Depois dos fracassos de Bolsonaro, por que a eleição do Brasil foi tão apertada?

Entrevista transcrita por Yves Smith em 2 de novembro de 2022 

Aqui é Yves. Esta entrevista ajuda a desvendar por que a vitória de Lula não foi tão retumbante quanto muitos estrangeiros imaginavam. Uma questão geral que muitas vezes é subestimada é que, em tempos economicamente ruins, o centro de gravidade do voto normalmente se move para a direita, e isso alimentou a ascensão de Bolsonaro. Mas Bolsonaro também tem uma base forte na direita evangélica.

Por Paul Jay. Originalmente publicado em Analysis.news

Paul Jay

Oi. Bem-vindos ao Analysis.news. Sou Paul Jay. Estaremos de volta em apenas alguns segundos para discutir os resultados das eleições brasileiras e tentar responder à pergunta de, como diabos essa eleição foi assim tão apertada? Por favor, não se esqueça que há um botão de doação. Estamos chegando perto do final do ano, e eu sei que as pessoas estão pensando em doar algum dinheiro a menos que tenham perdido tudo nos mercados de ações, e neste caso você conta com as minhas condolências. Se você, porém, tem algum dinheiro para doar, e caso queira doar para the Analysis, por favor, visite o nosso site e clique no botão doar. Não se esqueça de se inscrever e entrar na lista de e-mail. Volto em alguns segundos.

[Luiz Inácio] Lula [da Silva] venceu as eleições presidenciais no Brasil por um triz – 50,9% contra os 49,1% de [Jair] Bolsonaro. Por que o resultado ficou assim tão apertado? Bolsonaro é provavelmente ainda mais louco do que Donald Trump. Ele lidou mal com a situação do COVID ainda pior do que Trump, se isso for possível, e sua família e muitos de seus aliados estão atolados em corrupção. Por que ele conseguiu ficar a 2% de Lula e quase foi reeleito? Dada a quantidade de apoio que a política de extrema-direita tem, o que isso significa para o futuro do Brasil?

Agora, juntando-se a nós para ajudar a responder essa pergunta, Lorena Barberia. Ela é professora do Departamento de Ciências Políticas da Universidade de São Paulo. Obrigado por se juntar a mim de novo, Lorena.

Lorena Barberia

Obrigada. Obrigada por me convidarem. É bom estar aqui e ter a chance de falar sobre esses momentos realmente emocionantes no Brasil.

Paul Jay

Então, antes de entrarmos no que pode vir a acontecer, deixe-me perguntar: eu estava em São Paulo no início dos anos 90, então isso foi há 30 anos. Eu estava pesquisando para um filme chamado Escravidão Moderna na época e fui até a Amazônia e outros lugares. Estive em um bairro em São Paulo, e me encontrei com um trabalhador após o outro que eram progressistas. Muitos deles eram trabalhadores sindicalizados da indústria automobilística, embora eu tenha ficado surpreso ao ver quantos trabalhadores viviam na periferia. Eu acho que, pelo menos na época, esse era o caso, e ainda pode ser. A periferia está longe de qualquer lugar que eu pensasse pudesse ter apoiado Bolsonaro.

Depois de quatro anos de Bolsonaro, que, como eu disse, provavelmente é mais maluco do que Trump e provavelmente lidou pior com a crise do COVID do que Trump. Como diabos ele chegou tão perto de ser reeleito?

Lorena Barberia

Temos que voltar um pouco na história para entender o presente. Acho que o que é importante sobre o que você estava falando- sobre estar em São Paulo naquele período, que é quando Lula iniciou sua carreira política- é que ao longo desse período, temos uma realidade econômica dramática e muito difícil no Brasil, principalmente se olharmos para os últimos anos. Tivemos um crescimento muito fraco já antes de Bolsonaro ser eleito. Então tivemos crises econômicas recorrentes e desindustrialização, que culminaram no aumento do desemprego antes de Bolsonaro ser eleito.

Bolsonaro é eleito como candidato surpresa. É muito importante lembrar que ele é eleito; sua plataforma política são slides de PowerPoint. Ele nem sequer tinha um plano de governo quando lançou sua eleição presidencial em 2018. É um desconhecido surpresa, e ninguém esperava que ele fosse eleito. A reação e a resposta ao PT e aos escândalos de corrupção foram tão fortes que ele lentamente começou a ganhar velocidade nas eleições. Ele é atacado. Ele é esfaqueado. Alguém o esfaqueou durante a campanha eleitoral, e ele foi hospitalizado. Essa é uma grande reviravolta na eleição de 2018 em que ele se ergue.

Uma vez que isso aconteceu, houve essa tentativa; alguns questionaram se realmente aconteceu ou se foi orquestrada. Há controvérsias sobre ele ter sido realmente atacado física e violentamente, mas isso foi um grande ponto de viragem na eleição. Depois disso, foi muito difícil para ele ser derrotado.

Fernando Haddad – ex-ministro da Educação no governo de Lula, chegou perto, mas perdeu no primeiro turno, e no segundo turno, ele só ganhou 44% dos votos.

Paul Jay

É o candidato do PT, do Partido dos Trabalhadores.

Lorena Barberia

Sim, como candidato do PT.

Chegando muito rapidamente a pensar no que está acontecendo antes desta eleição, já temos no Brasil um contraste muito forte entre o PT, que mudou muito. No momento estamos falando sobre como o PT se originou. O PT se tornou um partido político convencional, negociando e governando com o centro. Os vice-presidentes nos primeiro e segundo mandatos de Lula e nos mandatos de Dilma [Rousseff], primeiro e segundo mandatos, sempre foram partidos de centro-direita com os quais se alinharam para governar. O PT mudou e se comprometeu muito para poder governar o Brasil.

Na eleição de 2018, já havia uma reação anti-PT muito forte às alegações de corrupção, e isso tornou muito difícil para o PT competir e apresentar a candidatura. A outra razão foi que Lula foi proibido de concorrer em 2018 devido ao escândalo de corrupção, e ele estava preso. Houve muito questionamento sobre a legitimidade das acusações, a legitimidade dos julgamentos e como as provas foram motivadas politicamente e usadas pelos juízes para colocá-lo na cadeia. Acho que esse é o pano de fundo que leva a 2022.

Paul Jay

Deixe-me enterferir por um segundo. Só por um segundo. Duas coisas. Uma é, ok, talvez eu possa entender no início, quando Bolsonaro é eleito pela primeira vez, as pessoas podem estar confusas. A economia não era tão boa quanto…

Para as pessoas assistindo, se você vê meus fones de ouvido apenas magicamente estalando na minha cabeça, é porque eu tinha uma dessas coisas alimentado por bateria, e ele morreu. Pensei que fosse ok.

Então deixe-me seguir com a minha pergunta. Se voltarmos para quando Bolsonaro foi eleito pela primeira vez, a economia não vai tão bem. Muitas das promessas durante o tempo de Lula foram cumpridas. A vida ficou melhor para as pessoas, mas então não estava ficando melhor para as pessoas. Entendo por que muita gente se confunde e vota no Bolsonaro.

Agora, primeiramente, Bolsonaro não melhorou a economia. E, a corrupção de Bolsonaro é bastante conhecida. Pensei que a maioria das acusações de corrupção contra Lula foram reconhecidas como inventadas, e o cara que era o juiz então se tornou o maldito ministro da Justiça no governo de Bolsonaro. Explique este momento. Como as pessoas, metade da população votante, ainda votam nesse cara?

Lorena Barberia

Então, acho que uma coisa que é importante entender é que, em geral, nessa eleição, a maioria dos candidatos que se apresentaram para competir contra Bolsonaro não eram da esquerda. A maioria dos outros candidatos, as alternativas a Lula, eram candidatos de direita. Lula formou uma coalizão – é o que se chama na América Latina de ‘Frente Ampla’. É uma ampla coalizão. Um grande teto que tenta trazer o centro, os partidos mais progressistas para o centro para se juntar ao PT e concorrer contra Bolsonaro.

Esta é uma coalizão moderada e ampla de partidos políticos. Há dez partidos apoiando Lula na eleição que concordam em ter uma única candidatura, e o vice-presidente em exercício é um ex-PSDB, candidato à presidência, que concorreu contra Lula, Geraldo Alckmin, que é ex-governador do Estado de São Paulo.

A ideia é que, de um lado, temos uma coalizão de centro-esquerda. Além de Bolsonaro, há mais partidos de direita que estão lançando candidatos e, na verdade, pressionando a eleição para debater as questões ainda mais à direita do espectro político do que Bolsonaro já é. Este é o primeiro turno da eleição.

Acho que no primeiro turno da eleição, tivemos realmente a maioria dos partidos políticos, além de Bolsonaro, atacando a candidatura de Lula. Foi um primeiro turno muito difícil, centrado principalmente em torno de muitos escândalos políticos e acusações de corrupção. Esse foi o problema. Quem é mais corrupto? Queremos a corrupção do passado, ou queremos a corrupção do presente? Essa era a questão dominante.

No segundo turno, finalmente, como os outros candidatos desapareceram e ficaram apenas Bolsonaro e Lula se enfrentando, entramos um pouco em algumas das grandes questões agora que são de preocupação para o eleitorado brasileiro. Ou seja, o que aconteceu durante a pandemia. Bolsonaro estava certo ou errado ao dizer que não era culpa dele que a situação fosse tão ruim quanto era, que era o que ele argumentava nas eleições? A outra questão foi, quem é mais corrupto? Lulu é corrupto, ou Bolsonaro é? Então ainda tivemos muitos escândalos no meio de tudo isso, desviando a atenção das questões.

Eu acho que uma coisa que é realmente importante ressaltar é que Bolsonaro chegou tão perto porque o eleitorado brasileiro, em geral, é bastante de direita e conservador. Após essa eleição, isso se torna realmente visível. Se olharmos para as eleições para governador, se olharmos para a votação nas eleições nacionais, fica bem claro que há uma forte votação anti-PT que está muito presente na maioria do Brasil; na maioria dos estados.

Uma das coisas que fez Bolsonaro tão efetivo nessa campanha foi o seu uso de trazer de volta “qualquer coisa é melhor que trazer de volta o PT para o governo”. Essa foi a sua grande atitude. Lembrar os eleitores, “você realmente quer que o PT volte? Caso contrário, a única saída é votar em mim, que você já sabe do que se trata.” Para um eleitorado, que é bastante moderado, conservador e também muito religioso. O movimento evangélico foi muito ativo nas eleições, o que realmente o ajudou a garantir mais apoio político.

Eu acho que outra razão, porém, que é importante entender sobre como chegamos onde chegamos e onde estamos é também ressaltar que Bolsonaro ainda não reonheceu a eleição. Os resultados das eleições foram anunciados ontem à noite. O juiz do Supremo Tribunal Eleitoral anunciou a decisão. O Presidente do Senado aceitou os resultados. Vários de seus ministros saíram para reconhecer os resultados, mas ele ainda não admitiu a eleição. Essa foi outro grande instrumento que tínhamos no meio de todas as eleições – questionar a legitimidade do processo de votação das eleições e da maneira como as eleições são realizadas no Brasil.

Eu acho que outra razão pela qual Bolsonaro foi tão eficaz é que ele lançou muitas dúvidas sobre as instituições da democracia. Dúvida sobre o sistema judiciário. Dúvida sobre o Congresso. Dúvida sobre como essas instituições são tendenciosas contra ele. Ele argumenta consistentemente sobre isso. Ele é uma vítima de um processo voltado para negar-lhe o poder político e que de alguma forma o sistema é sempre manipulado contra ele.

Paul Jay

Nós sabemos. Já ouvimos essa discussão.

Lorena Barberia

Certo.

Paul Jay

Muito Trumpiano.

Lorena Barberia

Sim, e a última parte é que porque ele se envolveu em muitas manipulações fiscais para tentar comprar a eleição, e se safou de coisas que historicamente são sem precedentes em termos de obter – geralmente o que acontece logo antes da eleição. Há muitas proibições de gastos fiscais que você não tem muito espaço para manobrar nos seis meses antes de uma eleição. Bolsonaro recebeu todos os tipos de autorizações do Congresso para gastar quantias discricionárias de fundos e tentar fazer coisas diferentes para atingir lugares específicos e tipos específicos de eleitores. Ele aumentou o programa de transferência de dinheiro. Aumentou os gastos discricionários para municípios específicos para tentar lidar com prefeitos e governadores para saírem e fazerem lobby e obter apoio político para ele.

Houve vários escândalos porque o que aconteceu foi que tivemos um grande escândalo de corrupção em torno do orçamento. O que aconteceu é que ele pegou o orçamento, programático, e converteu uma parte desse orçamento em um orçamento secreto que é discricionário. Programas que deveriam ser financiados, como farmácias; distribuição de medicamentos para farmácias no sistema público de saúde, foram desfinanciados. Esses fundos foram para um fundo secreto que ele estava usando para distribuir aos prefeitos e aos governadores para comprar apoio político.

Acho que outra razão pela qual ele chegou tão perto é que ele realmente colocou muito poder econômico na tentativa de obter votos e comprar votos. É realmente impressionante. Se olharmos para tudo o que aconteceu e adicionarmos notícias falsas e todas as estripulias e escândalos que estavam acontecendo, é incrível que ainda possamos olhar para os resultados que temos agora e que Lula conseguiu garantir a eleição. O grau de intervenção, questionamento das instituições, uso de política fiscal, publicação constante de notícias falsas e não debate dos problemas era uma questão realmente difícil. Foi uma eleição muito difícil de vencer.

Paul Jay

Ora, a vida das pessoas não melhorou, num todo, a vida das pessoas que trabalham, quando Lula era presidente? Sei que a esquerda, grande parte da esquerda, ficou desapontada. Acharam que Lula deveria ter feito mais. Talvez ele devesse. Talvez ele não pudesse. Deixando esse debate de lado, a vida das pessoas melhorou, pelo meu entendimento, e elas não melhoraram com o Bolsonaro.

Apesar de tudo que você disse, não teria sido mais desilusão com Bolsonaro? Eu sei que você trabalhou especificamente na questão da COVID, e o Brasil foi um dos piores do mundo em lidar com a COVID. Parece que ele tem o que costumavam chamar de Reagan, o Presidente Reagan, o “homem de Teflon”. Ele parece escorregar. Parece que não faz diferença.

Quanto é o nacionalismo cristão? Quão grande é esse fator? Eu sei que nos Estados Unidos, uma grande parte, não todos, mas uma grande parte do apoio de Trump são cristãos evangélicos, cristãos católicos de direita, mas o nacionalismo cristão, como um todo. Em certo sentido, eles realmente não se importam com o que Trump faz ou não faz. Ele é um veículo para a ideologia deles. É esse também o caso no Brasil? Até que ponto a Direita Cristã Americana está apoiando, ajudando, orientando e financiando a Direita Cristã no Brasil?

Lorena Barberia

A esposa de Bolsonaro é uma evangélica muito proeminente. Ela segue o movimento evangélico. Trazem pastores com eles quando viajam pelo país. Quando Bolsonaro aceitou, inicialmente, quando venceu as eleições em 2018, do lado direito, trouxe um pastor enquanto lia seu discurso de aceitação eleitoral. A religião e a religião evangélica têm sido muito, muito importantes. Ainda mais importante do que nos EUA. Você nunca teve Trump trazendo pastores evangélicos no Air Force One, viajando durante a campanha e constantemente usando pastores evangélicos e essa linguagem. Mesmo até o último momento, Bolsonaro estava twittando passagens bíblicas no seu Twitter, e sua esposa também. Eles estavam tentando ganhar sensibilidade com os eleitores evangélicos. Acho que é muito importante entender esse fenômeno.

Além disso, há uma percepção nisso – acho que esse movimento é muito diferente da Direita Cristã nos EUA, em vários casos, no sentido de que esse movimento evangélico no Brasil tem uma maneira realmente diferente de pensar sobre Bolsonaro. Ele está associado religiosamente como um símbolo. Só Deus pode explicar que ele sobreviveu a uma tentativa de assassinato durante a candidatura de 2018.

Durante a eleição, a esposa de Bolsonaro usou muitas analogias para garantir que os eleitores entendessem Lula como Satanás. Lula, cuja esposa – ele era viúvo, ele é casado pela terceira vez em sua vida – a esposa de Lula como não-cristã, ou talvez alguém que não seja católico, e precisamos nos preocupar com sua orientação religiosa, bem como com a orientação religiosa de Lula. Durante o último debate, Bolsonaro repetidamente acusou Lula de ser a favor do aborto dizendo: “você está em um aborto”.

A primeira esposa de Lula morreu em trabalho de parto. Ele perdeu o primeiro filho. Ele perdeu a esposa quando era muito jovem. Ele tinha 17 anos. Ele os perdeu durante o parto. Não tem nada a ver com aborto. A maneira como, mesmo neste debate, Bolsonaro foi autorizado a trazer para o debate e acusar Lula de ser a favor do aborto. Acho que não temos dificuldade em entender uma nação fortemente católica como o Brasil. Temos uma forte orientação católica. Temos um movimento evangélico cristão muito forte. A ideia de manipular e trazer essas coisas de Satanás e que essa pessoa é a favor do aborto, realmente assusta ou traz medo para mais conservadores.

Paul Jay

Por que está dizendo que difere dos Estados Unidos? Isso é exatamente o que está acontecendo nos Estados Unidos. [crosstalk 00:25:04].

Lorena Barberia

O aborto não é legal no Brasil da mesma forma que nos EUA. Ainda há muitos tabus em torno disso. Quando a gente pensa nessas questões, temos essas decisões muito grandes agora no Brasil. A única maneira que você está autorizado a fazer um aborto é no caso de estupro.

Havia uma criança de doze anos que foi estuprada, e os juízes de Bolsonaro negaram o direito ao aborto da criança de doze anos. Houve um enorme vai e vem, de modo que, no momento em que a criança foi finalmente autorizada a se submeter ao procedimento médico, devido às disputas judiciais no caso, a gravidez estava bastante avançada.

Houve dois grandes incidentes desse tipo. O que aconteceu é que, se você pensar sobre a questão do aborto – por que estou contrastando no caso dos EUA? Não é nada comum, que você tenha permissão ou que as pessoas tenham uma experiência de conhecer outras que tenham isso como um direito, sendo uma operação médica que uma mulher pode se submeter, se ela quiser. São razões e justificativas muito limitadas para que uma mulher possa se submeter a esse procedimento.

Os únicos casos que surgiram durante o governo de Bolsonaro que ele realmente manipulou foram esses casos horríveis de crianças pequenas que haviam sido estupradas e que precisavam de um aborto, e que mesmo nesses casos, ele era inflexivelmente contra o direito ao aborto dessas crianças pequenas e sua esposa falou sobre isso.

Se você pensar sobre isso, é realmente um cenário extremo. Pensando em crianças pequenas que são estupradas. Não é uma mulher e a escolha de uma mulher. Esta é uma questão muito mais difícil de falar no caso [inaudível 00:27:23].

Paul Jay

Onde está Lula sobre a questão do aborto? O que as mulheres brasileiras, no mínimo, e penso que muitos homens também, não estão dispostos a ser pró-aborto em mais casos do que estupro de uma criança e nem mesmo isso sob Bolsonaro? Novamente, quando eu estava no Brasil, parecia uma esquerda tão forte. É difícil de entender.

Lorena Barberia

É difícil de entender. Lula é anti-aborto. Ele disse nos debates presidenciais, quando Bolsonaro o atacou: “nem eu, nem nenhuma das minhas parceiras na minha vida fomos pró-escolha”. Acho que isso é importante.

Suponha que pensemos no caso dos EUA. Um candidato progressista nos EUA nunca diria ou tomaria uma declaração de repúdio, ou não seria veemente sobre o direito de uma mulher a uma escolha sobre seu próprio corpo. Há uma proeminente advogada dos direitos da mulher que trabalhou muito no aborto, e ela realmente teve que sair devido a ameaças de morte. Ela está no exílio nos EUA. Ela é uma acadêmica visitante. Durante todo o governo de Bolsonaro, ela teve que estar sob proteção policial devido às múltiplas ameaças de morte que recebeu.

Acho que é muito importante entender esse fenômeno. É um país conservador, católico-cristão. O aborto não é o que é. Ainda é uma questão muito controversa no Brasil, e é uma questão muito difícil a ser tocada pelo movimento de mulheres brasileiro. Em contraste com a América Latina, recentemente, vimos muito trabalho na Argentina, Chile e diferentes países da América Latina que conseguiram aprovar uma legislação que é mais progressiva em torno do aborto e permitindo que as mulheres escolham. Isso ainda não é o caso no Brasil.

Paul Jay

A Igreja Católica apoiou Bolsonaro?

Lorena Barberia

A Igreja Católica estava dividida. Tivemos muitos padres e bispos que se apresentaram e apoiaram Lula. Acho que o importante é sinalizar que uma das razões pelas quais Lula conseguiu vencer e é inquestionável, foi por causa de mulheres moderadas que são líderes políticos no Brasil – Simone Tebet, que era senadora. Ela foi a candidata do MDP nas eleições presidenciais. Marina Silva, sua ex-ministra do Meio Ambiente, que se afastou do PT e concorreu como candidata à presidência há duas eleições. Essas mulheres que inicialmente não estavam a bordo com Lula entraram a bordo e se tornaram apoiadoras muito fortes nas últimas semanas da eleição.

Uma vez que Simone Tebet não obteve votos suficientes na primeira rodada para ser a concorrente, ela rapidamente abraçou Lula, abraçou a coalizão e se tornou uma enorme fonte de apoio. E o mesmo serve para Marina Silva. Há também outras senadoras e governadoras que são lideranças femininas que foram realmente importantes, sendo forças políticas muito, muito fortes no trabalho para ganhar a votos da ala moderada para Lula.

Paul Jay

A esquerda, na totalidade, apoiou relativamente Lula, ou havia uma divisão lá quando chegou a eleição final?

Lorena Barberia

Sim. Agora a esquerda estava apoiando Lula e estava apoiando Lula. A questão que é realmente difícil é ganhar os eleitores do centro- os eleitores oscilantes. Os eleitores mais moderados no centro do Brasil apoiaram Simone Tebet e Ciro Gomes como alternativas a Lula. Quando a primeira rodada terminou, houve muita divisão. Ironicamente, o que Lula realmente precisava fazer era, mesmo que ele já tivesse uma linha, seu vice-presidente era do partido de centro-direita. Lula teve que continuar a conseguir apoiadores mais moderados para ganhar esses eleitores. Ele não precisava de ajuda da esquerda. O que ele precisava era de ajuda na Direita.

Paul Jay

Agora, uma das coisas nos EUA é que quase todas as grandes cidades são, de uma forma ou de outra, pelo menos, anti-Trump e votam nos democratas. Há certamente um voto muito mais progressista nas grandes cidades, e é no tipo de subúrbios estendidos e nos Estados Unidos rurais que você obtém apoio para o Partido Republicano.

Eu vi em São Paulo, o governador é um governador de direita nessa cidade maciça urbanizada que, mais uma vez, eu estive, e parecia uma cidade de esquerda na década de 1990.

Lorena Barberia

Sim. Então, a boa notícia é que, ao nível nacional, Lula venceu, mas no estado de São Paulo, o maior e mais rico estado do Brasil com mais de 40 milhões de pessoas, candidato de Bolsonaro – sem história desse partido político realmente ser uma força dominante no estado. Ele lança esse candidato, e ele apoia esse candidato; é o seu Ministro de Infraestrutura. Esse ministro da Infraestrutura concorre contra Fernando Haddad, que foi ministro da Educação no governo de Lula nos primeiros sete anos. Foi uma eleição muito importante para Lula. Lula fez muita campanha em São Paulo. Haddad fez um monte de trabalho. Ele concorreu contra Bolsonaro em 2018. Ele é uma grande figura política, mas Bolsonaro tinha Tarcísio de Freitas concorrendo em São Paulo. A reação anti-PT na zona rural do estado foi realmente forte, e Haddad nunca conseguiu superar e realmente conseguir votos na zona rural, fora da região metropolitana de São Paulo.

Paul Jay

Isso é um voto religioso?

Lorena Barberia

Acho que não é só religioso. Acho que também é disso que estamos falando. Os eleitores são geralmente de centro-direita, e há uma percepção, especialmente desde que Haddad concorreu quando Lula estava na cadeia e Lula não foi autorizado a concorrer em 2018. Haddad é visto como uma força política muito de esquerda no estado, por razões que são eventos políticos infelizes. Simone Tebet decidiu apoiar Lula ao nível nacional. No âmbito estadual, em São Paulo, ela não deu apoio a Haddad. Haddad não tinha o que Lula tinha ao nível nacional. A direita moderada não apoiou o PT no estado de São Paulo, e assim vemos os resultados. Haddad obteve 46% dos votos. Eu acho que 46 ou 44, eu tenho que verificar.

A grande diferença que Haddad precisava era que os partidos de centro-direita apoiassem sua candidatura, e ele nãofoi capaz de garantir isso. Como resultado, ele perdeu.

Com o que estamos encrencados e com o que as pessoas estão preocupadas agora no Brasil? Bolsonaro, ainda não sabemos o que vai acontecer na transição, como ele vai semear o poder, e como ele vai reconhecer a eleição. A maioria das pessoas que vão deixar a sua administração vão agora ser provavelmente recrutadas para cargos governamentais no estado mais rico do país. De forma alguma, Bolsonaro e sua coalizão, essas pessoas que surpreendem as forças políticas no Brasil nos últimos quatro anos, se foram. Só porque eles perderam no nível nacional, temos que lembrar que eles mal perderam. Eles ganharam muitos governadores, incluindo o estado mais rico do Brasil. Eles vão estar correndo, e eles vão ser proeminentes dentro dos governos estaduais. Eles vão ter cargos muito importantes, e vão ser muito eficazes em trabalhar como uma oposição a Lula ao nível nacional e questionar o que Lula está fazendo.

Paul Jay

Parece que as elites brasileiras, e de fato, as elites internacionais, querem uma transição pacífica para Lula. Muitos dos aliados de Bolsonaro saíram e disseram: “Sim, Lula venceu a eleição”. Não tenho certeza se há citações públicas diretas, mas vi algumas citações indiretas da liderança militar brasileira que disseram: “Sim, esta é uma eleição legítima”.

A mesma coisa aconteceu nos Estados Unidos quando Trump acho que tentou organizar um golpe. Isso não é só 6 de janeiro, como todo mundo sabe que segue minhas coisas. Isso é nas semanas e até meses antes de 6 de janeiro. A preponderância das elites americanas não queria essa ruptura. Eles queriam uma transição pacífica para Biden porque qualquer outra coisa seria ruim para os negócios. Isso parece ser o que está acontecendo no Brasil. Talvez Bolsonaro não goste, mas ainda pode fazer algo mesmo que seus aliados estejam prontos para seguir em frente?

Lorena Barberia

Os militares ainda não fizeram nenhuma declaração pública. De certa forma, eles não deveriam estar fazendo nenhuma declaração. Nos resultados eleitorais, temos autoridades eleitorais, então os militares não deveriam fazer declarações.

Bolsonaro havia solicitado que os militares realizassem uma avaliação da votação eletrônica e fizessem um relatório sobre a justiça do processo de votação eletrônica. Parte do que as pessoas estão esperando é que os militares ainda não avaliaram as eleições brasileiras e quão seguro ou à prova de hackers o processo de votação foi.

Acho que Bolsonaro pode fazer muito para dificultar bastante a transição. Obviamente, ele está com medo. Ele colocou como parte das proteções que tem – ele se concedeu 100 anos de privacidade no acesso a muitas das coisas que temos exigido de responsabilidade e transparência sobre suas políticas, até mesmo suas vacinas. Ele tem 100 anos de sigilo em seu registro de vacina. Ainda temos que saber se ele tomou uma vacina contra a COVID-19. Ele defendeu contra dar uma vacina contra a COVID-19 para sua filha. Ele criticou e disse , “você se tornaria um jacaré se tomasse uma vacina”. Seus filhos foram vacinados. Todos os seus ministros da saúde tomaram a vacina, mas ele nunca reconheceu publicamente se foi vacinado. Há muito segredo sobre o que ele fez, e ele se concedeu muitas proteções.

Há um monte de perguntas que temos que só vamos realmente responder em 1 de janeiro. É muito improvável, do jeito que as coisas estão agora, que haverá uma transição, que seu governo se reunirá com os novos nomeados de Lula e planejará a transição. O que parece agora é que ele não vai estar muito disposto a negociar e organizar a transição. Em vez disso, o que ele vai fazer é resistir até o fim. Esse é um cenário.

No segundo cenário, algumas pessoas levantaram a hipótese de que Bolsonaro sairá mais cedo. Ele sairá do mandato mais cedo. Diante dos resultados, dado o quão frustrado ele está com os resultados, ele pode renunciar.

Em qualquer um desses cenários, o que é importante entender é que nos próximos três meses, até que o novo presidente assuma o cargo em 1º de janeiro, haverá muita volatilidade e incerteza. É um momento em que muitos programas diferentes serão interrompidos porque o governo não está funcionando normalmente. É importante ressaltar que, algo que vimos nas últimas semanas das eleições, o papel da polícia tem sido muito preocupante. Muitos policiais de folga estiveram envolvidos em incidentes que são realmente questionáveis sobre o que aconteceu.

Tarcísio de Freitas, por exemplo, estava em um bairro, visitando um bairro, um bairro muito pobre em São Paulo, quando, por razões que ainda não entendemos, um homem foi morto. Ainda não sabemos quem matou aquele homem, se foi alguém da equipe de Tarcísio de Freitas ou se foi a polícia que o matou, ou se ele foi morto por outra pessoa na vizinhança. Tarcísio de Freitas pediu ao policial de folga de sua equipe que excluísse as evidências das câmeras que estavam filmando o incidente, a fim de não permitir uma investigação.

Tivemos uma congressista neste fim de semana que estava perseguindo um jornalista negro que estava de folga, mas que estava discutindo com ela nas ruas. Ela o perseguiu com uma arma em diferentes ruas da cidade devido a uma disputa sobre as eleições. Ela não foi presa, e estava com um policial de folga que realmente disparou tiros contra o jornalista durante a disputa.

Paul Jay

Houve relatos de repressão eleitoral. Quão significativa foi a supressão dos eleitores?

Lorena Barberia

Existem denúncias. Ainda não temos dados suficientes para saber o tamanho da supressão eleitoral e em quantos municípios diferentes. Parece que foi principalmente algo que aconteceu mais em municípios pobres e municípios rurais, onde é mais difícil ver um grande número de diferenças na supressão de eleitores. Precisamos olhar os dados com muito cuidado para entender a sua dimensão.

As notícias são de que, em pelo menos 500 cidades do Brasil, a Polícia Rodoviária Federal colocou obstáculos para atrasar, intimidar e pedir documentos para que os eleitores tivessem mais dificuldade para votar. Há muitas evidências de que policiais de plantão e de folga que, em grande parte, apoiam Bolsonaro . Ele é muito proeminente em fazer uma aliança e dizer que apoia muito a polícia, e a polícia também está apoiando Bolsonaro.

Eu acho que isso é realmente preocupante para o dia a dia dos brasileiros agora. Nos bairros pobres do Brasil, as pessoas serão detidas e podem até ser mortas sem o devido processo legal, sem a aplicação da lei e sem todas as garantias de que devem ser oferecidas se estiverem sob suspeita devido ao que está acontecendo agora politicamente. Esse vácuo e essa incerteza, mas também essa ideia de perseguir seus oponentes e impor sua própria violência para reprimir a dissidência.

Paul Jay

Portanto, isso pode estar longe de acabar, especialmente se os militares voltarem com um ponto de interrogação sobre as urnas. Apesar de que a maioria das elites brasileiras parece querer uma transição pacífica, dado o equilíbrio de poder no Congresso e entre governadores, não há muito que Lula possa fazer de qualquer maneira que vá mudar as coisas tão radicalmente. Bolsonaro tem a possibilidade de se recusar a entregar o cargo e não é uma questão resolvida.

Lorena Barberia

Não é uma questão resolvida. O pior de tudo o que estamos falando, é o direito, o direito de poder, agora, há tanta polarização política. Sabemos que as pessoas pobres e vulneráveis serão sempre vítimas nessas situações. A violência pode ser usada contra essas pessoas e é usada muitas vezes em situações relacionadas à raça.

Há muita preocupação agora no Brasil nesta atmosfera. A polícia se sente empoderada para- temos mais alguns meses antes de Lula chegar ao poder e antes da transição. Este é o momento em que podemos dizer no Brasil, o que dizemos é: “este é o momento, nosso último esforço para nos vingarmos”. Isso pode acontecer em termos de gastos fiscais, em termos de programas governamentais e muitas coisas diferentes, mas também pode acontecer na violência política.

Acho que estamos preocupados com isso no Brasil agora porque temos muitas evidências de assassinatos políticos, de pessoas mortas em bairros pobres pela polícia. Houve evidências muito sérias de 20 a 30 pessoas que perderam a vida em uma noite durante uma operação policial no Rio ou em São Paulo. Esses tipos de eventos, neste momento de incerteza, têm uma probabilidade maior de as pessoas tomarem suas decisões e não operarem necessariamente dentro de um controle estrito. Acho que estamos preocupados.

Paul Jay

Os periferias nas grandes cidades, para pessoas que não conhecem a palavra “bairro”, os pobres urbanos. Estes se estendem por quilômetros e quilômetros, com centenas de milhares de pessoas vivendo na periferia ou mesmo milhões. Eles invocaram a PT como um todo?

Lorena Barberia

Eu acho que, em geral, São Paulo, sim. Por exemplo, acho que São Paulo – realmente Lula deve sua vitória a dois lugares: São Paulo, São Paulo metropolitana e nordeste do Brasil. Essas foram as duas áreas que realmente foram críticas para sua vitória. Curiosamente, se olharmos para o Rio de Janeiro, por exemplo, temos que lembrar ser onde Bolsonaro está sediado, e é onde ele tem uma base política forte. Ele tem muito apoio em bairros pobres. Uma das razões que ele tem apoio político é porque os jogadores de futebol no Brasil, que todos sabem que são muito importantes para os jovens, e na imaginação dos brasileiros, especialmente porque estamos na véspera de uma Copa do Mundo, muitos jogadores de futebol endossam Bolsonaro.

Paul Jay

Finalmente, uma última pergunta, que talvez possamos analisar mais uma vez. Rapidamente, até que ponto a direita cristã americana apoiou e se envolveu com a direita cristã brasileira? Na Europa, Steve Bannon tem corrido por aí tentando mobilizar a extrema-direita da Europa. Se não fosse pela invasão russa da Ucrânia, Putin era um de seus heróis, e Bolsonaro também era considerado um herói da direita cristã americana. Foram envolvidos?

Lorena Barberia

É muito difícil saber até que ponto eles estiveram envolvidos. Eu acho que Steve Bannon, a gente sabe, tem muitos contatos, ele foi consultado, e ele trabalhou muito em assessorar Bolsonaro. Como ele estava sendo detido nos últimos dois meses, não está claro o quanto, por exemplo, pessoalmente, ele estava envolvido em acompanhar e consultar sobre a eleição brasileira. Acho que há muitas evidências, e não é apenas a direita cristã americana, mas também a direita em toda a América Latina, de que muitos contatos foram feitos.

Os filhos de Bolsonaro, por exemplo, viajaram para a Argentina para se encontrar com candidatos de extrema-direita na véspera das eleições. Esta é uma rede, e esta rede se estende, se segue e se ajuda a se mobilizar e usar as mídias sociais. As diferentes táticas são bastante comuns nesses grupos. O perigo, eu acho, é que não é apenas nos EUA. É em vários países da América Latina. Temos táticas e redes semelhantes que estão ativas e trabalham para se apoiarem mutuamente.

Paul Jay

Tudo bem, isso é ótimo. Muito obrigado. Em algumas semanas, faremos de novo. Veremos se há uma transição de poder de uma forma ou de outra. Obrigado de novo.

Lorena Barberia

Ok, obrigada.

Paul Jay

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Fonte: https://www.nakedcapitalism.com/2022/11/after-bolsonaros-failures-why-was-brazils-election-so-close.html


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