Avaliação das Forças Armadas Russas como Instrumento de Poder
25 de Agosto de 2016
Este artigo foi escrito para Unz Review
Decorreu um quarto de século desde a queda da União Soviética e, mesmo assim, a memória das Forças Armadas soviéticas ainda está viva na mente de muitos dos que viveram a Guerra Fria ou dos que recordam ainda, a Segunda Guerra Mundial. As elites patrocinadas pela NATO, na Europa de Leste, continuam a assustar os seus cidadãos, com avisos do perigo dos “tanques russos” a rolar nas ruas, como se os tanques soviéticos estivessem prontos, novamente, para avançar sobre a Alemanha. Durante um certo período de tempo, a imagem convencional do soldado russo, no Ocidente, era a de um soldado ébrio, que designaremos por Ivan, semi-analfabeto e violador, que iria atacar, formando imensas hordas com poucas capacidades tácticas e comandados por um corpo de oficiais seleccionados pela sua lealdade política e falta de imaginação. Em seguida, a narrativa da propaganda mudou e agora o novo bicho-papão russo é um “homenzinho verde“, que, de repente, aparece para anexar alguma parte dos Países Bálticos à Rússia. Hipoteticamente, os “especialistas” em assuntos russos aumentaram a confusão ao tornar públicas, as alucinações de uma expansãp russa na Síria e no Mediterrâneo que poderia afastar toda a região para longe do Tio Sam e derrotar confiadamente, todas as forças aéreas e da marinha da NATO/CENCOM.Claro que é tudo um disparate e o que me proponho fazer, ao escrever este artigo, é fornecer algumas indicações básicas sobre o que as forças armadas russas actuais podem e não podem fazer, em 2016. Não será uma discussão altamente especializada, mas sim uma lista de algumas advertências simples e fundamentais.
A Rússia não é a União Soviética
O facto principal e mais importante a ter em mente é que os militares russos estão realmente interessados na defesa do território russo. Deixem-me dizer imediatamente que, ao contrario da maior parte do que é referido pela propaganda da Guerra Fria, as acções dos militares soviéticos também foram essencialmente defensivas, mesmo que incluissem uma série de elementos ofensivos, tais como:
1) O controlo militar de toda a Europa Oriental, tornando-a numa “zona tampão” para manter os EUA/NATO longe de fronteiras da União Soviética.
2) Uma ideologia oficial, o Comunismo, que era messiânica e global nas suas metas estabelecidas (dependendo, mais ou menos, de quem estava no poder)
3) A prática de oposição global ao Império norte-americano em qualquer lugar do planeta, através de meios técnicos, políticos, financeiros, científicos e, evidentemente, militares.
A Rússia não tem interesse em nenhum deles. Não só a natureza da guerra moderna reduziu drasticamente os benefícios desses meios serem implantados, os aspectos messiânicos do Comunismo foram mesmo abandonados pelo Partido Comunista da Rússia, que agora está concentrado nos problemas sócio-económicos internos da Rússia, e que não tem qualquer interesse em libertar o proletariado polaco ou austríaco da exploração capitalista. Quanto a uma presença militar global, a Rússia não tem os meios nem a vontade de desperdiçar os seus recursos muito limitados em territórios distantes, que não contribuem para a sua defesa.
Mas o factor mais importante é o seguinte: a esmagadora maioria dos russos está cansada e farta de ser um império. Desde Pedro I a Gorbachev, o povo russo pagou um preço terrível em suor, lágrimas, sangue e rublos, para manter um império que não fez absolutamente nada pelo povo russo, excepto empobrecê-lo e torná-lo odiado em grande parte do mundo.Acima de tudo, os russos querem que seu país seja um país “normal”. Sim, um país seguro, poderoso, rico e respeitado, mas, ainda assim, um país normal e não uma superpotência global. Muitos russos ainda se lembram que o Politburo soviético justificou a ocupação e a subsequente guerra no Afeganistão como sendo a conclusão de um “dever internacionalista” e se alguém hoje tentasse esse tipo de linguagem, a resposta seria “para o inferno com essa teoria”. Finalmente, há a triste realidade de que, quase todos os países libertados pela Rússia, não apenas da Alemanha nazi, mas também do jugo turco, não demonstram precisamente nenhuma gratidão pelo papel desempenhado pela Rússia na libertação. É simplesmente doentio ver como os nossos denominados “irmãos ortodoxos” da Bulgária, Roménia ou da Geórgia estão ansiosos por dispôr as armas da OTAN/NATO contra a Rússia. Da próxima vez, deixem que esses indivíduos se libertem por si, assim todos serão mais felizes.
Uma regra básica de análise militar é não considerar as intenções, mas sobretudo o potencial, por isso vamos agora analisar as capacidades russas.
As Forças Armadas russas são relativamente pequenas
Em primeiro lugar, as Forças Armadas russas são relativamente pequenas, especialmente para a defesa do maior país do planeta (a Rússia tem quase o dobro do tamanho dos EUA, tem cerca de metade da população dos mesmos e 20.241 km de comprimento de fronteiras terrestres). O tamanho total das Forças Armadas russas está estimado em cerca de 800.000 soldados. Esse número coloca as Forças Armadas russas na 5ª posição em todo o mundo, algures entre a RPDC(1.190.000) e o Paquistão (643.800). Na verdade, esta espécie de “contagem de feijões” não faz absolutamente nenhum sentido, mas esta comparação é útil para mostrar algo que é irrefutável: as Forças Armadas russas são relativamente pequenas.
Esta conclusão ainda é mais reforçada, se considerarmos o facto de que é difícil imaginar um cenário em que todos os soldados russos, desde Kaliningrado até ao Kamchatka, serão activado em simultâneo, contra um inimigo. Por esta razão, o território russo foi dividido em cinco distritos militares separados (e, de facto, autónomos) ou em cinco “orientações estratégicas”), a saber: Distrito Oriental, Central, Norte, Ocidental e Sul.
Embora haja um número de unidades que estão subordinadas directamente ao Alto Comando de Moscovo, a maioria das unidades russas foi distribuída entre os comandos destas orientações estratégicas.
[Nota adicional: Também é interessante saber que, quando Putin chegou ao poder, o Distrito militar ocidental estava quase desmilitarizado, pois, na Rússia, ninguém acreditavaque havia uma ameaça vinda do Ocidente. As políticas agressivas dos EUA/NATO mudaram essa situação e agora existe um grande programa em andamento para reforçá-lo, incluindo a reactivação do 1º Exército de Blindados da Guarda.]
Nos Estados Unidos não há nenhuma divisão equivalente aos distritos militares russos. Ou, se existe, é muito diferente em natureza e propósito. Estou a referir os Comandos dos Combatentes Unificados dos Estados Unidos, que dividiram a totalidade do nosso planeta em “Áreas de Responsabilidade”:
Notem que toda a Rússia ocupa a área de “responsabilidade” de, apenas, um desses comandos, o USEUCOM. No entanto, na realidade, em caso de guerra total entre a Rússia e os Estados Unidos, o USCENTCOM e o USPACOM , iriam desempenhar, obviamente, um papel fundamental.
The Russians are *not* coming = Os russos *não* estão a chegar
Trocadilho com o título do filme satírico ‘The Russians are coming,the Russians are coming’
O tamanho e as capacidades dos distritos militares russos estão completamente ofuscadas pelo imenso poder e recursos dos comandos dos EUA: em cada um destes comandos, os EUA já instalaram forças, equipamento pré-posicionado e construíram as infraestruturas necessárias para receber reforços importantes. Aliás, uma vez que os EUA têm actualmente cerca de 700 bases militares em todo o mundo, os países de acolhimento foram transformados numa versão moderna de uma colónia, de um protectorado que não tem opção a não ser colaborar totalmente com os EUA e é obrigado a oferecer todos os seus recursos de mão-de-obra, equipamentos, infraestruturas, etc. aos EUA, em caso de guerra. Dizendo o mesmo de maneira simples: toda a Europa é de propriedade dos EUA, que pode usá-la como eles quizerem (principalmente como carne de canhão contra a Rússia, é claro).
É importante ter em mente esta imensa diferença de tamanho e capacidades, por exemplo, quando ponderamos sobre a operação russa na Síria.
Quando os primeiros rumores de uma intervenção russa iminente começaram a inundar o mundo dos blogs, muitos foram tentados a dizer que os russos estavam prestes a libertar a Síria, a desafiar a NATO e a derrotar o Daesh. Alguns tinham visões de Forças aerotransportadas russas reposicionadas em Damasco, aviões MiG-31 a cruzar os céus da Síria e até mesmo SLBMs = Mísseis Balísticos lançados de submarinos russos a navegar nas costas da Síria (embora nunca explicassem esta opção). Nessa época, tentei explicar que não, os “russos não estão a chegar” (ver aqui, aqui, aqui, aqui e aqui), mas, para dizer o mínimo, as minhas notas de advertência não foram recebidas com entusiasmo. Um destacamento militar da Rússia acabou por materializar-se na Síria, mas foi pouco em relação ao que era esperado. Na verdade, em comparação com a força de intervenção esperada, era um destacamento pequeno: 50 aviões de combate e o respectivo pessoal de apoio. No entanto, o que esta pequena força militar alcançou, foi muito mais do que qualquer um esperava, eu incluído. Então, o que é que realmente aconteceu? Os russos fizeram realmente tudo o que podiam? Ou de repente ficariam demasiado receosos de fazer o que tinham planeado fazer? Ou foram, de alguma forma, pressionados a levar a cabo uma missão muito menos ambiciosa do que tinham previsto inicialmente?
Para explicar este assunto, precisamos de analizar agora, as capacidades reais das Forças Armadas russas.
O verdadeiro “alcance” das Forças Armadas russas
Em primeiro lugar, a Rússia tem uma gama de sistemas muito grande: os seus mísseis podem atingir qualquer ponto do planeta, os seus bombardeiros podem voar muitos milhares de milhas e seus aviões de transporte têm intervalos de vários milhares de milhas. No entanto, e isto é crucial, nada equivale a uma capacidade de projecção do poder real.
Há duas maneiras básicas de projectar poder: assumir o controlo de um território ou, na sua falta, negá-lo ao inimigo. A primeira exige, necessariamente, as famosos “botas no terreno”, enquanto a segunda requer supremacia aérea. Então, quão longe de casa podem realmente lutar, os soldados e os pilotos russos,? Como é que a Força Aérea russa pode estabelecer uma zona de exclusão de vôos?
Vamos começar por eliminar um mito: que a Força Aerotransportada russa é mais ou menos semelhante à 82ª ou à 101ª Força Aérea dos EUA. De facto, não é. A 82ª e a 101ª são divisões de infantaria leve que estão normalmente envolvidas no que eu chamaria de “missões de coação/constrangimento colonial”. Em comparação com as forças dos EUA transportadas por via aérea, as Forças Aérotransportadas russas são muito mais pesadas, totalmente mecanizadas e sua missão primordial é lutar ao nível de apoio operacional da frente, numa profundidade máxima de 100 a 300 km (se bem me lembro, a Força Aérea russa nem sequer tem aviões suficientes para efectuar o transporte aéreo de uma divisão aerotransportada completa, embora vá adquirir essa capacidade em 2017). Depois de desembarcar, a Divisão Aereotransportada russa é uma força muito mais gigantesca do que a sua homóloga dos EUA: não só está totalmente mecanizada como também tem a sua própria artilharia. Mais importante ainda, é que tem uma mobilidade táctica superior à das Divisões Aereotransportadas americanas.
Mas o que os russos ganham em mobilidade tática, perdem em mobilidade estratégica: os Estados Unidos podem enviar facilmente a 82ª Divisão, praticamente para qualquer local do planeta, enquanto, inquestionavelmente, os russos não podem fazer o mesmo com as suas Forças Aerotransportadas.
Além disso, até mesmo uma divisão aerotransportada russa é relativamente fraca e frágil, especialmente quando comparada com as forças armadas regulares, por isso está completamente dependente do apoio das Forças Aeroespaciais Russas. O que reduz drasticamente o “alcance” dessas forças. Tudo isso é para dizer que não, as tropas Aerotransportadas Russas nunca tiveram meios para enviar uma divisão/brigada/regimento aerotransportado para Damasco, como também não tiveram meios para apoiar as tropas aerotransportadas russas em Pristina .
Como qualquer outra força militar moderna, os russos são capazes de operações militares ofensivas, mas seriam executadas principalmente se fizessem parte de um plano de defesa ou de um contra ataque. E enquanto as forças russas terrestres (ou seja, o “Exército”) tem uma excelente capacidade de atravessar o terreno, todas elas foram concebidas para missões de menos de algumas centenas de quilómetros de profundidade.
Por este motivo é que escrevi no passado, que as Forças Armadas Russas estão projectados para lutar no seu território nacional, até ao afastamento máximo de 1.000 km da fronteira russa. Por favor, não considerem estes “1000 km” à letra. Na realidade, 200 a 400 km seria muito mais realista, e eu diria que as capacidades das Forças Armadas Russas diminuem na proporção inversa do quadrado da distância das fronteiras russas (isto é, quando mais afastadas, menos eficientes). Aqui está o que estes 1.000 km de distância máxima parecem ser num mapa que mostra as fronteiras do ocidente e do sul da Rússia:
Mapa elaborado por Harry
Tenham em mente que a distância real, que as Forças Armadas Russas podem “alcançar” não é determinada principalmente pela distância, mas é muito mais pelo terreno e pelas possíveis defesas encontradas nesta zona. Voar sobre a Estónia para alcançar o Mar Báltico seria muito mais fácil do que voar sobre a Turquia para chegar à Síria. É muito mais fácil atravessar as planícies da Ucrânia do que seria a atravessar as florestas cobertas de neve, da Finlândia. Mais uma vez, o conceito da distância de 1.000 quilómetros, muitas vezes, é muito mais reduzido, no mundo real.
Se analisarmos agora mais de perto no Médio Oriente, o que vemos é o seguinte:
Mapa elaborado pelo udbc
Observem que Khmeimin está apenas no limite desta distância de 1.000 km, mas apenas a 50 km da fronteira com a Turquia e que, a fim de se reabastecerem, os russos teriam de atravessar o espaço aéreo turco em torno da Turquia através do Irão e do Iraque. Por outras palavras, Khmeimim e Damasco estão longe demais para que as Forças Armadas Russas possam inserir qualquer tropa, podem apenas introduzir uma força relativamente pequena e dar-lhe uma missão relativamente limitada. E se bem que os russos tenham sido extremamente bem sucedidos na Síria, eu diria que Putin correu um risco enorme, mesmo que ele e o Estado-Maior russo, tenham calculado as probabilidades correctamente e alcançado um sucesso verdadeiramente notável.
Será que a oferta recente do Irão, que permite aos russos, a utilizasção da base aérea de Hamedan, fez qualquer diferença nas capacidades da Rússia?
Sim e não. Sim, pois agora vai tornar possível aos russos utilizar o Tu-22M3 de uma forma muito mais eficaz e não, porque esta melhoria não altera fundamentalmente o equilíbrio regional de poder ou permite aos russo planificar o envio das suas forças para a Síria. Simplificando: os russos estão a anos de distância de serem capazes de executar algo semelhante ao que os Estados Unidos fizeram durante o “Escudo do Deserto”. De facto, essas operações nem sequer fazem parte da doutrina militar russa e os russos não têm nenhum desejo de desenvolver tal capacidade. Há uma razão pela qual o Império Anglo-Sionista está falido: a manutenção de um império global é proibitivamente cara, os russos aprenderam essa lição no passado, de maneira dolorosa e, hoje, não têm qualquer desejo de imitar os EUA. Fazê-lo, não só iria exigir uma mudança drástica da postura militar russa, mas imitar o modelo político e económico dos EUA, é algo que a Rússia nem deseja, nem é capaz de fazer.
No entanto, também há grandes vantagens na postura da força russa, sendo a principal que os russos só lutarão no “seu território”, não só em termos de localização, mas também em termos de capacidades. O mesmo quadrado inverso da “lei” que limita tão severamente as capacidades de projecção do poder militar russo também actua a favor da Rússia ao lidar com um inimigo que se aproxime da fronteira russa: quanto mais próximo este inimigo ficar, mais perigoso se torna o ambiente. Em termos práticos, isto significa que os três Estados bálticos, o Mar Báltico, o Golfo da Finlândia, a maior parte da Ucrânia, o Mar Negro e o Mar Cáspio são considerados, para todos os efeitos, como sendo “território Russo”. O facto da NATO fingir outra coisa, não faz diferença: o tipo de poder de fogo, as capacidades que a Rússia pode suportar, superam simplesmente as que os EUA e a NATO podem arriscar. Não é uma questão de número de tanques, helicópteros ou aviões de combate, é o facto de que, no território russo e mais perto dele, as Forças Armadas russas agiriam como um todo integrado, exactamente o que elas não podem fazer, digamos, na Síria. Assim, mesmo que em teoria, a NATO possa dispôr de mais aviões para a batalha, os aviões russos seriam apoiados pela rede de multi-camadas da defesa aérea russa, totalmente integrada num grande número de sistemas sofisticados de guerra electrónica que, juntamente com os sistemas interceptores altamente eficientes e de longo alcance: em terra, como o S-400 ou no ar como o MiG-31BM, tornaria extremamente perigoso para os aviões dos Estados Unidos ou/e da NATO, chegarem a qualquer lugar perto do espaço aéreo russo, especialmente para os AWACs = Airborne Warning and Control System de cuja doutrina aérea os EUA dependem completamente.
O verdadeiro significado de A2AD
O pesadelo Americano
Os EUA e a NATO estão, naturalmente, muito conscientes deste facto. E, como é tipico deles, esconderam essa realidade por trás uma sigla obscura: A2AD, que representa a negação da área de anti-acesso. De acordo com os estrategas dos EUA, a Rússia, a China e até mesmo o Irão estão a planear usar estratégias A2AD contra os EUA. O que isto significa em inglês corrente, claro que é simples: na verdade, alguns países podem lutar e defender-se (daí o porta-aviões em chamas na capa deste livro). A arrogância de tudo isto é simplesmente espantosa: não se trata dos EUA estarem preocupados com A2AD iraniano no Paraguai, o A2AD da Rússia na África ou A2AD chinês no Golfo do México. Não, os EUA estão preocupados com esses países que estão a defender as suas próprias fronteiras. Na verdade, como se atrevem ?!
Felizmente para o mundo, o Tio Sam só tem de lamentar-se, mas não pode fazer muito sobre este assunto, a não ser, no Ocidente, esconder estas realidades do público em geral e ofuscar os perigos de brincar com os países errados protegidos com siglas bizarras como A2AD. E este facto faz-me recordar a Ucrânia.
Um rápido relance a 1.000 quilómetros do mapa irá mostrar imediatamente que a Ucrânia também está bem dentro da zona teórica do “território Russkie/russo” (mais uma vez, não considerem estes 1000 km à letra e recordem que este número é o máximo, supor algumas centenas de quilómetros é uma atitude muito mais realista). Isso não significa de que a Rússia quereria, ou deveria, atacar ou invadir a Ucrânia (ou mesmo os Estados Bálticos e a Polónia), mas o mesmo não significa que tal operação esteja bem dentro das capacidades dos russos (pelo menos, se não tivermos em conta a opinião pública na Rússia) e que, para tentar contrariar este facto, seria necessário um esforço imenso, algo que ninguém no Ocidente tem os meios imprescindíveis para pô-la em prática.
Na verdade, este tipo de cenários só existe nas mentes dementes dos propagandistas ocidentais e no mundo artificial dos grupos de reflexão dos Estados Unidos, ao fornecê-los aos políticos, fazem desses contos de fadas assustadores, o seu pão de cada dia (para um exemplo deste último, ver aqui). Para ter a certeza, só o facto de que ambos os lados têm armas de longo alcance, incluindo armas nucleares, faz com que este cenário ainda seja menos provável, a menos que consideremos que os russos enlouqueceram e estão a tentar forçar os EUA a recorrer ao uso de armas nucleares. O cenário oposto – os EUA correrem o risco de forçar a Rússia a usar armas nucleares – infelizmente, não é tão improvável, especialmente se os Neocons se apropriarem do controlo total da Casa Branca. A diferença? Os russos sabem que não são nem invulneráveis nem invencíveis, os norte-americanos não. Por esta razão é que os últimos são muito mais propensos a desencadear e os conflitos do que os primeiros.
A guerra em larga escala entre os EUA e a Rússia seria muito diferente de tudo o que foi descrito aqui: iria durar uma semana, talvez duas, o que implicaria ataques convencionais e nucleares quer nos EUA, quer na Rússia e seria travada principalmente com armas que se contrabalançassem. Neste cenário, as “tropas no terreno” ou a guerra blindada seriam de muito pouca importância.
A Ucrânia está bem localizada dentro do território russo
Assim, se na Síria “Os russos não estão a chegar”, então, na Ucrânia, eles já estão lá. Não estou a referir o envio de equipamentos (os Voentorg) ou voluntários (o “vento do norte“), mas ao facto de que a Ucrânia e, especialmente, o Donbass está tão perto da fronteira com a Rússia que seria basicamente inegável aos russos, se eles decidissem ocupá-la. Digo, novamente, que não estou a sugerir que eles o farão ou mesmo que isso possa acontecer, mas apenas que todas as afirmações exageradas do regime de Kiev sobre “defender a Europa contra as hordas russas” ou “ensinar a NATO como combater os russos,” é um disparate absoluto. O mesmo é válido para a conversa sobre o fornecimento de “armas letais” aos Ukronazis. Por quê? Porque a situação em Donbass é extremamente simples: é altamente improvável que o Ukronazis sejam bem sucedidos a apoderar-se de Donbass, mas se, por algum milagre, conseguirem, seriam destruídos pelas Forças Armadas russas. Putin deixou bem claro que, se bem que ele não vá intervir militarmente na Ucrânia, não permitirá que aconteça um genocídio na Novorussia. De facto, somente a artilharia russa distribuída ao longo da fronteira é suficiente para destruir qualquer força ucraniana que invada a Novorussia. Na verdade, foi exactamente o que aconteceu em Julho de 2014, quando num único episódio fronteiriço de 2 minutos de duração, os lançamentos múltiplos de foguetes e armas de artilharia de longo alcance dos russos, destruíram completamente dois batalhões mecanizados ucranianos (Pela primeira vez, na História da Guerra).
Como escrevi muitas vezes, todas as partes envolvidas no conflito sabem-no e o único objectivo real dos nazis ucrânianos é provocar uma intervenção russa em Donbass, enquanto os russos estão a tentar evitá-lo, apoiando secretamente os Novorussos. É isso mesmo. É tão simples quanto isso. Mas a noção dos nazis ucrânianos de se apoderarem de Donbass ou, muito menos, da Crimeia, é absolutamente ridícula. Mesmo o poder combinado dos EUA e da NATO/OTAN não poderiam fazer com que tal acontecesse.
Conclusão: a Rússia não é a União Soviética e não é os EUA
É absolutamente incrível como, para muitas pessoas, é difícil compreender o facto simples e visível, de que a Rússia não é um v2 URSS nem um anti-EUA. Portanto, é absolutamente essencial repetir amiudadamente, que a Rússia de 2016 não tem aspirações a tornar-se um império e que não tem meios para se tornar num provocador global contra a hegemonia Anglo-Sionista, no nosso planeta. Então, o que é que a Rússia quer? É simples: a Rússia quer, simplesmente, ser um país soberano e livre. É isso mesmo. Mas num mundo governado pelo Império Anglo-Sionista, isso também é pedir muito. Na verdade, eu diria que, para a plutocracia internacional que governa o Império, esta aspiração russa é completa e categoricamente inaceitável, uma vez que vê esse desejo russo como uma ameaça existencial para os EUA e para toda a Nova Ordem Mundial que o Império tenta impor a todos nós. Por sinal, estão absolutamente certos.
Se a Rússia tiver permissão para se libertar do Império, então significa o fim do projecto de dominação global do Império, porque outros países irão, inevitavelmente, seguir-lhe o exemplo. Não só isso, mas iria privar o Império dos imensos recursos da Rússia em matéria de energia, água potável, metais estratégicos, etc. Se a Rússia se puder libertar e for bem sucedida, então a Europa irá inevitavelmente gravitar para a Rússia, devido a factores económicos e políticos objectivos. Perder a Europa significaria o fim do Império Anglo Sionista. Todos compreendem este facto e é por esta razão que o 1% que governa, teve de desencadear a campanha de propaganda russofóbica mais histérica da História ocidental. Então, sim, a Rússia e o Império já estão em guerra, uma guerra pela sobrevivência do qual apenas um irá vencer, enquanto o outro será eliminado, pelo menos na sua forma política actual. Esta guerra é um novo tipo de guerra, no entanto, é aproximadamente 80% informativa, 15% económica e 5% de militar. Por este motivo é que a proibição da equipa paraolímpica russa é tão importante, como também a entrega dos sistemas de radares anti mísseis americanos e britânicos à junta nazi, de Kiev.
Se a Rússia é militar e economicamente muito mais fraca do que o bloco de todos países liderados pelos EUA que formam o Império, na frente da informação a Rússia está a funcionar muito melhor. Basta observar toda a histeria dos políticos ocidentais sobre RT/Russian Today, para ver que estão a sentir-se completamente ameaçados numa área que costumavam dominar completamente: operações de informação (melhor dizendo, de propaganda).
Os objectivos da Rússia são bastante simples:
a) Objectivos militares: sobreviver (doutrina militar defensiva)
b)Objectivos económicos: tornar se verdadeiramente soberana (afastar a 5a coluna do poder
c) Objectivos informativos: desacreditar e invalidar a base política e económica do Império
É apenas isso. Ao contrário das esperanças grandiosas daqueles que desejam ver os militares russos intervir em todos os lugares, estes 3 objectivos estão ajustados às capacidades e meios reais da Rússia.
Não se pode ganhar uma guerra ao envolvermo-nos no tipo de guerra em que o inimigo é excelente. É necessário aplicar o tipo de guerra em que sois notáveis. Se a Rússia tentasse “out-EUA the EUA”, que significa — fora dos Estados Unidos tudo é dos Estados Unidos — iria inevitavelmente perder, portanto, ela escolheu ser diferente, a fim de prevalecer.
Ainda há muitos por aí que sentem nostalgia pelos “bons velhos tempos” da Guerra Fria, quando qualquer revolta, movimento, partido ou regime iria receber automaticamente o apoio da URSS. São estas pessoas que, lamentam profundamente que a Rússia não liberte a Ucrânia da junta nazi, que criticam a Rússia por não se insurgir contra os EUA na Síria e que estão perplexos, se não enojados, pela relação aparentemente afável entre Moscovo e Tel Aviv . Compreendo essas pessoas, pelo menos até certo ponto, mas também vejo o que eles não conseguem perceber claramente: a Rússia ainda é muito mais débil do que o Império Anglo Sionista e, por essa razão, a Rússia prefere sempre uma má paz a uma boa guerra. Além do mais, não é como se houvesse uma longa fila de espera de países desejosos de defender a Rússia quando os seus interesses forem afectados. Alguém sabe que países, além da Rússia, reconheceram a Abcásia e a Ossétia do Sul? Resposta: a Nicarágua,a Venezuela e o Nauru! Sim, nem mesmo o Cazaquistão ou a Síria … Não é amizade e parceria uma estrada de dois sentidos?
A verdade é que a Rússia não deve nada a ninguém. Mas mais importante ainda, a Rússia simplesmente não têm meios para se envolver num jogo planetário de soma zero contra o Império Anglo Sionista. Desde que Vladimir Putin chegou ao poder, conseguiu um quase-milagre: tornou a Rússia num estado semi-soberano. Sim, escrevi semi-soberano, porque enquanto a Rússia é militarmente intependente, ela continua a ser economicamente subserviente ao Império Anglo Sionista. Em comparação com o Império, a sua economia é pequena e as forças armadas só são capazes de defender o território a Mão pátria russa. No entanto, assim como o pequeno contingente russo, em Khmeimim, alcançou resultados superiores a qualquer coisa que se poderia esperar dele, a Rússia ainda é o único poder no planeta que se atreve a dizer abertamente “niet” à Hegemonia Anglo Sionista e mesmo desafiar abertamente e até ridicularizar a sua legitimidade e os seus designados ‘valores’.
A guerra entre o Império e a Rússia vai ser longa e o resultado permanecerá incerto durante muitos anos, mas, como diz o ditado russo, “a Rússia não começa guerras, termina-las”. O Papado lutou contra a Rússia durante 1000 anos. Os Cruzados aproximadamente, cerca de um século. O Império Sueco, durante 21 anos. Napoleão, apenas alguns meses. A Rainha Victoria, Napoleão III e Abdülmecid I (que eu designo como “Coaligação Ecuménica contra a Rússia) durante cerca de 3 anos. O Kaiser Guilherme II, também durante 3 anos. Os Trotskystas, durante uma década. Hitler, durante 4 anos. Os mafiosos judeus (aka “oligarcas”) durante 9 anos. E sim, todos eles foram finalmente derrotados, mesmo depois de uma vitória temporária, mas de cada vez, a Rússia pagou um preço enorme em sangue e sofrimento.
Desta vez, os líderes russos escolheram uma estratégia diferente, tentam tão duramente quanto possível, não dar ao Ocidente um pretexto para um confronto militar em grande escala. Até agora, esta estratégia tem sido bem sucedida e, além de dois ataques terroristas (no Egipto e na Síria) e de uma longa recessão de dois anos (aparentemente termina em breve), a Rússia não teve de pagar os preços horríveis que os países em guerra com o Ocidente, tipicamente tiveram pagar. Seria ilusório esperar que os russos mudassem de rumo neste momento, especialmente porque o tempo está agora claramente, a favor do lado russo.
Basta olhar para todos os problemas dos inimigos da Rússia para os quais ela não contribuiu: os EUA e a União Europeia estão ambos numa crise política profunda e potencialmente devastadora, os EUA estão sentados sobre uma bomba-relógio económica, enquanto a União Europeia está literalmente a implodir. A Ucrânia transformou-se num exemplo clássico de um Estado falhado e é provável que se separe, enquanto a Turquia está a passar pela pior crise desde a sua fundação. E a cada dia que passa as coisas pioram e é pior para o Império. Esta situação recorda-me o monólogo do Capitão Willard, no filme “Apocalypse Now”: “Estou aqui há uma semana … à espera de uma missão …e a ficar mais enfraquecido. A cada minuto que eu permaneça neste quarto, fico mais fraco e a cada minuto Charlie agacha-se no mato e fica mais forte. Cada vez que olho à minha volta, as paredes tornam-se um pouco mais apertadas”.
Substitua Charlie pelo Ivan e a floresta pela taiga e poderão ter uma imagem muito boa da dinâmica do que está a acontecer: a cada dia as paredes do Império estão a mover-se um pouco deixando um espaço mais apertado, enquanto os Anglo Sionistas ignoram completamente o que devem fazer para controlar esta situação.
Conclusão
Em assuntos internacionais, como em muitas outras áreas, é melhor nunca dizer nunca. Então, direi apenas que permanece extremamente improvável que as Forças Armadas Russas dêem início a uma operação ofensiva. Nem a Rússia defenderá mesmo um parceiro importante “a qualquer custo”. A missão principal e a postura militar das Forças Armadas russas serão fundamentalmente defensivas e se bem que a Rússia possa usar as suas Forças Armadas em apoio a um objectivo político ou para ajudar um aliado, vai fazê-lo com extrema cautela para não permitir que o envolvimento se transforme numa guerra regional ou, menos ainda, numa guerra directa contra o Império.
Ao contrário do Ocidente, onde uma possível guerra com a Rússia quase nunca é discutida (e, quando o é, é feito de uma maneira absolutamente ridícula), as perspectivas de guerra com o Ocidente são discutidas nos meios de comunicação mediática russos numa base quase diária, incluso nas estações de TV mais destacadas, financiadas pelo Estado. Porque as Forças Armadas russas estão envolvidas num grande programa de rearmamento e de formação que, até agora, está concluído em cerca de 50% do mesmo.
São sinais claros de que a Rússia está a preparar-se, de forma intensiva, para a guerra. Se os “loucos do rés-do-chão“ dos Neoconservadores, desencadearem uma guerra, vão encontrar a Rússia preparada, militar e psicologicamente, para lutar e vencer, não importa o que custar. Mas a Rússia nunca irá oferecer-se, novamente, para o papel de agente mundial anti-americano ou envolver as suas forças armadas se não houver uma alternativa viável para este tipo de compromisso. Então, não, de certeza absoluta, os russos não estão a chegar.
The Saker
Webpage: http://thesaker.is/assessing-the-russian-military-as-an-instrument-of-power/
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com
Muito bom.