A guerra na Ucrânia anuncia a morte da OTAN

M. K. Bhadrakumar – 25 de dezembro de 2022

Artigo sugerido pelo analista independente russo Andrei Martyanov no vídeo How (and Why) neocons miscalculated/Como (e Por que) os necons calcularam mal de 26 de dezembro de 2022:

O presidente Vladimir Putin discursou em uma reunião ampliada do Conselho do Ministério da Defesa da Rússia, Moscou, 21 de dezembro de 2022.

O momento decisivo na coletiva de imprensa do presidente dos EUA, Joe Biden, na Casa Branca na última quarta-feira [21/12/22], durante a visita do presidente Zelensky, foi sua admissão virtual de que está contrariado sobre a guerra por procuração na Ucrânia, já que os aliados europeus não querem uma guerra com a Rússia.

Citando Biden: “Agora, você diz: ‘Por que simplesmente não damos à Ucrânia tudo o que há para dar?’ Bem, por duas razões. Uma, há toda uma Aliança que é fundamental para se alinhar à Ucrânia. E a ideia de que daríamos à Ucrânia um material fundamentalmente diferente do que já está indo para lá teria a perspectiva de desmembrar a OTAN e desmembrar a União Europeia e o resto do mundo… Passei várias centenas de horas cara a cara com nossos aliados europeus e os chefes de Estado desses países, argumentando por que era do interesse deles continuar a apoiar a Ucrânia… Eles entendem isso completamente, mas não pretendem entrar em guerra com Rússia. Eles não estão procurando por uma Terceira Guerra Mundial.”

Biden percebeu naquele momento que “provavelmente já falei demais” e encerrou abruptamente a coletiva de imprensa. Ele provavelmente se esqueceu de que estava pensando na fragilidade da unidade ocidental.

A questão toda é que o comentariado ocidental em grande parte esquece-se de que a agenda central da Rússia não é sobre a conquista territorial – tanto quanto a Ucrânia seja vital para os interesses russos – mas sobre a expansão da OTAN. E isso não mudou. [Recomendo a leitura dos trechos da conversa entre o então presidente russo Mikhail Gorbachev e o Secretário de Estado americano James “nem uma polegada da atual jurisdição militar da OTAN se espalhará em direção ao Leste” Baker, em 09 de fevereiro de 1990 – adendo da tradutora.]

De vez em quando, o presidente Putin revisita o tema fundamental de que os EUA sempre visaram enfraquecer e desmembrar a Rússia. Na última quarta-feira [21/12/22], Putin invocou a guerra da Chechênia na década de 1990:

“o uso de terroristas internacionais no Cáucaso, para acabar com a Rússia e dividir a Federação Russa… Eles [os EUA] afirmaram condenar a Al-Qaeda e outros criminosos, no entanto, eles consideraram aceitável usá-los no território da Rússia e forneceram-lhes todo tipo de assistência, incluindo material, informação, apoio político e qualquer outro apoio, notadamente militar, para incentivá-los a continuar lutando contra a Rússia”.

Putin tem uma memória fenomenal e estaria se referindo à escolha cuidadosa de Biden de William Burns como seu chefe da CIA. Burns foi o representante da Embaixada de Moscou para a Chechênia na década de 1990! Putin agora ordenou uma campanha em todo o país para erradicar os vastos tentáculos que a inteligência dos EUA plantou em solo russo para a subversão interna. A Carnegie, que já foi chefiada por Burns, fechou seu escritório em Moscou e a equipe russa fugiu para o Ocidente!

O leitmotiv da reunião ampliada do Conselho do Ministério da Defesa em Moscou na quarta-feira, à qual Putin se dirigiu, foi a profunda realidade de que o confronto da Rússia com os EUA não terminará com a guerra na Ucrânia. Putin exortou o alto escalão russo a “analisar cuidadosamente” as lições da Ucrânia e dos conflitos sírios.

É importante ressaltar o que Putin disse:

“Continuaremos mantendo e melhorando a prontidão de combate da tríade nuclear. É a principal garantia de que nossa soberania e integridade territorial, paridade estratégica e o equilíbrio geral de forças no mundo sejam preservados. Este ano, o nível de armamento moderno nas forças nucleares estratégicas já ultrapassou 91%. Continuamos rearmando os regimentos de nossas forças de mísseis estratégicos com modernos sistemas de mísseis com ogivas hipersônicas Avangard”.

Da mesma forma, o ministro da Defesa, Sergei Shoigu, propôs na reunião de quarta-feira um reforço militar “para reforçar a segurança da Rússia”, incluindo:

  • Criação de um grupo correspondente de forças no noroeste da Rússia para combater a introdução da Finlândia e da Suécia como membros da OTAN;
  • Criação de duas novas divisões de infantaria motorizada nas regiões de Kherson e Zaporizhya, bem como um corpo de exército na Carélia, de frente para a fronteira finlandesa;
  • Upgrade de 07 brigadas de infantaria motorizada em divisões de infantaria motorizada nos distritos militares Ocidental, Central e Oriental e na Frota do Norte;
  • Adição de mais duas divisões de assalto aéreo nas Forças Aerotransportadas;
  • Fornecimento de uma divisão de aviação composta e uma brigada de aviação do exército com 80-100 helicópteros de combate dentro de cada exército de armas combinadas (tanques);
  • Criação de 03 comandos de divisão aérea adicionais, oito regimentos de aviação de bombardeiros, um regimento de aviação de caça e seis brigadas de aviação do exército;
  • Criação de 05 divisões distritais de artilharia, bem como brigadas de artilharia superpesadas para construção de reservas de artilharia ao longo do chamado eixo estratégico;
  • Criação de 05 brigadas de infantaria naval para as tropas costeiras da Marinha com base nas brigadas de infantaria naval existentes;
  • Aumento do tamanho das Forças Armadas para 1,5 milhão de militares, com 695.000 pessoas servindo sob contrato.

Putin resumiu:

“Não repetiremos os erros do passado… Não vamos militarizar nosso país ou militarizar a economia… e não faremos coisas que realmente não precisamos, em detrimento de nosso povo e da economia, a esfera social. Vamos melhorar as Forças Armadas Russas e todo o componente militar. Faremos isso com calma, rotina e consistência, sem pressa.”

Se os neoconservadores no comando do Beltway queriam uma corrida armamentista, eles a têm agora. O paradoxo, no entanto, é que isso será diferente da corrida armamentista bipolar da era da Guerra Fria.

Se a intenção dos EUA era enfraquecer a Rússia antes de enfrentar a China, as coisas não deram certo assim. Em vez disso, os EUA estão travando um confronto com a Rússia e os laços entre as duas grandes potências estão em um ponto de ruptura. A Rússia espera que os EUA revertam a expansão da OTAN, como prometido à liderança soviética em 1989.

Os neoconservadores esperavam um “ganha-ganha” na Ucrânia: derrota russa e um vergonhoso fim da presidência de Putin; uma Rússia enfraquecida, como na década de 1990, tateando em busca de um novo começo; consolidação da unidade ocidental sob uma América triunfante; um grande impulso na próxima luta com a China pela supremacia na ordem mundial; e um Novo Século Americano sob a “ordem mundial baseada em regras”.

Mas, em vez disso, isso está se tornando um Zugzwang clássico no final do jogo – para emprestar da literatura de xadrez alemã – onde os EUA têm a obrigação de fazer um movimento na Ucrânia, mas qualquer movimento que fizerem só piorará sua posição geopolítica.

Biden entendeu que a Rússia não pode ser derrotada na Ucrânia; nem os russos estão dispostos a uma insurreição. A popularidade de Putin está em alta, à medida que os objetivos russos na Ucrânia estão sendo constantemente realizados. Portanto, Biden está tendo uma vaga sensação, talvez, de que a Rússia não está exatamente vendo as coisas na Ucrânia como um binário de vitória e derrota, mas está se preparando para o longo prazo para dissolver a OTAN de uma vez por todas – grifo da tradutora.

A transformação da Bielorrússia em um Estado “com capacidade nuclear” traz uma mensagem profunda de Moscou para Bruxelas e Washington. Biden não pode perder isso. (Veja meu blog A bússola nuclear da OTAN tornada indisponível, Indian Punchline, 21 de dezembro de 2022.)

Logicamente, a opção aberta para os EUA neste momento seria se desvencilhar. Mas isso se torna uma admissão abjeta de derrota e significará a sentença de morte para a OTAN, e a liderança transatlântica de Washington será destruída. E, pior ainda, grandes potências da Europa Ocidental – Alemanha, França e Itália – podem começar a buscar um modus vivendi com a Rússia. Acima de tudo, como pode a OTAN sobreviver sem um “inimigo”?

Claramente, nem os EUA nem seus aliados estão em posição de travar uma guerra continental. Mas mesmo que sejam, o que dizer do cenário emergente na Ásia-Pacífico, onde a parceria “sem limites” entre a China e a Rússia acrescentou uma camada intrigante na geopolítica?

Os neocons no Beltway morderam mais do que podiam mastigar. Sua última cartada será pressionar por uma intervenção militar direta dos EUA na guerra da Ucrânia sob a bandeira de uma “coalizão de vontade”.


Fonte: https://www.indianpunchline.com/ukraine-war-tolls-death-knell-for-nato


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