Senhora Presidente,
Senhoras e Senhores,
Os discursos proferidos durante a discussão geral nesta sessão da Assembleia Geral da ONU, confirmam o facto de que as relações internacionais estão a passar por uma fase histórica muito complexa e contraditória.
Hoje, somos testemunhas de uma colisão de duas tendências opostas. Por um lado, os princípios policêntricos da ordem mundial estão a fortalecer-se e estão a formar-se novos centros de crescimento económico. Podemos ver nações a esforçarem-se para preservar a sua soberania e a escolherem modelos de desenvolvimento que estão de acordo com a sua identidade étnica, cultural e religiosa. Por outro lado, vemos o desejo de uma série de Estados ocidentais de manter o seu autoproclamado estatuto de “líderes mundiais” e a abrandar o movimento irreversível em direcção à multipolaridade, que está a acontecer objectivamente. Para este fim, vale tudo, incluindo a chantagem política, a pressão económica e a força bruta.
Estas acções ilegais desvalorizam o Direito Internacional, que está na base da ordem mundial do pós-guerra. Escutamos declarações estrondosas, não só a questionar a força legal dos tratados internacionais, mas a afirmar a prioridade das abordagens unilaterais egoístas sobre as resoluções adoptadas pela ONU.
Estamos a testemunhar o aparecimento do revisionismo militante em relação ao sistema jurídico internacional actual. Os princípios básicos do processo de solução do Médio Oriente, o Plano Conjunto de Acção Integral sobre o programa nuclear iraniano, os compromissos assumidos no âmbito da Organização Mundial do Comércio, o acordo multilateral sobre o clima e muito mais, estão sob ataque.
Os nossos colegas ocidentais procuram substituir o Estado de Direito nos assuntos internacionais, por uma “ordem baseada em regras”. Essas regras, que são compostas de acordo com a conveniência política, são um caso claro de dois critérios. Fazem-se acusações injustificadas de interferência nos assuntos internos de determinados países enquanto se envolvem, simultaneamente, numa campanha aberta para minar e derrubar governos democraticamente eleitos. Procuram atrair certos países para alianças militares construídas para responder às suas próprias necessidades, contra a vontade do povo desses países, enquanto ameaçam outros Estados com punições, por exercerem a liberdade de escolha, em relação aos seus parceiros e aliados.
Os ataques agressivos às instituições internacionais são acompanhados por tentativas de “privatizar” as suas estruturas de secretariado e conceder-lhes os direitos dos órgãos intergovernamentais, para que possam ser manipulados.
O espaço cada vez menor para uma cooperação internacional construtiva, a escalada do confronto, o aumento da imprevisibilidade geral e o aumento significativo do risco de conflitos espontâneos – todos têm um impacto sobre as actividades desta organização mundial.
A comunidade internacional tem de pagar um preço alto pelas ambições egoístas de um grupo restrito de países. Os mecanismos colectivos de resposta aos desafios de segurança comuns, são indecisos. A diplomacia, a negociação e o compromisso estão a ser substituídos por doutrinas e sanções estrangeiras unilaterais, decretadas sem o consentimento do Conselho de Segurança da ONU. Tais medidas, que já afectam dezenas de países, não são apenas ilegais, como também são ineficazes, como demonstra o embargo por mais de meio século a Cuba, pelos EUA, denunciado por toda a comunidade internacional.
Mas a História não ensina a mesma lição duas vezes. As tentativas de aprovação de veredictos sem julgamento ou investigação continuam inabaláveis. Alguns dos nossos colegas ocidentais que querem atribuir culpas, estão satisfeitos por se basearem em afirmações do mesmo estilo, que alegam ser “altamente prováveis”. Já passámos por essa situação. Lembramo-nos muito bem, quantas vezes eles usaram pretextos falsos, para justificar intervenções e guerras, como na Jugoslávia, em 1999, no Iraque, em 2003 e na Líbia, em 2011.
Agora, estão a ser usados os mesmos métodos contra a Síria. Em 14 de Abril, a Síria foi sujeita a ataques com mísseis sob um pretexto absolutamente falso, várias horas antes dos inspectores internacionais chegarem ao local do incidente encenado. Os terroristas e os seus patrocinadores devem ser advertidos de que, qualquer provocação adicional que envolva o uso de armas químicas, será inaceitável.
O conflito na Síria já dura há sete anos. A tentativa fracassada de usar extremistas para mudar o regime a partir do exterior, quase levou o país à destruição e ao aparecimento de um califado terrorista, em seu lugar.
A acção corajosa da Rússia em resposta ao pedido do governo sírio, apoiado diplomaticamente pelo processo Astana, ajudou a evitar esse cenário destrutivo. O Congresso Nacional de Diálogo da Síria, em Sochi, iniciado pela Rússia, pelo Irão e pela Turquia, em Janeiro passado, criou condições para um acordo político em consonância com a Resolução 2254, do Conselho de Segurança da ONU. A Comissão Constitucional intra-síria está a ser estabelecida em Genebra, exactamente nesta base. No seu programa está evidenciada a reconstrução da infraestrutura arruinada para permitir que milhões de refugiados voltem para casa o mais rápido possível. A assistência na resolução desses desafios em benefício de todos os sírios, sem que haja qualquer critério duplo, deve tornar-se numa prioridade para os esforços internacionais e para as actividades das agências da ONU.
Para todos os desafios impostos pela Síria, pelo Iraque, pelo Iémen e pela Líbia, seria inaceitável ignorar o interminável problema palestiniano. A sua resolução justa é fundamental para melhorar a situação em todo o Médio Oriente. Gostaria de alertar os políticos contra as abordagens unilaterais e tentativas de monopolizar o processo de paz. Hoje, é mais necessária do que nunca, a consolidação dos esforços internacionais no interesse de retomar as negociações com base nas resoluções da ONU e na Iniciativa de Paz Árabe. Estamos a fazer tudo para facilitá-la, inclusive no formato do Quarteto do Médio Oriente e em cooperação com a Liga Árabe e com a Organização da Cooperação Islâmica. Acordos mutuamente aceitáveis devem garantir a coexistência pacífica e segura dos dois Estados – Israel e Palestina.
Aqui na ONU, que foi construída sobre as lições da Segunda Guerra Mundial, somos todos obrigados a pensar no futuro e a não repetir os erros do passado. Este ano é o 80º aniversário da conspiração de Munique, que coroou o apaziguamento criminoso do Terceiro Reich e que serve como um triste exemplo das consequências desastrosas que podem resultar do sentimento exagerado do seu próprio valor nacional, do desrespeito pelo Direito Internacional e da procura de soluções à custa dos outros.
Lamentavelmente, hoje em muitos países, a vacina contra o nazismo não só enfraqueceu, como também há uma campanha crescente para reescrever a História e branquear os criminosos de guerra e os seus cúmplices. Consideramos ser um sacrilégio, a luta contra monumentos aos libertadores da Europa, como está a acontecer em alguns países. Pedimos aos membros da ONU que apoiem um projecto de resolução da Assembleia Geral da ONU, que denuncie a consagração dos nazis.
O crescimento do nacionalismo radical e do neonazismo na Ucrânia, onde os criminosos que lutaram sob as bandeiras da SS são glorificados como herois, é um dos principais factores do prolongado conflito interno na Ucrânia. A única maneira de acabar com ele é a concretização coerente e fiel do Pacote de Medidas de Minsk, que foi aprovado por unanimidade pelo Conselho de Segurança da ONU. Apoiamos as actividades da missão da OSCE na Ucrânia e estamos prontos para fornecer proteção às Nações Unidas para os seus membros. No entanto, em vez de cumprir os acordos de Minsk e dialogar com Donetsk e Lugansk, Kiev ainda mantém a ilusão de introduzir uma força de ocupação em Donbass, com o apoio do Ocidente e ameaça cada vez mais os seus opositores com cenários baseados na força. Os patrocinadores das autoridades ucranianas actuais deveriam obrigá-los a pensar racionalmente e acabar com o bloqueio de Donbass e com a discriminação contra as minorias nacionais em toda a Ucrânia.
No Kosovo, a presença militar internacional sob mandato do Conselho de Segurança da ONU, está a transformar-se numa base dos EUA. As forças armadas do Kosovo estão a ser criadas, enquanto os acordos alcançados por Belgrado e Pristina com a mediação da União Europeia, não estão a ser respeitados. A Rússia convoca as partes a dialogar de acordo com a Resolução 1244, do Conselho de Segurança das Nações Unidas e apoiará qualquer solução que seja aceitável para a Sérvia.
Em geral, somos contra a transformação dos Balcãs novamente numa arena de confrontos ou em qualquer um que o reivindique, como ponto de apoio contra forçar os povos das nações balcânicas a fazer uma escolha falsa ou a criar novas linhas divisórias na região.
Uma arquitectura de segurança igual e indivisa também precisa ser criada noutras partes do mundo, incluindo na região Ásia-Pacífico. Congratulamo-nos com os desenvolvimentos positivos em torno da Península da Coreia, que estão a seguir a lógica da orientação russo-chinesa. É importante encorajar o processo com passos adicionais de ambos os lados, em direção a um meio termo e incentivar a realização prática de acordos importantes, entre Pyongyang e Seul, através do Conselho de Segurança. Continuaremos a trabalhar para concretizar um processo multilateral, o mais rápido possível, para que possamos construir um mecanismo duradouro de paz e segurança no nordeste da Ásia.
A desnuclearização da península coreana está entre os desafios que a comunidade mundial enfrenta na área primordial da segurança internacional – a não-proliferação de armas de destruição em massa. Infelizmente, continuam a acumular-se nesse caminho sérios obstáculos. A falta de progresso na ratificação do Tratado de Proibição Completa de Testes e no estabelecimento de uma zona livre de Armas de Destruição Maciça no Médio Oriente foi agravada pela retirada unilateral dos EUA do JCPOA, violando a Resolução 2231, apesar do facto de o Irão estar totalmente em conformidade. Faremos tudo para preservar o acordo aprovado pelo UNSC.
A Organização para a Proibição de Armas Químicas está a ser empurrada numa direcção cada vez mais negativa, à medida que o Ocidente tenta transformar o seu Secretariado Técnico numa ferramenta para punir governos indesejáveis. O que ameaça minar o estatuto profissional independente dessa organização e a natureza universal da CWC, assim como a prerrogativa exclusiva do Conselho de Segurança da ONU.
Estes e outros assuntos relacionadas com a não-proliferação foram discutidos detalhadamente na reunião do Conselho de Segurança, de 26 de Setembro, convocada pelo Presidente dos Estados Unidos, mas não para breve.
Estamos convencidos de que, quaisquer problemas e preocupações em assuntos internacionais devem ser tratados através de um diálogo coerente. Se houver perguntas ou críticas, o que é necessário é sentar e conversar, produzir factos, escutar a argumentação oposta e procurar encontrar um equilíbrio de interesses.
O debate sobre os abusos no ciberespaço aumentou acentuadamente nos últimos anos. Gostaria de lembrar que, há vinte anos, a Rússia iniciou a discussão sobre segurança da informação internacional, na ONU. Tendo em vista os desenvolvimentos recentes, está a tornar-se cada vez mais relevante, trabalhar sob as regras globais da ONU de comportamento responsável dos Estados no espaço da informação, incluindo os princípios do não-uso da força, não-interferência nos assuntos internos e respeito pela soberania do Estado. Pretendemos apresentar um projecto de tal resolução à Primeira Comissão da Assembleia Geral da ONU.
Também consideramos importante começar a desenvolver uma convenção de combate ao crime informático/cibercrime, tomando providências para levar a cabo as respectivas discussões na Terceira Comissão.
A procura de acordos comumente aceitáveis e o respeito pelos interesses de cada um, são mais necessários mais do que nunca na área do comércio mundial e das relações económicas, que hoje tendem a ser objecto de uma politização sem precedentes. Os valores do comércio livre tornaram-se reféns de guerras comerciais e de outras formas de concorrência desleal.
A Rússia tem estado a advogar consistentemente a filosofia do desenvolvimento económico indivisível, que está consagrada no conceito da Parceria da Grande Eurásia, apresentada pelo Presidente da Rússia, Vladimir Putin. Este projecto de grande escala está aberto a todas as nações da Europa e da Ásia, independentemente de serem membros de várias associações de integração. A sua concretização firme poderia contribuir para o estabelecimento de um espaço para ampla cooperação económica na Eurásia e, a longo prazo, poderia tornar-se a base para uma arquitectura reformada da segurança do continente, correspondente às realidades do século XXI.
A Rússia continua a fazer o seu melhor para construir um mundo baseado nos princípios da Lei, da Verdade e da Justiça. Não estamos sozinhos nessa aspiração. Os nossos aliados e parceiros na OTSC, EAEU, CIS, BRICS e SCO, e a esmagadora maioria dos países do mundo, defendem a democratização da vida internacional em todas as suas manifestações e no interesse de todas as nações, sem excepção. O Ocidente também é obrigado a prestar atenção à sua voz que, cada vez mais, está reflectida nas actividades do G20.
Sob as condições turbulentas actuais, o papel da ONU – um local indispensável para superar divergências e coordenar as acções da comunidade internacional – está a aumentar objectivamente. A prioridade do trabalho colectivo no interesse de coordenar soluções aceitáveis para todos, foi consagrada nos fundamentos da ONU. Este potencial foi impedido de ser realizado, devido ao confronto bipolar da era da Guerra Fria. Na fase actual, não podemos deixar de alcançar os objectivos e princípios da Carta da ONU e os compromissos dos fundadores com as gerações futuras.
Para sermos dignos do seu legado, devemos recordar a arte de negociar. Numerosos desafios actuais só podem ser resolvidos com base na igualdade e no respeito mútuo. A doutrina e a coerção, típicas da época colonial, deveriam ser relegadas para os arquivos de uma vez por todas, ou melhor ainda, para o monte de cinzas da História.
Os Estadistas do passado deixaram muitas mensagens esclarecedoras que se tornaram princípios para nós. Deixem-me citar um do Presidente Harry Truman: “As grandes nações lideram pela força do exemplo e não pela repressão”.
Tenho esperança de que acabe por prevalecer a cultura do diálogo de respeito mútuo. A Rússia fará o seu melhor para promovê-lo.
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
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