Fotografia y text tomados de: Blog do Alok
Por Pepe Escobar, Strategic Culture Foundation
“Ilustres senhores, nessa oportunidade anuncio minha separação dos EUA tanto militar como também econômica.”
Assim o presidente das Filipinas Rodrigo “O Justiceiro” Duterte desencadeou um terremoto geopolítico que tomou toda a Eurásia e reverbera por todo o Oceano Pacífico.
E nem se fala da perfeita escolha da oportunidade; ali, nada menos que no coração do Dragão Emergente [orig. Rising Dragon].
Coroando sua visita de Estado a Pequim, Duterte então cunhou o mantra – grávido de sugestões – que continuará a reverberar por todo o sul global: “Os EUA perderam”.
E como se não bastasse, anunciou que uma nova aliança – Filipinas, China e Rússia – está emergindo: “somos três, contra o mundo”.
Como se podia prever, o establishment do governo da “nação indispensável” na Av. Beltway em Washington pirou-total, reagindo como “aturdidos” ou ensandecidos de fúria e espalhando os expletivos de sempre sobre o “enganador populista cru” [ing. “crude populist“], “líder destrambelhado” [ing. “unhinged leader“].
Resumo da ópera é que é preciso muita coragem para o líder de um país pobre, subdesenvolvido, no Sudeste Asiático ou em qualquer lugar do mundo, para desafiar tão abertamente a hiperpotência. Pois o jogo que Duterte está jogando é realpolitik, da pura; se der certo, terá habilmente jogado EUA contra China, para benefício dos interesses dos filipinos.
“Uma primavera de nosso relacionamento”
E começou com estardalhaço: durante a visita de Duterte à China, Manila assinou nada menos que $13 bilhões de contratos de negócios com Pequim – de comércio e investimento a controle do tráfico de drogas, segurança marítima e infraestrutura.
Pequim não mediu esforços para que Duterte se sentisse bem vindo e bem acolhido.
O presidente Xi Jinping sugeriu que Manila e Pequim devem “pôr temporariamente de lado” as inabordáveis disputas no Mar do Sul da China, e aprender com a “sabedoria da história” – que sempre dá espaço a conversações diplomáticas. Afinal, os dois povos são “irmãos de sangue”.
Duterte respondeu à altura: “Embora cheguemos a Pequim bem perto do inverno, aqui é a primavera de nosso relacionamento” – disse a Xi, no Grande Salão do Povo.
China já é o segundo maior parceiro comercial das Filipinas, atrás só de Japão, EUA e Cingapura. As exportações filipinas para esses três chegam a 42,7% do total, comparadas aos 22,1% para China/Hong Kong. Importações da China são 16,1% do total. Ainda que o comércio com a China deva aumentar, o que realmente interessa a Duterte é o massivo investimento dos chineses em infraestrutura.
O significado disso tudo na prática e realmente impressionante: o Banco Asiático de Investimento e Infraestrutura liderado pela China (BAII) se envolverá definitivamente no desenvolvimento econômico das Filipinas; Manila se envolverá mais na promoção de relações tranquilas China-Nações do Sudeste Asiático [ing. ASEAN] em todas as questões regionais (assumirá a presidência rotativa da ASEAN em 2017); e as Filipinas se integrarão mais profundamente nas Novas Rotas da Seda (“Projeto Um Cinturão, Uma Estrada”, ing. One Belt, One Road, OBOR).
Três tiros no olho do alvo: não é surpresa que os EUA tenham ficado de fora. E há ainda mais um dardo bem encaminhado para o alvo, embutido na promessa de Duterte, de que em breve porá fim à cooperação militar com os EUA, apesar da oposição de uma parte das Forças Armadas filipinas.
Atenção à Cadeia Primeira Ilha [ing. First Island Chain]
Tudo até aí já fora dramático que baste. Na véspera de sua reunião com Xi, falando a membros da comunidade filipina em Pequim, Duterte disse, “é hora de dizer adeus” aos EUA. “Não pedirei nada, mas se [os chineses] oferecerem e se me perguntarem ‘o senhor precisa dessa ajuda? [Responderei] Claro! Somos muito pobres!”
E o gancho, para os próximos capítulos: “Nunca mais irei aos EUA… Lá só seremos insultados“.
Os EUA foram a potência colonial nas Filipinas de 1899 a 1942. Hollywood está gravada no inconsciente coletivo. Inglês é a língua franca – lado a lado com o tagalog. Mas os tentáculos da rede de “proteção” que Tio Sam estende sobre os filipinos estão longe de ser considerados bem-vindos. Duas das principais pérolas do Império de Bases dos EUA estão localizadas há décadas nas Filipinas: a Base Clark da Força Aérea e a Base Naval Baía Subic.
Clark ocupa 560 km2, com 15 mil habitantes, e trabalhou furiosamente durante a Guerra do Vietnã – principal entreposto de homens e armamentos para dentro e para fora de Saigon. Depois, foi convertida num daqueles QGs “operacionais avançados” do Pentágono. Subic ocupa 700 km2, e trabalhou tanto quando Clark. Foi base operacional avançada para a 7ª Frota dos EUA.
Já em 1987, antes do final da Guerra Fria, a Corporação RAND vivia alarmada com a perda dessas duas bases: que seria perda “devastadora para a segurança regional”. Devastadora no sentido – mítico – de “defender os interesses das nações da ASEAN” e “a segurança das rotas marítimas”.
Tradução: o Pentágono e a Marinha dos EUA perderiam um instrumento chave de pressão sobre as nações da ASEAN, dado que proteger “a segurança das rotas marítimas” sempre foi a justificativa chave para manter aquelas bases.
Mas fato é que perderam: Clark foi fechada em novembro de 1991, e Subic em novembro de 1992.
Passaram-se anos até que a China sentiu possibilidade de uma abertura – e aproveitou; afinal, durante os anos 1990s e início dos anos 2000s, a prioridade absoluta foi crescer à velocidade estonteante que se viu. Mas então Pequim fez as contas: não havia mais bases dos EUA com vista para a Cadeia Primeira Ilha.
A Cadeia Primeira Ilha é produto, ao longo de milênios, das fabulosas forças tectônicas do Anel de Fogo: uma cadeia de ilhas que vai do sul do Japão ao norte de Bornéu ao sul. Para Pequim, serve como uma espécie de escudo que protege o litoral ocidental da China: se essa cadeia de ilhas está segura, a Ásia está segura.
Para todas as finalidades práticas, Pequim considera a Cadeia Primeira Ilha como zona não negociável de demarcação do Pacífico Ocidental – idealmente sem qualquer interferência (tipo: dos EUA) estrangeira. O Mar do Sul da China – que em alguns pontos é chamado, por Manila, de Mar Filipino Ocidental – fica dentro da Cadeia Primeira Ilha. Assim sendo, para que a Cadeia Primeira Ilha esteja realmente protegida, o Mar do Sul da China deve estar livre de interferência estrangeira.
E aqui afinal nos vemos lançados no coração do caldeirão chave mais fervente de toda a geopolítica asiática no século 21 – e razão principal da pivotagem do governo Obama para a Ásia.
A Marinha dos EUA até aqui sempre contou com as Filipinas para fazer oposição à proverbial super propagandeada “agressão chinesa” nos mares do Sul da China e do Leste da China. A fúria do complexo industrial-militar neoconservador/neoliberal contra o “destrambelhado” esperto e valente Duterte e que conter a China e mandar sem oposição em toda a Cadeia Primeira Ilha tem sido o núcleo mais duro de toda a estratégia naval dos EUA desde o começo da Guerra Fria.
Pequim, entrementes, ganha o tempo de que precisa para polir o próprio ambiente estratégico. Isso nada tem a ver com “liberdade de navegação” e proteção a rotas marítimas: todos precisam do comércio cruzado pelo Mar do Sul da China. Trata-se de a China – talvez dentro dos próximos dez anos – já ser capaz de negar “acesso” à Marinha dos EUA ao Mar do Sul da China e ao interior da Cadeia Primeira Ilha.
A ousada cartada de Duterte batizada de “os EUA perderam” é só uma nova palavra-senha no que, muito provavelmente, será o thriller geopolítico chave do século 21. Um juiz da Suprema Corte em Manila, por exemplo, já avisou Duterte que, se ele ceder a soberania sobre o [baixio] Scarborough Shoal, pode sofrer impeachment. Não acontecerá: Duterte quer os carregamentos de comércio e investimento chineses, não abdicar da soberania filipina. Melhor que se prepare para a campanha de demonização que lhe moverá a hiperpotência, das dimensões da que sofreu, nos seus grandes dias, o falecido presidente Hugo Chávez.*****
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