Como o YouTube, com seu modelo de monetização, está distorcendo a objetividade da análise geopolítica

Quantum Bird – 9 de setembro 2023

Os dois anos de confinamento planetário devido à pandemia da COVID-19 reforçaram globalmente o apego das pessoas ao consumo de conteúdo digital massivo e à comunicação interpessoal remota, mediada por meios digitais conectados à internet. A deflagração da Operação Militar Especial (SMO) Russa na Ucrânia em fevereiro de 2022 e a deterioração das relações entre os EUA e a China colocaram subitamente a geopolítica e a economia no primeiro plano do noticiário cotidiano.

Essa concatenação de eventos, que aparentemente não é fortuita, acarretou uma série de fenômenos interessantes do ponto de vista antropo e sociológico, como a promoção das redes sociais da Big Tech do Vale do Silício ao papel de mediadores e moderadores da democracia no Ocidente – sempre nos cânones dos wokeismo mais estreito – e ao acirramento da repressão contra as vozes dissidentes em todo espaço global da comunicação. De fato, o espaço da comunicação é hoje, para todos os efeitos práticos, mais um teatro de operações na guerra entre o Ocidente Coletivo e o Sul Global.

Outra consequência pouco sutil dos eventos acima mencionados foi a abertura de um novo mercado , ainda de nicho, mas em franca expansão. Me refiro à proliferação do chamado “canal de geopolítica no YouTube”. Precisamos ser bem específicos sobre isto, porque blogs e revistas digitais sobre geopolítica existem desde a popularização da internet. E, a despeito de sua modesta audiência, estes meios costumam oferecer material autoral escrito com alto teor jornalístico e excelente qualidade.

A proliferação de canais no YouTube sobre análise geopolítica às vezes vem acompanhada da conversão de “influencers” que no passado recente – pré-SMO – se dedicavam a produzir vídeos sobre temáticas que vão desde coaching de relacionamentos à conteúdos motivacionais. Em outros casos, mais bizarros, canais conduzidos por figuras virtualmente desconhecidas aparecem do dia para a noite, já com milhares de inscritos e exercitando uma linha editorial claramente enviesada.

Enquanto alguns desses canais até conseguem prestar um bom serviço, geralmente devido à habilidade comunicacional de seus condutores, a maioria é puro lixo pseudo-analítico, psyop e ruído de desinformação. Ainda assim, todos parecem engajados em monetizar seus conteúdos ao máximo, explorando o modelo de negócios do YouTube e muitas vezes pedindo doações adicionais. E assim, a proliferação de transmissões ao vivo e o pedido incessante, às vezes irritante, por “likes” e compartilhamentos. Para não falar dos plagiadores que descaradamente copiam conteúdo alheio, sem agregar qualquer valor e pedem por doações.

Por outro lado, o YouTube – que é um dos instrumentos do controle hegemônico do Ocidente Coletivo / 1% – está longe de ser um expectador neste processo, ou seja, que se restringe puramente à arbitragem e administração de seu modelo de negócios. De forma alguma. O YouTube controla ativa e agressivamente o conteúdo que é veiculado nesses canais. E o mesmo YouTube, sendo uma entidade transnacional, não é regulado consistentemente por nenhuma autoridade. Este é talvez o aspecto mais perigoso dessa situação.

Colocando de outra forma, existem conteúdos proibidos, mantidos fora do alcance do “ambiente” de análise geopolítica do YouTube. Não importa o número de inscritos no canal, nem a audiência de suas lives e tampouco a proeminência de seus analistas. Quem quer que aborde tais conteúdos será banido irrevogavelmente. O caso recente mais famoso: Scott Ritter, que estava produzindo um documentário em vários episódios sobre V. Zelensky. O próprio Ritter alertou no episódio de abertura o quanto a imagem midiática de Zelensky era minuciosamente administrada. Resultado: Ritter foi banido e seu conteúdo deletado da plataforma. Em uma conversa recente com Ania K., uma influencer convertida que faz boas entrevistas com analistas geopolíticos diversos, Ritter descreve o quanto ele estava fazendo dinheiro no YouTube e como isso influenciava seu trabalho.

Outros “influencers” e comentaristas que mantêm canais bem frequentados, tanto pela audiência como por analistas, ajustam deliberadamente suas pautas e linguagem para evitar sanções do YouTube. Evitam associar Nazismo à Ucrânia, dizem uma coisa ou outra desnecessariamente negativa sobre a SMO, a Rússia, a China e o Irã, evitam criticar frontalmente Zelensky etc. Todo esse “cuidado” claramente enviesa o conteúdo e compromete sua objetividade. Resultado: reciclagem infinita de platitudes, comportamento de rebanho ao redor de teses e postulados “seguros para expressar no YouTube” e hype infinito em torno de não fatos. Exemplo: desde o início da SMO, a derrota da Ucrânia/OTAN jamais esteve em dúvida, mas enquanto escrevo, inúmeros comentaristas e analistas ocupam as telas do YouTube para diagnosticar a derrota inexorável da Ucrânia. Muito do hype sobre isso tem haver com o proverbial controle da narrativa. Lembre-se sempre que a história deve ser contada (no YouTube) de um certo modo, senão… bye bye $$$.

Concluindo, aconselho como sempre aos nossos leitores o exercício da inteligência e a manutenção de uma afiada crítica aos conteúdos em circulação no YouTube, e em todas as redes sociais. Algumas perguntas válidas:

“Se isso é segredo de Estado, como eles podem saber disso?”

“Quem poderia ser tal fonte?”

Cui bono: Quem ganha com esta história?”

“Qual a novidade?”

“Eles têm a formação necessária para falar com propriedade sobre assunto?”

“Por que não falam sobre <substituir por algo realmente relevante> e continuam repetindo essa mesma conversa que já vimos anteriormente? ”

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