Ministro Sergey Lavrov – 20 de setembro de 2023
Sr. presidente,
Senhor Secretário-Geral,
Colegas.
A ordem internacional tal como existe hoje emergiu das ruínas da Segunda Guerra Mundial e resultou desta tremenda tragédia. A Carta das Nações Unidas serviu de base, como a principal fonte do Direito Internacional atual. Foi em grande parte graças às Nações Unidas que foi evitada uma nova guerra mundial que conduziria a uma catástrofe nuclear.
Infelizmente, quando a Guerra Fria chegou ao fim, o chamado Ocidente coletivo liderado pelos EUA apropriou-se do direito de governar os destinos de toda a humanidade e, impulsionado pelo seu complexo de excepcionalismo, começou a ignorar com mais frequência o legado dos pais fundadores da ONU e em uma escala cada vez maior.
Hoje, o Ocidente faz uso seletivo das normas e princípios da Carta, caso a caso, e apenas quando estes servem às suas necessidades geopolíticas. Isto inevitavelmente desequilibra a estabilidade global, exacerbando os focos de tensão existentes e criando novos, o que por sua vez agrava o espectro de um conflito global no processo. Procurando compensar estes riscos e garantir que os acontecimentos se desenrolem de forma pacífica, a Rússia tem insistido e continua a insistir que todas as disposições da Carta das Nações Unidas sejam respeitadas e executadas na íntegra e com o devido respeito pela sua natureza interligada, em vez de seletivamente, incluindo os princípios da igualdade soberana dos Estados, da não interferência nos seus assuntos internos, do respeito pela integridade territorial e do direito dos povos à autodeterminação. Contudo, vemos que o equilíbrio dos requisitos estipulados na Carta está sendo espezinhado pelas ações empreendidas pelos Estados Unidos e pelos seus aliados.
Os Estados Unidos e os seus aliados têm interferido nos assuntos internos da Ucrânia de forma flagrante e aberta desde a dissolução da URSS, quando Estados independentes a substituíram. No final de 2013, a Secretária de Estado Adjunta, Victoria Nuland, admitiu publicamente e até com algum orgulho que Washington gastou 5 bilhões de dólares na promoção de políticos em Kiev que obedecessem ao Ocidente.
Todos os fatos sobre a forma como a crise da Ucrânia foi planeada foram expostos há muito tempo, enquanto tudo está sendo feito para varrê-los para debaixo do tapete, como se quisessem cancelar tudo o que aconteceu antes de 2014. Por esta razão, o tema da reunião de hoje, tal como sugerido pela Presidência albanesa é muito oportuna. Oferece-nos uma oportunidade de restaurar a sequência de acontecimentos no contexto da forma como os principais intervenientes têm executado os propósitos e princípios da Carta das Nações Unidas.
Em 2004 e 2005, o Ocidente procurou levar ao poder um candidato pró-americano e, para esse efeito, deu luz verde ao primeiro golpe governamental em Kiev, forçando o Tribunal Constitucional da Ucrânia a adotar uma decisão ilegal para a realização de um terceiro turno em Kiev na eleição presidencial, embora a Constituição do país não o preveja. O Ocidente agiu de forma ainda mais violenta quando interferiu nos assuntos internos da Ucrânia em 2013 e 2014, durante o segundo movimento Maidan. À época, os visitantes ocidentais viajavam para lá, um após o outro, para encorajar diretamente aqueles que participavam em manifestações antigovernamentais a praticarem violência. Foi a mesma Victoria Nuland quem discutiu o futuro gabinete a ser formado pelos perpetradores do golpe com o Embaixador dos EUA em Kiev. Ao mesmo tempo, mostrou onde a União Europeia realmente pertence, no pensamento de Washington, na cena política internacional. Recordamo-nos das duas palavras que ela disse, e é bastante revelador que a União Europeia as tenha engolido.
Escolhidos a dedo pelos americanos, os principais intervenientes participaram na execução de um golpe sangrento em fevereiro de 2014. Deixem-me lembrar-lhes que foi organizado no dia seguinte depois de o presidente legitimamente eleito da Ucrânia, Viktor Yanukovich, ter chegado a um acordo com os líderes da oposição, com a Alemanha, a Polônia e a França atuando como fiadores. O princípio da não ingerência nos assuntos internos foi repetidamente pisoteado.
Logo após o golpe, os seus perpetradores afirmaram que restringir os direitos da população de língua russa da Ucrânia era a sua maior prioridade. Designaram como terroristas pessoas na Crimeia e nas regiões do sudeste que se recusaram a aceitar o golpe anticonstitucional e desencadearam uma operação punitiva contra elas. A Crimeia e Donbass responderam realizando referendos em plena conformidade com o princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos, consagrado no Artigo 1, Parágrafo 2 da Carta das Nações Unidas.
Quando se trata da Ucrânia, os diplomatas e políticos ocidentais têm feito vista grossa a este princípio fundamental do Direito Internacional, numa tentativa de classificar o que levou a estes desenvolvimentos e ao seu significado como sendo apenas uma violação inaceitável da integridade territorial. Neste contexto, gostaria de recordar a Declaração das Nações Unidas de 1970 sobre os Princípios do Direito Internacional relativos às Relações Amistosas e à Cooperação entre os Estados. Lê-se que o princípio da integridade territorial se aplica a “Estados que se comportam de acordo com o princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos […] e, portanto, possuem um governo que representa todo o povo pertencente ao território”. Escusado será dizer que os neonazis ucranianos que tomaram o poder em Kiev não representavam o povo da Crimeia ou do Donbass. Quanto ao apoio inquestionável que as capitais ocidentais ofereceram ao regime criminoso de Kiev, foi nada menos que uma violação do princípio da autodeterminação ao interferir nos assuntos internos.
Após o golpe governamental, a Ucrânia adotou leis racistas para cancelar tudo o que era russo durante as presidências de Petr Poroshenko e Vladimir Zelensky, incluindo educação, meios de comunicação, cultura, destruindo livros e monumentos, banindo a Igreja Ortodoxa Ucraniana e confiscando os seus bens. Tudo isto constituiu uma violação flagrante do Artigo 1, Parágrafo 3 da Carta das Nações Unidas, que fala em encorajar o respeito pelos Direitos Humanos e pelas liberdades fundamentais para todos, sem distinção de raça, sexo, língua ou religião. Muito menos o fato de estas ações serem claramente contrárias à Constituição da Ucrânia, segundo a qual o Estado possui a obrigação de respeitar os direitos dos russos e de outras minorias étnicas.
Ouvir apelos para seguir a chamada fórmula de paz e devolver a Ucrânia às suas fronteiras de 1991 levanta a seguinte questão: estarão aqueles que fazem estes apelos conscientes das declarações da liderança ucraniana sobre o que pretendem fazer às pessoas que vivem nesses territórios? Estas pessoas têm sido alvo de múltiplas ameaças públicas de extermínio, quer em termos legais, quer físicos, e isso tem acontecido a nível oficial. O Ocidente não só não está disposto a conter os seus protegidos em Kiev, como também os encoraja entusiasticamente nas suas políticas racistas.
Da mesma forma, a UE e a OTAN têm encorajado a Letônia e a Estônia durante décadas nos seus esforços para negar a centenas de milhares de falantes de russo os seus direitos, designando-os como não-cidadãos. Estão agora discutindo seriamente a introdução de responsabilidade criminal pelo uso da língua materna. Altos funcionários têm feito declarações públicas de que a divulgação de informações sobre oportunidades para os estudantes locais seguirem remotamente o currículo escolar russo deve ser vista como nada menos que uma ameaça à segurança nacional que requer a atenção das agências responsáveis pela aplicação da lei.
Mas voltando à Ucrânia, o Conselho de Segurança da ONU adotou uma resolução específica para aprovar os Acordos de Minsk de Fevereiro de 2015, em total conformidade com o Artigo 36 da Carta, que apoia “quaisquer procedimentos para a resolução do litígio que já tenham sido adotados pelas partes”. Neste caso, as partes incluíam Kiev, o DPR e o LPR. Contudo, no ano passado, todos aqueles que assinaram os Acordos de Minsk, com exceção de Vladimir Putin, ou seja, Angela Merkel, François Hollande e Petr Poroshenko, todos reconheceram publicamente e com um certo grau de satisfação que não tinham intenção de cumprir este documento quando eles assinaram. Na verdade, tudo o que queriam era ganhar algum tempo para reforçar as capacidades militares da Ucrânia e fornecer-lhe mais armas para combater a Rússia. Durante todos estes anos, a UE e a OTAN empenharam-se num esforço total para apoiar Kiev na sabotagem dos Acordos de Minsk, ao mesmo tempo que encorajavam o regime de Kiev a resolver pela força a chamada questão do Donbass. Tudo isto vinha sendo feito em violação do Artigo 25 da Carta, que diz que todos os membros da ONU devem “aceitar e executar as decisões do Conselho de Segurança”.
Permitam-me que recorde que o Pacote de Minsk incluía uma declaração assinada pelos líderes da Rússia, Alemanha, França e Ucrânia. Nele, Berlim e Paris comprometeram-se a fazer muitas coisas, incluindo ajudar a restaurar o sistema bancário no Donbass. No entanto, eles nem moveram um dedo. Tudo o que fizeram foi recuar e observar Petr Poroshenko impor um bloqueio comercial, econômico e de transportes ao Donbass, apesar de todos estes compromissos. Na mesma declaração, Berlim e Paris comprometeram-se a facilitar a cooperação trilateral entre a UE, a Rússia e a Ucrânia para responder às preocupações da Rússia no comércio, bem como a promover a “criação de um espaço humanitário e econômico conjunto do Atlântico ao Pacífico”. O Conselho de Segurança adotou também esta declaração, tornando-a vinculativa ao abrigo do Artigo 25 da Carta das Nações Unidas, como já mencionei. Mas este compromisso dos líderes da Alemanha e da França revelou-se nulo e sem efeito, tornando-se mais uma violação dos princípios da Carta.
Andrey Gromyko, o lendário Ministro das Relações Estrangeiras da URSS, disse muitas vezes, com toda a razão, que “dez anos de conversações são melhores do que um dia de guerra”. Mantendo esta máxima, passamos muitos anos em conversações e procuramos acordos sobre a segurança europeia. Aprovamos o Ato Fundador Rússia-OTAN e adotamos declarações da OSCE sobre segurança indivisível ao mais alto nível em 1999 e 2010. Desde 2015, temos insistido que os Acordos de Minsk sejam executados na íntegra e sem quaisquer isenções, conforme acordado durante as conversações. Em todos estes casos, agimos em total conformidade com a Carta das Nações Unidas, que fala em estabelecer “condições sob as quais a justiça e o respeito pelas obrigações decorrentes de tratados e outras fontes do Direito Internacional possam ser mantidos”. Os nossos colegas ocidentais também espezinharam este princípio ao assinarem todos estes documentos sabendo de antemão que não os cumpririam.
Quanto às conversações, também não nos recusamos em falar agora. O presidente da Rússia, Vladimir Putin, disse isso em diversas ocasiões, inclusive recentemente. Gostaria de lembrar ao Secretário de Estado que o Presidente da Ucrânia, Vladimir Zelensky, assinou uma ordem executiva que proíbe conversações com o governo de Vladimir Putin. Se os Estados Unidos estão interessados em tais conversações, penso que só precisam de dar o sinal para que a ordem de Zelensky seja cancelada.
Hoje, a retórica dos nossos oponentes está repleta de slogans como “invasão”, “agressão” e “anexação”. Não dizem uma palavra sobre as razões internas do problema, ou sobre o fato de durante muitos anos terem alimentado um regime totalmente nazi, que está a reescrever abertamente os resultados da Segunda Guerra Mundial e a história do seu próprio povo. O Ocidente não quer manter uma discussão substancial baseada em fatos e no respeito por todos os requisitos da Carta das Nações Unidas, provavelmente porque não possui argumentos para um diálogo honesto.
Tem-se a forte impressão de que os representantes ocidentais têm medo de discussões profissionais onde a sua retórica vazia possa ser exposta. Enquanto entoam os seus mantras sobre a integridade territorial da Ucrânia, as antigas potências coloniais mantêm silêncio sobre as decisões da ONU que convidam a França a devolver a ilha de Mayotte à Comores e a Grã-Bretanha a retirar-se das Ilhas Chagos e a retomar as negociações com a Argentina para resolver a querela sobre as Ilhas Falklands (Malvinas). Estes “defensores” da integridade territorial da Ucrânia fingem ter esquecido a essência dos Acordos de Minsk, ao abrigo dos quais Donbass seria reintegrado na Ucrânia sob a condição de garantir o respeito por todos os Direitos Humanos fundamentais, principalmente o direito à própria língua. O Ocidente, que frustrou a sua implementação, é diretamente responsável pela desintegração da Ucrânia e por incitar uma guerra civil naquele país.
No que diz respeito a outros princípios da Carta das Nações Unidas, cujo respeito poderia ter evitado a crise de segurança na Europa e poderia ter ajudado a coordenar medidas de confiança baseadas num equilíbrio de interesses, gostaria de citar o artigo 2º do Capítulo VIII da Carta das Nações Unidas. Apela ao desenvolvimento da prática de uma resolução pacífica de litígios locais através de organizações regionais.
De acordo com esse princípio, a Rússia e os seus aliados têm encorajado consistentemente contatos entre a CSTO [Organização do Tratado de Segurança Coletiva – nota da tradutora] e a OTAN para promover a implementação das decisões sobre a indivisibilidade da segurança adotadas nas cúpulas da OSCE em 1999 e 2010. Eles estipulam, em parte, que “não Estado, grupo de Estados ou organização pode ter qualquer responsabilidade preeminente pela manutenção da paz e da estabilidade na área da OSCE ou pode considerar qualquer parte da área da OSCE como a sua esfera de influência.” Todos sabem que é exatamente isso que a OTAN tem feito, ou seja, tem tentado criar a sua completa preeminência, primeiro na Europa e agora na região da Ásia-Pacífico. Numerosos apelos da CSTO à OTAN foram desconsiderados. A razão dessa arrogância dos Estados Unidos e dos seus aliados, como todos podem ver hoje, é a sua relutância em conduzir um diálogo igualitário com quem quer que seja. Se a OTAN não tivesse rejeitado as ofertas de cooperação da CSTO, isso poderia provavelmente ter evitado muitos dos processos negativos que levaram à atual crise europeia, porque se recusaram a ouvir a Rússia ou a enganaram durante décadas.
Hoje, quando discutimos o “multilateralismo eficaz” por iniciativa da Presidência, deveríamos também recordar os numerosos fatos da rejeição ocidental de qualquer forma de cooperação igualitária. Um exemplo chocante da frase de Josep Borrel, que disse que “a Europa é um jardim [e] a maior parte do resto do mundo é uma selva”. É uma clara síndrome neocolonial e uma prova do desrespeito pela igualdade soberana dos Estados e do objetivo de utilizar o multilateralismo eficaz para defender os princípios da Carta das Nações Unidas, que estamos hoje a discutir.
Tentando dificultar os esforços para tornar as relações internacionais mais democráticas, os Estados Unidos e os seus aliados estão assumindo os secretariados das organizações internacionais de forma cada vez mais aberta e impudente, violando o procedimento estabelecido para criar mecanismos com mandatos não consensuais, que possam controlar e utilizar para condenar qualquer pessoa que não convém a Washington por qualquer motivo.
Neste contexto, gostaria de lembrar que não só os Estados-membros, mas também o Secretariado da ONU devem cumprir rigorosamente a Carta da ONU. Nos termos do Artigo 100 da Carta das Nações Unidas, o Secretariado deve agir sem preconceitos e “não procurará nem receberá instruções de qualquer governo”.
Já mencionei o Artigo 2 da Carta das Nações Unidas. Gostaria de chamar a atenção para o seu princípio fundamental: “1. A Organização baseia-se no princípio da igualdade soberana de todos os seus Membros.” De acordo com esse princípio, a Assembleia Geral da ONU adotou uma declaração em 24 de outubro de 1970, que já mencionei anteriormente, para reafirmar que “todo Estado possui o direito inalienável de escolher os seus sistemas políticos, econômicos, sociais e culturais, sem interferência em qualquer forma por outro Estado.” Neste contexto, temos questões sérias para o Secretário-Geral da ONU, Antonio Guterres, que disse em 29 de março de 2023 que “a liderança autocrática não é um garantidor da estabilidade; é um catalisador do caos e do conflito”, enquanto “sociedades democráticas fortes são lugares capazes de autocorreção – e autoaperfeiçoamento. Podem permitir mudanças – mesmo mudanças radicais – sem derramamento de sangue e violência.” Isto traz à mente as “mudanças” que resultaram das ações de “sociedades democráticas fortes” na Iugoslávia, Afeganistão, Iraque, Líbia, Síria e muitos outros países.
António Guterres prosseguiu dizendo que “elas [sociedades democráticas fortes] são centros de cooperação ampla, enraizada nos princípios da igualdade, participação e solidariedade”. É notável que estas declarações tenham sido feitas na “cúpula pela democracia”, convocada pelo presidente dos EUA, Joe Biden, fora do quadro da ONU, cujos participantes foram escolhidos pela administração dos EUA com base no princípio da lealdade não tanto a Washington, mas ao Partido Democrata, no poder. As tentativas de usar tais fóruns como uma reunião de amigos para discutir assuntos globais estão em conflito direto com o Parágrafo 4 do Artigo 1 da Carta das Nações Unidas, que diz que o propósito das Nações Unidas é “ser um centro para harmonizar as ações das nações na consecução desses fins comuns”.
Contrariamente a esse princípio, a França e a Alemanha anunciaram há vários anos o estabelecimento de uma Aliança para o Multilateralismo, para a qual convidaram aqueles que são obedientes, o que confirmou a mentalidade colonial e a atitude dos iniciadores em relação ao princípio do multilateralismo eficaz que hoje discutimos. Ao mesmo tempo, promoveram a narrativa sobre a UE como o exemplo ideal de “multilateralismo”. Hoje, Bruxelas apela ao alargamento da UE o mais rapidamente possível, em particular, aos Balcãs. Além disso, o foco principal não está na Sérvia ou na Turquia, que têm mantido conversações de adesão inúteis durante décadas, mas na Ucrânia. Josep Borrel, que reivindica o papel de ideólogo da integração europeia, chegou recentemente ao ponto de apelar à aceleração da admissão do regime de Kiev na UE. Segundo ele, sem a guerra a candidatura da Ucrânia demoraria anos, mas agora pode e deve ser admitida sem quaisquer condições. A Sérvia, a Turquia e outros candidatos podem esperar, mas um regime nazi pode ser admitido fora de hora.
A propósito, o Secretário-Geral da ONU disse o seguinte naquela “cúpula pela democracia”: “A democracia flui da Carta das Nações Unidas. A sua invocação inicial de “Nós, os Povos” reflete a fonte fundamental da autoridade legítima: o consentimento dos governados.” Sugiro comparar esta tese com as “conquistas” do regime de Kiev, que lançou uma guerra contra uma grande parte do seu próprio povo, os milhões de pessoas que não deram o seu consentimento para serem governadas pelos neonazis e russófobos que usurparam autoridade no país e enterraram os Acordos de Minsk aprovados pelo Conselho de Segurança da ONU, perturbando assim a integridade territorial da Ucrânia.
Aqueles que dividem o mundo em “sociedades democráticas” e “autocracias”, contrariamente à Carta das Nações Unidas, deveriam se perguntar qual dos dois é o regime de Kiev. No entanto, não espero que eles respondam.
Quando falamos dos princípios da Carta das Nações Unidas, deveríamos também abordar a questão das relações entre o Conselho de Segurança da ONU e a Assembleia Geral. A “equipe” ocidental tem defendido agressivamente a ideia do “abuso de veto” há muito tempo e garantiu – ao pressionar outros Estados membros da ONU – a adoção de uma decisão sobre a convocação de uma reunião da Assembleia Geral sempre que o veto é lançado, embora seja o Ocidente quem provoca isso com cada vez mais frequência. Não consideramos isso um problema. As posições da Rússia sobre todas as questões da agenda estão abertas ao público. Não temos nada a esconder e não nos é difícil reafirmar as nossas posições. Além disso, o veto é um instrumento absolutamente legítimo que está estipulado na Carta das Nações Unidas para evitar a adoção de decisões que possam dividir a Organização. No entanto, uma vez que foi aprovado o procedimento de discussão de todos os vetos numa reunião da Assembleia Geral, porque não discutir também as resoluções do Conselho de Segurança que foram adotadas, inclusive há muitos anos, mas que não estão sendo implementadas, contrariamente ao disposto no Artigo 25º da Carta da ONU? Por que não pode a Assembleia Geral discutir as razões para isto, por exemplo, no que diz respeito às resoluções do CSNU [Conselho de Segurança das Nações Unidas – nota da tradutora] sobre a Palestina e toda a gama de questões relacionadas com o Médio Oriente e o Norte de África, o JCPOA, ou a Resolução 2202, que aprovou os Acordos de Minsk sobre a Ucrânia?
A questão das sanções também deveria merecer atenção. Tornou-se prática corrente que depois de o CSNU adotar sanções contra um determinado país, após longas discussões e em estrita conformidade com a Carta da ONU, os Estados Unidos e os seus aliados adotem restrições unilaterais “adicionais” contra esse mesmo Estado sem a aprovação do Conselho de Segurança ou a inclusão destas sanções numa resolução do Conselho no âmbito de um pacote coordenado. Um exemplo lamentável é a decisão recente da Alemanha, da França e da Grã-Bretanha de utilizarem as suas legislações nacionais para “estender” as restrições contra o Irã, que expirarão em outubro ao abrigo da Resolução 2231 do CSNU. preocupam-se com o fato de a decisão do CSNU ter expirado, porque têm as suas próprias “regras”.
É por isso que é tão importante considerar uma decisão segundo a qual ninguém terá o direito de desvalorizar as resoluções do CSNU sobre sanções, adotando as suas próprias restrições ilegítimas contra esse mesmo país.
Além disso, todos os regimes de sanções adotados pelo Conselho de Segurança da ONU deveriam ter uma data de expiração, porque a falta de um prazo está minando a flexibilidade do Conselho no que diz respeito à capacidade de influenciar as políticas dos governos sancionados.
É também necessário abordar a questão dos “limites humanitários das sanções”. Faria sentido que os projetos de propostas de sanções apresentados ao Conselho de Segurança incluíssem a avaliação das suas possíveis consequências humanitárias feita pelos órgãos de Direitos Humanos da ONU, em vez da retórica vazia dos nossos colegas ocidentais no sentido de que “as pessoas comuns não sofrerão.”
Colegas,
Os fatos apontam para uma crise profunda nas Relações Internacionais e para a ausência do desejo e da vontade dos países ocidentais de superar esta crise.
Espero que exista e seja encontrada uma saída para esta situação. Mas, primeiro, todos nós deveríamos reconhecer a nossa responsabilidade pelo futuro da nossa Organização e do mundo no contexto histórico e não em termos das considerações eleitorais populistas imediatas em qualquer Estado-Membro. Gostaria de repetir que, quando os líderes mundiais assinaram a Carta das Nações Unidas, há quase 80 anos, concordaram em respeitar a igualdade soberana de todos os Estados, sejam eles grandes ou pequenos, ricos ou pobres, monarquias ou repúblicas. Em outras palavras, naquela época a humanidade reconheceu a importância de uma ordem mundial igualitária e policêntrica como garantia de um desenvolvimento estável e seguro.
Portanto, a questão hoje não é dar o nosso consentimento a uma “ordem mundial baseada em regras”, mas sim cumprir as obrigações que todos nós assumimos ao assinar e ratificar a Carta das Nações Unidas na sua totalidade e como um todo.
Fonte: https://mid.ru/en/press_service/minister_speeches/1905317/
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