A inviabilidade de um governo soberanista no Brasil

Quantum Bird – 9 de abril de 2023

Antes de ir ao ponto, observe esta interação no Twitter:


Seguidor: Você ainda é um Democrata?
Matt Taibbi: Eu sou independente agora.
Outro seguidor: O que significa Republicano.
Matt Taibbi: Não, isto não significa. Mas esse tipo de conversa é uma grande parte do motivo pelo qual deixei o Partido Democrata. É sempre “Vote em nós ou você é um insurgente de direita amante de Putin”, que é o oposto de persuasivo.

O diálogo do Twitter acima, entre Matt Taibbi e seguidores — provavelmente militantes do partido Democrata estadunidense — poderia muito bem ter sido travado em português, entre algum membro da esquerda trabalhista e soberanista brasileira e um dos militantes dos partidos de esquerda que sustentam a frente ampla de centro-direita (pasmem, mas sim, é isso!) que governa o Brasil no momento. Basicamente, qualquer um que critique o atual governo de Lula é automaticamente rotulado como bolsonarista e se torna alvo de ataques. Independentemente do teor da crítica.

Isto tem criado uma situação curiosa: tornou o governo refém de sua própria militância woke radicalizada, que exige sua dose diária de sinalização de virtudes e identitarismo, enquanto não deixa nem por um segundo de atacar as estruturas societárias conservadoras brasileiras – família, religião, sindicatos – constantemente fornecendo munição para a manutenção e a reprodução do bolsonarismo. Se quiserem um prospecto político-eleitoral do Brasil de 2025, observem os EUA de hoje.

Alguns analistas, nativos e gringos, têm falado em uma guerra híbrida renovada, praticada pela própria frente no governo. Talvez seja, mas pessoalmente não ousaria afirmá-lo categoricamente ainda. Falta o movente. Em outras palavras, a configuração política atual foi deliberadamente articulada como um projeto de poder cujo único objetivo era tirar Bolsonaro da presidência. Sempre foi uma quimera grotesca, envolvendo atores de caráter duvidoso e ligações perigosas, à esquerda e à direita, que desde o início alienou os setores mais críticos da centro-esquerda, e sempre careceu de qualquer debate minimamente sério e qualificado sobre um projeto viável de nação vis-à-vis as mudanças tectônicas em curso na geopolítica global.

Assim, não é nenhuma novidade que o governo siga uma trajetória errática, reagindo aos fatos geopolíticos de forma caótica, inconsistente e fragmentária. Seja atuando em prol de interesses atlanticistas — emitindo declarações contra a Operação Militar Especial Russa na Ucrânia, permitindo que seu “chanceler” ameace veladamente Putin de prisão e a chancelaria vote contra a Rússia na ONU – seja articulando acordos comerciais com a China, sem a devida coordenação com os outros BRICS e qualquer formulação estratégica consistente sobre energia, reindustrialização e retomada do controle pleno do território. Os únicos beneficiários do acordo com a China, além dos chineses, tendem ser os setores exportadores de soja e outras commodities, que historicamente concentram a renda nacional. No plano regional latino americano, o Brasil é cada vez mais percebido como um representante dos interesses ianques, perdendo inexoravelmente estatura.

Lula e seu partido falharam em repelir a ingerência euro-estadunidense na política doméstica durante o período eleitoral, e parecem se sentir em débito com os centros de poder correspondentes pelo apoio recebido para sua eleição, comportam-se, portanto de acordo, evitando parecerem ingratos. Falharam em perceber que tal ingerência não era senão uma oferta tipicamente mafiosa, em que o ladrão vende a proteção contra si mesmo. Os atores domésticos mais astutos sempre perceberam Lula de forma realista: o elemento indispensável para legitimar a frente ampla com o voto popular. Em outras palavras, usar os votos da esquerda para eleger a direita.

Alguns podem argumentar que 100 dias no governo é muito pouco para apresentar resultados. Seguramente, mas bastam para propor um plano governo claro e proceder com sua implementação. Plano esse que deveria ter sido formulado a priori, durante o período pré-eleitoral. Jamais foi discutido publicamente com a população no período eleitoral. Aparentemente o tempo e a energia foram gastos em negociatas políticas e guerras semióticas contra os bolsonaristas, nas redes sociais, para a classe média dos grandes centros urbanos wokeizados ver.

13 Comments

  1. Fisher Tiger said:

    Haha, muito bom!
    A atual classe política da Semi-colônia está anos-luz aquém das atuais necessidades do país e do seu grande potencial no xadrez geopolítico em processo de transformação revolucionária.
    Exceto algumas raras lideranças, o fato é que se criou uma realidade paralela, a Narnia Anglo-Ianque, em torno da classe política e intelectual.
    Uma pena, pois estamos perdendo uma chance que não se abre de forma clara desde a primeira metade do século passado.
    Começo a ver com algum valor as teses por vezes exageradas dos trotkististas. Sem passar por uma fase de polplotização, parece que nada vai mudar.

    9 April, 2023
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  2. José Moreira said:

    Opinião extremamente superficial omitindo várias coisas que aconteceram e destacando de maneira enviesada apenas o que interessa para a propaganda do articulista.
    Texto débil que não deve ser levado a sério.

    11 April, 2023
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    • Quantum Bird said:

      Este comentário é uma amostra da linha de “argumentação” que muitos leitores têm seguido sobre o nosso artigo. Ou seja, nenhuma argumentação absolutamente, apenas ad hominem e detratação, o que é exatamente o oposto de persuasivo, como disse Taibbi, e apenas serve para reforçar o ponto feito. Recebemos muitos comentários assim…

      Não somos um blog notícias, mas de análises, e portanto seguimos interessados na visão estrutural da conjuntura. Uma esquerda que prescinde da análise histórica e estrutural é uma esquerda míope, que talvez nem qualifique como massa de manobra.

      11 April, 2023
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    • Pablo said:

      Várias coisas que “aconteceram” entenda-se a TV 171, CNN, Globo e blogs esquerdistas colocaram na cabeça dele que “aconteceram”.
      Deve acreditar que 8 de Janeiro foi “Golpe”, até na incrível capacidade de ser enganado ao achar lógico o Haddad ser um inapto, a Ministra ser miliciana etc .:::
      E…. pasme, Lula não saber de nada ou não poder fazer nada, ele sabe de tudo, problema é na cabine e na tripulação, solução é derrubar a aeronave.

      11 April, 2023
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  3. Salles said:

    cara….sei lá, mas achei a análise meio embaçada de comentar… mas vamos lá…Todo mundo aqui em Pindorama pode criticar o governo Lula…sem com isso ser considerado simpatizante da administração anterior. Nao vejo dessa maneira nao. Penso que muita gente esta criticando o ministro da economia, o Haddad..ambém…e ninguém é confundido com simpatizante da antiga administração. Acho difícil o caos foi muito grande…nao sei se o atual presidente, Lula, irá conseguir. O mundo está em uma rota bem diferente. O Brasil, por exemplo, votou pela investigação proposta pela Russia a respeito do NordStream…votou em conjunto com a China…e contrário aos Atlanticistas. Acho que as coisas andam meio confusas….mas vão entrar no eixo…mas tem-se bastante liberdade aqui de criticar o governo atual…sem com isso ser tachado de simpatizante da antiga administração. Achei a análise um tanto reducionista…penso…mas sou grato pela coragem de escrever…e abrir o dialogo para o contraditório. São tempos um tanto confusos em que necessitamos ter calma na análise. Penso que é isso mano.

    11 April, 2023
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  4. Enlil said:

    O atual “governo” Lula, depois de 20 anos de história de seu primeiro mandato, novamente não faz nenhum movimento de mudança estrutural mas sim sua velha política de conciliação e “cosmética” para não desagradar os verdadeiros agente de poder no Estado brasileiro. E, o que é pior, mais que nunca os agentes de poder dessa estrutura são governo dentro da “coalizão” do “governo” Lula (majoritariamente de direita).

    A suposta capacidade “mágica” de Lula de conciliar tal estrutura com uma Soberania Brasileira de fato é sobretudo “wishful thinking” de propaganda de seu governo e mídia associada; está anos-luz da realidade dos indicativos absolutamente explícitos das ações desse governo, sobretudo no campo geopolítico.

    11 April, 2023
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  5. Alex said:

    É uma análise de quem não conhece o Brasil. Rotular a esquerda como esquerda woke, sem considerar todo um espectro desenvolvimentista , nacionalista e socialista é desconhecer o objeto que trata. Não dá pra ler o texto inteiro se o texto lida com esteriótipos.

    12 April, 2023
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    • Quantum Bird said:

      Você leu direito o texto? Onde afirma-se que esquerda inteira é woke?

      12 April, 2023
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  6. Suk said:

    Obrigado pelo texto, é uma reflexão válida, apesar de não concordar com todas as coisas.

    Desde Getulio Vargas, 1945, o Brasil é um País ocupado, colonia. E assim como a maior parte do Ocidente, o Brasil tambem foi INFECTADO pela Ideologia Woke.

    A maior parte da esquerda brasileira não esta preparada para vencer o Imperialismo. “O Brasil não é para amadores”.

    Lula faz o que pode, e luta contra TODOS. Somente um milagre salvará o Brasil. A maioria dos brasileiros nao tem consciencia da luta que as principais naçoes travam na geopolitica.

    14 April, 2023
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  7. VV said:

    Governo de coalizão é disputa. Dia e noite.

    15 April, 2023
    Reply
  8. VV33 said:

    Governo de coalizão é disputa. Dia e noite.

    15 April, 2023
    Reply
  9. Vv33 said:

    Se desistimos de críticar Haddad e o mercado financeiro, se desistirmos de exigir CPI da Lavajato, de Dino investigar as privatizacoes da Petrobras, Eletrobras, Cemig, Copel, Celesc, exigir SM de 2.000,00 e isenção do IR a partir de 4.000,00 e uma rede estatal de Radio e TV haverá golpe em 2025 seguindo a uma derrota eleitoral fragorosa do governo em 2024.

    15 April, 2023
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  10. Lils said:

    Olá, você poderia me fornecer alguns dos exemplos mais flagrantes de Lula, do PT ou de sua campanha, com foco na política de identidade? Depois de encontrar uma versão traduzida de um de seus artigos no Saker, sempre tento lê-los usando o google translate, mas não acompanho a política brasileira de perto o suficiente para ver o lado da política de identidade do projeto de Lula. Obrigado

    16 April, 2023
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