Claudia Messing – 29 de junho de 2023 – [Gentilmente traduzido e enviado por ZT]
Saker Latinoamérica: Quantum Bird falando. Um discurso bem articulado, é apenas isso: um discurso bem articulado. Sejam quais forem a causas subjacentes para as pessoas votarem em gente como Milei, temo que permanecerão largamente inexcrutáveis. Simplesmente complexo demais para ter sentido prático. No mundo real, fora do discurso, existem: fraudes eleitorais, guerra híbrida, psy-ops, manipulação e ataque politico-midiático-judiciária, declínio cognitivo, ignorâncias e estupidez generalizada. Enfim, o tipo de coisas que 30 anos de neoliberalismo fomenta nas sociedades hospedeiras. Um uma palavra: colapso societário. Algo que tendo a concordar com a autora é sobre o papel da opressão woke (agora insuportável) e a identificação do que se costumava chamar de esquerda com esta pseudo-ideologia de matiz autoritário. Muitos Mileis, Bolsonaros, Trumps aguardam o ocidente em sua espiral de colapso. É isso que acontece quando uma sociedade joga a lógica no lixo para abraçar o pós-modernismo, com seu relativismo cognitivo, como forma de (não) pensamento.
Onde o discurso “libertário” se enquadra na subjetividade atual
Javier Milei. Imagem: NA
Em que ponto da subjetividade atual o discurso de Milei penetra tão profundamente? Essa é a pergunta que os intelectuais e os políticos não conseguem responder. Sem dúvida, seu crescimento canaliza o profundo mal-estar e descontentamento que a pandemia nos legou, bem como a raiva com a atual situação econômica do país. Sua relevância na mídia conseguiu empurrar o discurso político para a direita, mas o aspecto mais inédito do fenômeno Milei é como sua ofensiva contra a “casta” penetra em um ponto desconhecido da subjetividade coletiva: a intolerância às diferenças e o sentimento de desvalorização pessoal que elas geram.
Em tempos de simetrização inconsciente dos laços familiares, a criança se iguala psiquicamente ao adulto, sente-se igual, por isso reage tão mal às suas ordens e indicações. Elas crescem desenvolvendo um sentimento muito forte de injustiça diante das diferenças com seus pais, irmãos, amigos, que permanece em muitos adultos: Por que você é a autoridade? Por que você sempre tem que me dizer como fazer as coisas? Por que seus critérios são mais importantes do que os meus? Se você está com frio, agasalhe-se bem! Estamos diante de gerações de crianças, jovens e adultos que, do ponto de vista psíquico, não internalizaram o princípio da autoridade, já que na psique simétrica de hoje crianças e adultos estão em pé de igualdade.
Aí aparece um homem e lhes diz: “Seus desejos são ordens, se quiserem dólares terão dólares, têm direito a serem totalmente livres de qualquer condicionamento”, “seus critérios serão totalmente respeitados”, “vocês são a Lei”, “você pode ser sua própria lei” como ele, cujo sobrenome pode paradoxalmente ser desconstruído como “Mi-ley (Minha-lei – NT)”. Essa proposta está totalmente de acordo com as características da subjetividade atual atravessada pela simetria inconsciente (Messing, C., 2010, 2017, 2020), em que muitos sujeitos, deixados à própria sorte, sem hierarquia no pensamento, gostariam de impor sua própria lei.
A geração do Maio francês e do Cordobazo na Argentina constituiu um salto qualitativo no processo de questionamento do poder patriarcal e da autoridade dos pais com o seu slogan “proibido proibir”. Essa geração, que liberalizou os costumes, permitiu o acesso a uma sexualidade mais livre, estabeleceu relações muito mais próximas e expressivas com seus filhos do que as gerações anteriores e erradicou o medo e a distância, no entanto, de forma inconsciente e involuntária, transmitiu a seus filhos a expulsão do princípio da autoridade.
Somam-se a isso as grandes dificuldades de individualização e a necessidade de correspondência que a simetria inconsciente provoca. Como o medo e a distância dos antigos modelos de educação desapareceram, cada criança, graças aos seus neurônios-espelho, copia seus pais – perdoe a redundância – como se estivesse realmente diante de um espelho, a ponto de a criança acreditar que é um adulto, mas ao mesmo tempo não acaba se separando, se individualizando. Pelo contrário, ela se apoia em seus pais como se fosse seu braço que executa ou sua perna que anda. É por isso que os pais devem adivinhá-las, fazê-las felizes, antecipar e evitar qualquer tipo de frustração. Mas quando essas crianças crescem, elas transferem essa expectativa de correspondência total para o exterior, onde cada sujeito busca e precisa dos seus semelhantes como uma forma de consolidar sua própria identidade, não apenas como uma ferramenta de marketing.
O sistema de redes sociais, a abundância de crenças místicas e algoritmos reforçam a necessidade e a fantasia de que o mundo pode de fato corresponder a você. Basta abrir o Google e o Instagram para encontrar notícias e temas que reforcem suas próprias opiniões e percepções para acreditar que a correspondência total é possível. A cópia espelhada que a criança faz dos pais é transferida para a esfera social e permanece como modelo de mundo. É por isso que a intolerância à frustração é tão alta. A criança acostumada a copiar massivamente os pais espera e exige que esse espelho lhe corresponda e quando isso não acontece – entendendo a falta de correspondência como falta de amor – explode em acessos de raiva, raiva e espasmos.
Mas o que aconteceu com os jovens que cresceram sob esse novo paradigma psíquico, quando surgiram as frustrações da pandemia e da quarentena, experimentadas graças aos meios de comunicação de massa como um verdadeiro insulto ao seu livre arbítrio, mesmo que essa “suposta liberdade” fosse infectar a si mesmos e infectar os outros? Essas mensagens “libertárias” estão penetrando profundamente em uma subjetividade preparada para a perfeita correspondência com o exterior, não para a frustração. E então vieram as consequências da pandemia e, quando começamos a sair, veio a guerra e os preços dispararam e, mais recentemente, uma seca, e o nível de frustração das pessoas foi explorado por um sujeito que proclamou aos quatro ventos que se poderia ser livre de qualquer estado, que se poderia governar a si mesmo sem precisar de qualquer tipo de ajuda, que se poderia de repente começar a ganhar em dólares, não importando quantos eles fossem.
Estas propostas também se enquadram em outro dos efeitos da simetria inconsciente, que é a fantasia da autossuficiência imaginária. A criança e o jovem simétricos não percebem que a ajuda e o esforço dos pais merecem gratidão. Simplesmente porque você não agradece à perna por andar ou ao braço por se mover. Portanto, tudo o que eles são e alcançaram é sentido por mérito próprio, não porque houve pais amorosos que os ajudaram, cuidaram e protegeram. Então, da mesma forma, o Estado, que é quem construiu os hospitais e aumentou os leitos e os respiradores e conseguiu as vacinas que transportou nos aviões, não é necessário. Então o Estado que administra as escolas, as estradas, os hospitais, aquele que tem que mediar os apetites individuais para encontrar alguma ordem, tem que desaparecer para voltar à lei da selva onde triunfa o mais poderoso. A falta de reconhecimento leva a querer acabar com a educação pública, a saúde pública e transformar tudo em mercadoria, inclusive o ser humano, que obviamente teria o direito de vender seus órgãos aos mais ricos.
Mas todo esse pensamento que permeia tão fortemente não seria possível se não tivesse a cumplicidade da mídia para manipular as pessoas e convencê-las de que o seu carcereiro é o bom e quem quer cuidar delas é o mau. Não vamos deixar de reconhecer as deficiências dos nossos atuais líderes, mas isso não significa que tenhamos de destruir a política, mas sim que temos de procurar melhores líderes.
Compreender a fragilidade e a vulnerabilidade de certos aspectos do psiquismo atual é essencial para poder chegar aos jovens, para construir uma linguagem na qual se sintam desafiados e compreendidos. Mas também significa que temos que nos aprofundar e trabalhar na subjetividade atual, que parou de agradecer aos pais e professores pelo que recebeu, que se parece um cravo-do-ar, sem raízes, nem memória, nem história. Temos que trabalhar para que as crianças recuperem o apoio emocional em seus pais, para que consigam internalizá-los novamente como figuras protetoras, reconstruindo nossos modelos de autoridade. Uma autoridade que recupere sua firmeza e que, ao mesmo tempo, seja empática e comunicativa, que consiga incluí-los e fazer com que se sintam colaboradores valiosos na vida cotidiana, que seja extremamente respeitosa e que, ao mesmo tempo, evite qualquer tipo de maus-tratos na comunicação, mas que não renuncie a manter suas diferenças.
Claudia Messing é presidente da Sociedade Argentina de Terapia Familiar (SATF), autora de Simetria entre pais e filhos (2010), Por que é tão difícil ser pai hoje? (2011), How Children Feel and Think Today (2017 ) e Family Bonding Therapy (2020), entre outros livros publicados pela Editorial Noveduc.
Fonte: https://www.pagina12.com.ar/563084-aportes-para-la-comprension-del-fenomeno-milei
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