A História do Domínio dos Neoconservadores dos Estados Unidos da América – Parte 2/4

 

Parte 2/4 – Como os neoconservadores promoveram a guerra, maquiando as contas[3]

Original websites: Paul Fitzgerald e Elizabeth Gould, in Truthdig e The Vineyard of the Saker

 

Parte 1/4 — Imperialismo norte-americano empurra o mundo para um inferno dantesco

 

Muitos norte-americanos fora dos círculos políticos de Washington nunca ouviram falar de “Team B“, de onde saiu ou o que fez, nem conhecem as raízes que conectam esse grupo e a 4ª Internacional, o ramo trotskista da Internacional Comunista.[4]
 

“As raízes do problema vão longe, até 6/5/1976, quando o diretor da CIA George H.W. Bush criou o primeiro Team B… O conceito de uma “análise competitiva” dos dados, produzida por equipe alternativa já enfrentara forte oposição de William Colby, antecessor de Bush como diretor da CIA e profissional de carreira (…) Embora o relatório do Team B contivesse poucos dados factuais, foi recebido com entusiasmo por grupos conservadores, como o Committee on the Present Danger [aprox. Comissão do Perigo Presente]. O relatório logo se revelou gravemente errado, mas o Team B acertava pelo menos num ponto: o relatório inicial da própria CIA estava, sim, errado. Mas estava errado na direção contrária.”

 
Korb explicou que uma Comissão Especial de Inteligência do Senado em 1978 que revisou o relatório concluiu
 

“que a seleção dos membros do Team B levara a uma composição viciosa de visões e viezes políticos. E outra revisão, em 1989 concluiu que a ameaça soviética havia sido ‘substancialmente superestimada’ no relatório anual de inteligência da CIA (…). Nem assim o fracasso do Team B em 1976 impediu que os linhas-duras passassem os 30 anos seguintes a desafiar e desqualificar todas as avaliações produzidas pela CIA.”

 
Hoje já perdidas no tempo, as origens do “problema” do Team B estendem-se de fato, para o passado, até as visões e viezes políticos radicais de James Burnham, sua associação com o revolucionário comunista Leon Trotsky e a criação ad hoc de grupos poderosos no establishment ocidental: a Comissão do Perigo Presente e o American Security Council
Desde o primeiro momento da Guerra Fria no final dos anos 1940s uma estranha coalizão de ex-radicais trotskistas e associações de negociantes e empresários de direita sempre fez lobby pesado a favor de grandes orçamentos militares, sistemas avançados de armamentos e ação agressiva para enfrentar o Comunismo Soviético. O Vietnã foi pensado para ‘demonstrar’ o acerto e o brilho das teorias deles, mas, como escreveu Fred Kaplan,
 

“o Vietnã trouxe à tona o lado obscuro de praticamente todos os que viviam dentro da máquina de segurança nacional dos EUA. E expôs algo estranho e perturbador sobre a própria empreitada na qual trabalhavam os intelectuais da Defesa. Revelou que o conceito de força subjacente a todas as formulações e cenários que construíam não passava de abstração: era praticamente imprestável como guia para a ação” (Wizards of Armageddon page. 336).

 
Kaplan conclui seu escrito com “Para alguns, a desilusão foi quase absoluta.” 
O Vietnã representou mais que apenas uma derrota estratégica para os intelectuais da defesa dos EUA: representou um fracasso no plano conceitual na batalha de meio século para conter o comunismo de estilo soviético. Mas para o Team B, aquela desilusão representou oportunidade única que só se oferece uma vez na vida.

 

Intelectuais trotskistas tornam-se “Os” Intelectuais de New York, que se tornam “Os” Intelectuais da Defesa 
 
Ocupado completamente por uma classe nascida ali mesmo de intelectuais ex-trotskistas, a abordagem do Team B marcou uma transformação radical da burocracia da segurança nacional dos EUA, num tipo novo de culto elitista. 

 

Nos anos 1960s, os números e estatísticas reunidos por Robert McNamara justificaram decisões políticas erradas; agora, agendas pessoais e ferozes disputas inter-étnicas fariam da política exterior dos EUA uma cruzada ideológica. 
Hoje, os que estão nas posições de controle daquela cruzada lutam desesperadamente para manter o próprio poder. Mas só se se decifram e compreendem-se a deriva e os movimentos desse “duplo governo”, será possível compreender a ininterrupta viagem dos EUA, depois da guerra do Vietnã, nos últimos 40 anos, em direção ao despotismo.
Preso ao que só se pode descrever como pensamento ‘de culto religioso’, o experimento chamado Team B pôs fim ao que restava da objetividade profissional da CIA pré-Vietnã – e ‘politizou’ tudo. Antes, no início da década, o Gabinete de Pesquisa Estratégica [ing. Office of Strategic Research, OSR] da CIA fora pressionado por Nixon e Kissinger para que alterasse a análise já feita, de modo a justificar um aumento no orçamento da Defesa; mas a construção ideológica e o foco partidário militante do Team Bexageraria de tal modo a ameaça, que o processo nunca mais voltou à normalidade.
A campanha foi comandada pela gangue neoconservadora russofóbica que incluía Paul Wolfowitz, Richard Pipes, Richard Perle e um punhado de linhas-duras russofóbicos anti-soviéticos[5] como Paul Nitze e o general Danny Graham. Começou com um artigo em 1974 no Wall Street Journal assinado pelo conhecido estrategista nuclear e ex-trotskista Albert Wohlstetter que pintava em tons sombriou uma suposta vulnerabilidade nuclear dos EUA. Terminou dois anos depois, com um massacre ritualístico e a demissão de praticamente toda a CIA, assinalando o momento em que a análise baseada em ideologia, não em fatos, conquistava o completo comando sobre a burocracia governante nos EUA.
A ideologia que hoje é referida como Neoconservadorismo pode reivindicar vários padrinhos, e até madrinhas. A reputação deRoberta Wohlstetter como destacada guerreira da Guerrra Fria da RAND igualava a do marido. As festas infames que o casal oferecia na casa de Santa Monica serviam como uma espécie de rito de iniciação para a ascenção à classe de “intelectual da defesa”. Mas o título de pai fundador cabe mais a James Burnham. Saído do círculo mais íntimo de comunistas revolucionários trotskistas, o livro de Burnham, de 1941, The Managerial Revolution e o outro, de 1943, The Machiavellians: Defenders of Freedom defendia a tomada antidemocrática então em curso, na Alemanha Nazista e na Itália Fascista; e no outro livro, de 1945,Lenin’s Heir, transferiu toda sua admiração, de Trotsky para Stálin, embora em meias palavras.
George Orwell criticou a versão elitista cínica da visão de Burnham em seu ensaio de 1946, Second Thoughts on James Burnham:
 

“O que mais Burnham deseja mostrar [em The Machiavellians] é que jamais existiu sociedade democrática e jamais existirá. A sociedade é oligárquica por sua própria natureza, e o poder da oligarquia sempre depende de força e fraude (…) Às vezes pode ser possível obter e preservar o poder sem violência; mas jamais sem fraude.”

 
Diz-se que Orwell teria usado como modelo para seu romance 1984 a visão de Burnham do futuro estado totalitário que descreve como “uma nova sociedade, nem capitalista nem socialista, e provavelmente baseada na escravatura.”
Intelectual inglês educado em Princeton e Oxford (foi aluno de JRR Tolkien no Balliol College), Burnham obteve emprego como escritor e instrutor no departamento de filosofia na New York University, bem a tempo de assistir ao crash de 1929 de Wall Street. Embora inicialmente desinteressado de política e hostil ao marxismo, à altura de 1931Burnham já se convertera ao radicalismo empurrado pela Grande Depressão e, acompanhando seu colega também instrutor de filosofia na NYU Sidney Hook, aproximara-se do marxismo.
Burnham considerou brilhante o modo como Trotsky usa o “materialismo dialético” em História da Revolução Russa para explicar o jogo entre forças humanas e históricas. A resenha que publicou do livro de Trotsky aproximaria os dois e daria início a seis anos de odisseia, para Burnham, por dentro da esquerda comunista dos EUA, os quais, nessa estranha saga, acabariam por convertê-lo em agente da destruição daquela esquerda.
Criador do Exército Vermelho e marxista caloroso, Trotsky dedicara a vida à disseminação da revolução comunista pelo mundo. Stálin considerava as ideias de Trotsky desmedidamente ambiciosas e a disputa por poder que se instalou depois da morte de Lênin [1924] dividiu o partido. Por sua natureza, os trotskyistas eram especialistas em disputas internas e infiltração. Burnham revelou-se nesse papel como intelectual trotskistas e nos infindáveis debates sobre o princípio fundamental do comunismo (materialismo dialético) por trás da cruzada de Trotsky. O Manifesto Comunista aprovava a tática de subverter partidos políticos maiores e mais populares (“entrismo”), e depois que Trotsky foi expulso do partido Comunista em novembro de 1927, seus seguidores deram bom uso ao entrismo. O caso mais bem conhecido de ação entrista foi a chamada “Virada Francesa” [ing.“French Turn”], quando, em 1934, os trotskistas franceses entraram no Partido Socialista Francês [SFIO], com a intenção de arrancar para o lado deles os elementos mais militantes.
Naquele mesmo ano, os seguidores norte-americanos de Trotsky na Liga Comunista dos EUA [ing. Communist League of EUA, CLA] fizeram uma ação entrista no Partido dos Trabalhadores da América [American Workers Party, AWP], movimento que pôs James Burnham do AWP no papel de tenente e principal conselheiro de Trotsky.
Burnham gostava da dureza dos bolcheviques e desprezava a fraqueza dos liberais. Segundo seu biógrafo Daniel Kelly, “Orgulhava-se muito do que considerava como sua visão firme de mundo, em contraste com filosofias erguidas sobre ‘sonhos e ilusões’.” Também extraía grande prazer nas ações de infiltrar-se e subverter outros partidos de esquerda e, em 1935 “lutou incansavelmente pela Virada Francesa de outro Partido Socialista, muito maior, com cerca de 20 mil membros. Os trotskyistas queriam “capturar a ala esquerda e a divisão jovem, a Liga dos Jovens Socialistas [ing. Young People’s Socialist LeagueYPSL]” – como escreveu Kelly –, e “levar com eles os convertidos quando deixassem o partido.”
Burnham manteve-se como “Intelectual Trotskyista” de 1934 até 1940. Mas, embora tenha trabalhado seis anos para o partido, disseram-lhe que jamais fora do partido, e com a nova década começando, Burnham renunciou a ambos – a Trotsky e ao materialismo dialético, a “filosofia do marxismo” – numa só tacada. Em carta datada de 21/5/1940, ele resumiu os próprios sentimentos:
 

“Das mais importantes crenças associadas ao Movimento Marxista em qualquer de suas variantes, fosse reformista, leninista, stalinista ou trotskista, não aceito nenhuma em sua forma tradicional. Para mim, são crenças ou falsas, ou obsoletas ou sem sentido; ou ainda, em uns poucos casos, verdadeiras só em forma muito limitada e tão modificada que já nem poderiam ser ditas marxistas em sentido próprio.”

 

Em 1976, Burnham escreveu, em carta para um agente secreto legendário, ao qual o biógrafo Kelly referiu-se como “o analista político britânico Brian Crozier“, que jamais engolira o materialismo dialético ou a ideologia do marxismo; que estava apenas sendo pragmático, dadas a ascenção de Hitler e a Depressão.
Mas dado o papel de grande influência que Burnham logo começaria a ter na nova classe revolucionária dos neoconservadores, e o papel crucial desses neoconservadores no emprego de táticas de Trotsky para fazerem lobby contra o relacionamento dos EUA com a União Soviética, é difícil acreditar que o envolvimento de Burnham com a IV Internacional de Trotsky não tivesse passado de simples exercício intelectual de pragmatismo. [Continua]
Parte 3/4 – Como a CIA inventou uma falsa realidade ocidental para sua “Guerra não convencional

Parte 4/4 – Estágio final da tomada dos EUA pelas elites maquiavélicas: de Trotsky a Burnham, de Burnham e Maquiavel ao neoconservadoreservadorismo: fecha-se o ciclo do imperialismo britânico

Tradução: The Light Journalist

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