A Fuga de Kherson

Lady Bharani – 11 de novembro de 2022


Lady Bharani pergunta a Quantum Bird

Pergunta: Temos acompanhado uma polêmica bastante intensa a respeito do recuo das forças armadas russas da região de Kherson. Alguns analistas o consideram um recuo estratégico russo, enquanto vários comentaristas consideram essa retirada uma derrota tática ou até mesmo estratégica, que poderia custar à Rússia a própria guerra.

Primeiro, qual é a sua visão sobre todo esse hype na mídia e nas redes sociais? E, segundo, levando esse contexto em consideração, você poderia comentar sobre a questão da movimentação russa na antiga Ucrânia?


Quantum Bird: Olá Lady Bharani, muito obrigado por organizar mais esse bate-papo.

Então, todo esse hype sobre a retirada tática da Rússia em Kherson lembra muito a histeria sobre a mesma situação em (Krasny) Liman/Kharkov e, ainda antes disso, o que ocorreu em Lysichansk e etc. Ocorreu de fato diversas vezes já, desde o início da operação militar especial (SMO). Na primeira ou segunda vez, digamos, foi até divertido, mas ultimamente é apenas chato. Vários comentaristas estão hiperventilando todo tipo de asneira, alguns até mesmo anunciando a derrota da Rússia na Ucrânia, enquanto outros a derrocada de Vladimir Putin como Presidente. Enfim, no quadro mais geral, diria que isso, esse tipo de fenômeno, está relacionado ao declínio cognitivo que assola as populações ocidentais, principalmente sua classe dirigente. Pessoas agora aderem a narrativas – essa bactéria pós-modernista hiper-resistente – e, se os fatos, ou melhor, se a realidade não se encaixa na narrativa, azar da realidade e dos fatos. Essa tem sido uma postura bem comum. Pessoalmente, tenho a impressão de que há uma incapacidade bastante difusa de diferenciar a realidade do que acontece nas redes sociais. O discurso como a categoria perceptiva primária. Enfim, mais um aspecto [sintoma] daquela conversa que já tivemos sobre colapso de sociedades. Aliás, deixe-me colher e elogiar a fina ironia do título, que penso, remete aquele filme Fuga de Nova York, certo? Genial!!!

Sobre sua segunda questão. Quero deixar bem claro, que eu não fui virologista durante a pandemia e nem me tornei estrategista militar desde que a SMO começou. Ah, e já aviso preventivamente a nossos caros leitores que não serei tão pouco técnico de futebol durante o mundial (Copa) que se aproxima. Dito isto, e partindo do pressuposto bastante razoável de que o comando do Staff Geral das forças armadas da Federação Russa e seus serviços de inteligência sabem ordens de magnitude mais do que eu e que, como sempre suponho, o comportamento passado permanece como um parâmetro válido para se estimar o comportamento futuro, diria que a retirada da margem direita do Dnieper foi muito acertada, considerando o inverno que se aproxima rapidamente e a possível inundação daquela área, que pode resultar da destruição das barragens que regulam o fluxo do rio. A Rússia permanece como o ator decisivo no teatro da antiga Ucrânia. Ela decide e impõe o ritmo e as condições militares e econômicas naquele teatro. Pode retirar-se e reocupar o território que quiser, quando quiser. O que os russos não estão dispostos a fazer é arriscar vidas russas para controlar pedaços de território irrelevantes, que podem ser atingidos de distância segura pela artilharia e drones. Ao longo desse conflito, os russos atuaram sempre de forma racional e calculada – e suas ações se justificaram totalmente todas as vezes no arco do tempo.

Por outro lado, outro modo de entender esse hype e histeria sobre Kherson seria notar que tudo serve para encobrir desenvolvimentos estratégicos profundamente relevantes como o distanciamento da Arábia Saudita da esfera ocidental. O trabalho em progresso para converter a Turquia em um polo de distribuição de energia global. A não-participação, já anunciada, de Putin na cúpula do G20 – Brasil se liga! A Coreia do Norte demonstrando de fato seu status de potência nuclear e os inúmeros desenvolvimentos que sinalizam a derrocada definitiva e inexorável do império anglo-saxão, em todas as esferas. Sugiro aos comentaristas preocupados com Kherson devotarem a sua atenção ao desenrolar da crise sistêmica no Reino Unido e Europa, por exemplo, ou à expulsão dos franceses da África.


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