Netanyahu foi enganado por ‘Wily’ Biden? Não, Biden é quem está sendo manipulado

Alastair Crooke – 25 de dezembro de 2023

Biden pode acreditar que a sua “longa experiência” o coloca no “lado certo” no julgamento dos acontecimentos, mas a sua experiência vem de outra época. 

Biden sorriu e respondeu: “Eu sei”, quando um convidado lhe disse que Netanyahu está arrastando os EUA para um conflito civilizacional – e ainda que Netanyahu o culpa (Biden), queixando-se de que a Casa Branca quer impedir que Israel chegue à raiz do problema, insistindo em Gaza e no “dia seguinte”.

Na prática, o que Netanyahu está fazendo é simplesmente montar uma clássica manobra de flanco – tentando contornar Biden apontando para o “conflito mais amplo” com o Irã: “Porque é que me estão importunando sobre Gaza quando há um conflito monumental em curso”, sugere Bibi, exasperado?

“Esta não é apenas a ‘nossa guerra’, mas em muitos aspectos a sua guerra… Esta é uma batalha contra o eixo iraniano… que agora ameaça fechar o estreito marítimo de Bab Al-Mandeb… É do interesse… de toda a comunidade civilizada”, Netanyahu disse – não muito sutilmente.

A reação de Biden é um sorriso presunçoso, insinuando que ele acha que pode vencer Netanyahu (“a raposa”). Esta é a abordagem de Biden: ele pretende desarmar a alegação de Netanyahu de que os EUA são obstrucionistas através de um desfile de visitas de alto nível que reitera o seu apoio incondicional a Israel – e antecipar Bibi, insistindo que ele (Biden) cuidará das não-questões de Gaza (Hezbollah, Iêmen, etc.).

Portanto, os EUA estão reunindo uma força marítima para enfrentar o AnsarAllah no Iêmen; a administração Biden agirá para sancionar colonos violentos na Cisjordânia; está alertando Bagdad para controlar o Hashad al Sha’abi; e os seus enviados em Beirute estão tentando forjar um ‘acordo diplomático’ que incluirá a retirada das Forças Radwan do Hezbollah para o outro lado do Rio Litani no sul do Líbano, e também lidará com as disputas fronteiriças não resolvidas entre Israel e o Líbano.

Biden orgulha-se de ser um ator de política externa extremamente experiente – e considera-se demasiado astuto para os truques de Bibi. Mas talvez Netanyahu – apesar de todos os seus muitos defeitos – seja quem compreenda melhor a Região?

Biden claramente está sendo manipulado. Mesmo que ele não consiga reconhecê-lo.

Netanyahu sabe que “de jeito nenhum” o Hezbollah se desarmará e se retirará para o norte de Litani. Ele sabe disso e, portanto, pode esperar pelo fracasso diplomático de Biden, antes de dizer que os cerca de 70.000 cidadãos israelenses deslocados das cidades do norte na sequência do 07 de outubro precisam de “ir para casa”, e que se os EUA não conseguirem retirar o Hezbollah da fronteira-cerca, então Israel fará isso.

Netanyahu está usando a iniciativa diplomática libanesa de Biden para construir uma justificativa europeia para uma operação israelense dentro de algumas semanas para afastar o Hezbollah da fronteira com Israel. (Uma operação israelense contra o Hezbollah está em andamento desde o início da guerra em Gaza).

Netanyahu sabe também que o controle sobre a violência dos colonos na Cisjordânia não pertence a ele, mas está nas mãos dos seus parceiros: ou seja, os ministros Ben Gvir e Smotrich. Nem ele, nem Biden podem dar-lhes ordens – há meses que aumentam silenciosamente a pressão sobre os palestinos da Cisjordânia.

E, finalmente, Netanyahu conhece os Houthis: eles não serão dissuadidos pela flotilha marítima de Biden. Em vez disso, irão gostar de arrastar o Ocidente para um atoleiro do Mar Vermelho.

Goste ou não, a táctica de Biden de conter e prevenir a escalada regional, através da qual os próprios EUA se tornam atores principais – em vez de Israel – está claramente arrastando os EUA ainda mais para o conflito. Será que Biden acredita que os Houthis irão simplesmente “revolver-se” silenciosamente porque o Gerald Ford está ancorado em Bab Al-Mandeb, ou que o Hizbullah aceitará instruções de Amos Hochstein?

A segunda forma pela qual Biden está sendo derrotado é através de sua visão do problema israelita como “apenas Bibi” – entregando-se à política pessoal. É claro que é verdade que o primeiro-ministro israelense está moldando a política israelense às suas próprias necessidades de sobrevivência; ainda assim, pare um momento para considerar o que o Presidente Herzog disse na terça-feira durante uma entrevista facilitada pelo Atlantic Council, um importante think tank com sede em Washington.

Herzog tem sido visto há muito tempo como distintamente “pacífico” e “esquerdista” pelo establishment da política externa de Beltway – antes da guerra – em comparação com Netanyahu.

Na entrevista, Herzog disse: “Pretendemos dominar toda a Faixa de Gaza e mudar o curso da História”. Ele disse que o conflito atual é um choque de “um conjunto de valores civilizacionais” e classificou o Hamas (em termos puramente maniqueístas) como uma “força do mal”, acrescentando que Israel não toleraria mais que Gaza fosse uma “ plataforma para o Irã – levando todos para o abismo do derramamento de sangue e da guerra”.

Não há muito entendimento entre ele e o PM.

A convergência entre Herzog e Bibi reflete, talvez, uma mudança mais substantiva que está ocorrendo em Israel – uma mudança estratégica que se estende muito além da obsessão pessoal de Biden por Bibi:

Desde 07 de outubro, o New York Times e o Jerusalem Post relatam que 36% dos israelenses se moveram decididamente para a Direita numa série de questões políticas, incluindo o apoio aos colonos na Cisjordânia, o apoio a políticos de Extrema-Direita e até mesmo os colonatos novamente dentro da Faixa de Gaza. E embora a opinião pública sobre o próprio Netanyahu esteja vacilante, não se espera que o seu governo caia.

E mesmo que isso acontecesse, o ponto mais importante a compreender é que o apoio às políticas defendidas pelo governo direitista radical de Netanyahu está crescendo, e rapidamente.

A Direita de Israel geralmente acredita no controle israelita da Cisjordânia e de Gaza, com muitos israelitas de Direita a opor-se ao princípio do Estado palestino que existe ao lado de Israel. Isto pode ser visto em muitas das políticas do atual governo, que têm trabalhado no sentido de expandir os colonatos israelitas na Cisjordânia e tornar Gaza inabitável para os palestinos.

No lado oposto do espectro está a Esquerda de Israel. O Jerusalem Post observa que a Esquerda acredita em grande parte que Israel está “ocupando” a Cisjordânia e que o fim do conflito só pode ser alcançado pondo fim à ocupação e permitindo uma solução de dois Estados. Mas ninguém é explícito sobre onde esse segundo Estado – um Estado palestino – estaria situado. Legalmente seria Gaza, a Cisjordânia e parte de Jerusalém. Mas quem poderia impor isso? Quem expulsaria os colonos da Cisjordânia?

Para muitos israelenses, o Estado de ocupação de separação e ‘apartheid’ dos últimos 30 anos era a ‘solução de dois Estados’ viável – mas os seus pilares (separação estrutural, aplicação militar e dissuasão) que para muitos israelenses pareciam prometer o ‘silêncio’ que muitos esperavam – explodiu em 07 de outubro.

“O trauma do que aconteceu em 07 de outubro mudou a sociedade israelense. Isso os fez questionar os princípios mais básicos sobre se estavam seguros em suas casas”, disse o colunista israelense Tal Schneider:

“Eles pedem agora mais – mais forças armadas, mais proteção, mais políticas de linha dura”.

“Muitas pessoas de Direita”, escreve Ariella Marsden no Jerusalem Post, “e uma minoria de esquerdistas, viram o 07 de outubro como uma prova de que a paz com os palestinos é impossível”. Não é de surpreender que o pensamento se tenha virado para a remoção da população, o que coincide com o tema da “nova guerra da Independência” de Netanyahu.

Em suma, Biden pode acreditar que a sua “longa experiência” o coloca no “lado certo” no julgamento dos acontecimentos. Sua experiência, entretanto, vem de outra época. A Israel política que ele conhecia acabou: chegou ao fim do caminho no que diz respeito ao velho paradigma do seu modus vivendi palestino. A demografia já não impulsiona a “dar” um Estado aos palestinos, mas sim a limpar a terra de todas as “populações hostis”.

Os israelenses estão agora vasculhando a sua nova solução.

E assim como a resistência do Hamas apontou para novas formas de conduzir a guerra, a “longa experiência” de Biden exemplificou-se no envio de porta-aviões e navios da década de 1960 para permanecerem no mar, numa era de drones inteligentes, ágeis, muitas vezes indetectáveis e mísseis precisos, aponta para algo também ultrapassado/passé.

Os EUA estão hoje diretamente envolvidos no Iêmen, no Líbano, na Cisjordânia, no Iraque e na Síria. E à medida que a guerra se alarga, os EUA serão considerados, pelo menos em parte, responsáveis – vocês deixaram deliberadamente Gaza ser destruída, e o que está destruído, vocês são os responsáveis. O que mais for destruído, vocês também o serão [responsáveis por].

Dois milhões de habitantes de Gaza desamparados serão todos refugiados, sem nenhum governo para fornecer funções e serviços básicos. Netanyahu entendeu? Claro. A grande maioria dos israelenses se importa? Não. Mas o resto do mundo o faz e vê uma mancha escura se espalhando pelo mapa e se espalhando para o Ocidente.

E a flotilha dos EUA no Mar Vermelho; faz o esforço diplomático no Líbano; será que os apelos frenéticos à China para pedir ajuda para controlar o Irã e os esforços em Bagdad – serão suficientes para pôr fim ao plano do Eixo?

Não – a Resistência deve ver os EUA em dificuldades e que Israel – cheio de raiva – está positivamente convidando à próxima subida na escada escalonada do conflito difuso e incremental mais amplo.

Fonte: https://strategic-culture.su/news/2023/12/25/netanyahu-outsmarted-by-wily-biden-no-biden-one-being-played/


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