Alastair Crooke – 11 de junho de 2023
As economias europeias estão padecendo com a inflação e o fantasma da desindustrialização – alimentadas pela renúncia autoimposta de todas as importações de energia russa barata.
Zbig Brzezinski, então conselheiro presidencial dos Estados Unidos (em 1997), expressou-se claramente: “A Eurásia é o maior continente da Terra; e a Europa é a ponte indispensável da América para esse Heartland. Com cada expansão do escopo da Europa, portanto, a esfera de influência dos EUA também se expande.” E para o domínio da Eurásia, ele disse: a Ucrânia é o Estado chave.
Hoje, no entanto, o desenvolvimento mais importante de nosso tempo é a maré fluindo no sentido de negar a insistência ocidental de que apenas uma “realidade” – a ideologia “baseada em regras” liderada pelos EUA (e somente ela) – pode predominar. Isso – juntamente com a reversão no ciclo colonial anterior, de modo que agora o não-ocidente pode e está retrocedendo e, finalmente, substituindo seu senhor ocidental – é a “Quarta Virada” que definirá nosso século.
Patrick Lawrence, um veterano correspondente norte-americano, observa, no entanto, que ao “ouvir os discursos, pronunciamentos e observações improvisadas do poder e das panelinhas políticas em Washington – você pensaria que tal [ponto de inflexão]” não está ocorrendo.
Lawrence questiona:
E então, eu indago: posso ser o único a me perguntar se aqueles que moldam e conduzem a política externa americana são cegos a essa imensa mudança global, ou surdos ao que o não-Ocidente ultimamente tem a dizer ao Ocidente, ou muito estúpidos para compreender os acontecimentos, ou surdos a eles – ou, em negação, ou talvez todos esses?
Declarações ousadas e afirmativas têm um poder de sedução sobre o público, e as pessoas geralmente preferem inconscientemente as afirmações ignorantes da classe credenciada à obviedade dos “fatos reais” crus. Isso, juntamente com uma MSM [MainStream Media: a Grande Mídia – nota da tradutora] ocidental totalmente em dívida com o Estado Permanente dos EUA, cria uma espécie de buraco negro moralista onde existe muito pouca responsabilidade para pessoas que propagam engano e exagero. Pessoas e instituições tiveram passe livre por tanto tempo que sabem que nunca haverá repercussões, mesmo para mentiras descaradas – muito menos equívocos de discurso desonestos e dissimulados.
Agora, quinze meses após o início do conflito na Ucrânia (e com as mesas viradas), os europeus se posicionaram tão aberta e ruidosamente com a guerra de Biden para paralisar a Rússia que a virada das mesas não pode ser vista como nada além de uma derrota civilizacional para o Ocidente.
Não é certo, no entanto, que o Team Biden – com seus representantes europeus em aquiescência – não recorrerá a uma intervenção aberta em uma tentativa desesperada de reapropriar-se de um “triunfo” ocidental.
O secretário Blinken, na sexta-feira [09-06-23] em Helsinque, parecia estar prenunciando uma grande escalada de longo prazo quando rejeitou qualquer pensamento de cessar-fogo e, em vez disso, falou em termos de pactos de defesa de longo prazo com a Ucrânia que garantiriam ajuda militar futura e possivelmente formalizariam compromissos de defesa mútua.
Essa reviravolta foi baseada na afirmação de Blinken, sublinhando assim o argumento de Lawrence de que aqueles que conduzem a política externa parecem cegos, surdos ou em negação às mudanças nos eventos – amarrando a ‘nova’ política dos EUA ao maciço “fracasso estratégico” de Putin na Ucrânia, um débacle, Blinken insistiu, que isolou Moscou, enfraqueceu sua economia e expôs a fraqueza das outrora temidas forças armadas da Rússia.
A “triste realidade” é, obviamente, o inverso: em todos os fronts deste conflito, os EUA ficaram muito aquém das expectativas: a Rússia tem ascendência em termos de forças destacadas (por uma margem substancial); em termos de armamento sofisticado; em termos de quase domínio do espaço aéreo e da esfera eletromagnética acima da Ucrânia.
Além disso, a Rússia está ganhando na guerra financeira e na guerra diplomática, onde, para consternação do Ocidente, o resto do mundo – além do G7 – recusou-se a se unir para sancionar a Rússia.
No entanto, oWashington Post do Establishment traz na manchete um artigo intitulado: Biden mostra apetite crescente para cruzar as linhas vermelhas de Putin, com o subtítulo: “Apesar dos avisos de que armar a Ucrânia iniciará uma guerra mundial – Biden continua a forçar os limites do líder russo – uma estratégia que traz risco e recompensa”.
O ponto aqui – simplesmente – é que Biden tem uma eleição para vencer [em 05 de novembro de 2024 – nota da tradutora] e pode pensar em tentar vencê-la como um ‘presidente em tempo de guerra’.
Os europeus, no entanto, têm apenas eleições a PERDER. Por que eles deveriam concordar com uma ‘guerra para sempre’ na Europa? O golpe na Europa já foi mais severo do que o impacto pretendido na economia russa. As economias europeias estão padecendo com a inflação e o fantasma da desindustrialização – alimentadas pela renúncia autoimposta de todas as importações de energia russa barata. Gigantes industriais como a Alemanha entraram em recessão – e grande parte da Europa também está nas garras da recessão.
A Europa – evidentemente – é economicamente mais fraca do que pensava ser no início da guerra, quando os líderes europeus estavam encantados com a perspectiva de que a União Europeia derrubaria uma grande potência – a Rússia – por apenas um coup d’état [golpe de Estado] financeiro. (Grande parte da Europa, incluindo a Alemanha e a UE, passou pela ‘financeirização BlackRock’ desde os anos 2000, o que enfraqueceu notavelmente as economias reais da UE em favor da economia de serviços).
Lembre-se também de que foi Merkel, como a ‘mulher mais poderosa da Europa’, que garantiu e ‘cobriu’ a estratégia de Brzezinski contra a Rússia – incluindo seu ‘alvo da Ucrânia como uma ponte-chave:
A Fundação Konrad Adenauer… tem estado fortemente envolvida na Ucrânia pelo menos desde o golpe de Maidan em 2014, embora em uma posição subordinada. Seu último serviço importante aos ‘interesses nacionais dos EUA’ foi o Acordo de Minsk – Merkel como sua figura principal, permitiu à Ucrânia se armar com o maior exército da Europa.
Simplificando, a UE tem investido – e ainda está – profundamente no Projeto Ucraniano dos EUA para reverter o curso, apesar dos terríveis riscos para si mesma.
Fonte: https://english.almayadeen.net/articles/analysis/the-fourth-turning-that-will-define-our-century
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