família, levarão a uma pressão inflacionária mais persistente e desacelerarão a economia no próximo ano, temem os economistas”, escreveu o jornal em março. 

A confiança do mercado, o valor da Libra e dos títulos do governo estão caindo e o Banco da Inglaterra está inquieto, pois os investidores temem que a economia britânica não possa subscrever um golpe de £ 60 bilhões na dívida pública. 

Por outro lado, as despesas públicas devem ser reduzidas, mesmo correndo o risco de provocar uma explosão social mais ampla. Mas, como identificar dezenas de bilhões de Libras de cortes em apenas três semanas? A venda de títulos e a queda da Libra levaram o Banco da Inglaterra a aumentar as taxas de juros mais rapidamente do que o planejado, o que, por sua vez, fez com que as hipotecas subissem. 

O problema é que, se Sunak for de fato apresentado como primeiro-ministro, isso será o resultado de um golpe palaciano e pelas razões erradas, especialmente por sua formidável habilidade de manipulação nos corredores do poder. A Times escreveu: “Os conservadores sênior estão discutindo sobre a substituição de Liz Truss pela dupla Rishi Sunak e Penny Mordaunt como parte de uma ‘coroação’ por membros do Parlamento.”

“Cerca de “20 a 30″ ex-ministros e deputados sênior estão tentando encontrar uma maneira do ‘conselho de anciãos’ dizer a Truss para desistir.” O golpe é executado quase abertamente pelos gestores bancários e de ativos mundiais, com a expectativa crescente de que a nova equipe possa restaurar a confiança na economia do Reino Unido — enquanto, na realidade, satisfaria os interesses da oligarquia financeira. 

Se o truque não funcionar ou se algo der errado, há o plano B — uma eleição geral. A parte interessante é que, se a oposição trabalhista vencer — como poderia acontecer com os atuais números das pesquisas de opinião mostrando que os conservadores seriam reduzidos a ocupar apenas 85 lugares de 356, e seu pior resultado de longe — os interesses da oligarquia financeira permanecerão totalmente seguros nas mãos do líder trabalhista Sir Keir Starmer, que com certeza servirá aos especuladores globais e as salas de reuniões corporativas. Após a derrubada de Jeremy Corbyn, houve uma purga completa de seu rebanho de socialistas. 

É um resultado sombrio. Recentemente, a Al Jazeera apresentou uma reportagem fascinante sobre o funcionamento da democracia partidária interna dentro do Partido Trabalhista, que mostra “como os burocratas do partido, cuja função nominal é servir os interesses do partido, tentaram minar os membros que apoiavam Jeremy Corbyn,… Líder do partido trabalhista de 2015 a 2020,… o primeiro líder inequivocamente socialista do partido desde a década de 1980, (que) montou uma onda de descontentamento popular contra o estabelecimento político, posicionando-se sobre uma plataforma de propriedade pública de indústrias-chave, um estado de bem-estar fortalecido, e um fim às medidas de austeridade impostas pelo governo conservador naquele momento.”  

Tanto em termos da guerra de classes em casa quanto da guerra da Grã-Bretanha contra a Rússia e a China no exterior, nenhuma transformação séria pode ser esperada de uma mudança de regime calibrada pelo Estado Profundo. O único lado positivo é que a capacidade da Grã-Bretanha de alimentar a guerra da Ucrânia diminuiu drasticamente à medida que luta sua própria batalha pela sobrevivência. Com um exército permanente de 80.000 homens — um quarto do tamanho do da Eritreia – a Grã-Bretanha estava, de qualquer forma, lutando bem acima de suas possibilidades na Ucrânia. 

A coisa certa a fazer é o próximo primeiro-ministro do Reino Unido visitar Washington sem demora e fazer com que Biden termine com esta guerra sem sentido na Ucrânia e revogue as sanções contra a Rússia, que fizeram sangrar as economias do Reino Unido e de outros aliados europeus. O cerne da questão é que a prosperidade da Europa se baseou na disponibilidade de enormes quantidades de energia barata e fiável provenientes da Rússia.

Mas será um ato ousado — quase suicida — para Sunak ou qualquer político britânico enfrentar o Estado Profundo. Será que Sunak será capaz disso? No seu íntimo, ele nunca pareceu entusiasmado com a guerra na Ucrânia ou com o regime de Kiev. Então, o Estado Profundo vai se arriscar? Com efeito, é precisamente aí que residiriam as possibilidades de Ben Wallace, o Secretário da Defesa. Vai dar zebra na política britânica!


Fonte: https://www.indianpunchline.com/the-wasteland-of-british-politics/

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