De olho no Irã, Netanyahu adentra a guerra da Ucrânia

M. K. Bhadrakumar – 03 de janeiro de 2023

Em sua segunda passagem como primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu já começou correndo. O contexto internacional em que ele operou habilmente por quase 15 anos em duas passagens como primeiro-ministro mudou além do reconhecimento.

O legado da política externa de Netanyahu tornou-se apático – sobretudo, os Acordos de Abraham e o relacionamento extremamente consequente de Israel com a Rússia, ambos os quais impactaram significativamente a difícil vizinhança na qual ele navegou com sucesso pelos interesses centrais de Israel.

Com certeza, dar nova vida aos dois vetores acima – os Acordos de Abraham (laços entre Israel e a Arábia Saudita) e as relações de Israel com a Rússia – continuarão sendo as principais prioridades de Netanyahu. Enquanto as relações entre Israel e Arábia Saudita impactam a segurança regional, as relações de Israel com a Rússia terão consequências de longo alcance para a segurança de Israel. Isso por três razões.

Primeiro, Putin está em guerra com os EUA e o mundo ocidental, que são os aliados tradicionais de Israel. Mas Netanyahu é tudo menos um homem unidimensional. Confie nele para transformar desafios em novas oportunidades.

Em segundo lugar, recapturar a energia no relacionamento com Moscou tem um grande significado colateral. A Rússia tornou-se hoje um ator de pleno direito na Ásia Ocidental e, sem dúvida, de certa forma, torna-se um parceiro regional mais eficaz para Israel do que os EUA. A contenção dos EUA é visível e o consequente declínio de sua capacidade de alavancar aliados como a Arábia Saudita, os Emirados Árabes Unidos ou o Egito atinge os interesses de Israel.

Em terceiro lugar, durante esses 18 meses em que Netanyahu esteve fora do cargo, a Rússia e o Irã transformaram sua difícil relação em uma quase-aliança, graças às sanções ocidentais contra Moscou. Netanyahu sente a loucura do Ocidente tentando “extinguir” a Rússia.

A mídia está discutindo um possível acordo entre Moscou e Teerã sobre os caças russos de geração 4+ Su-35 Super Flanker. O que dá um toque intrigante é que o aprofundamento dos laços militares entre eles coincide com a intenção de Teerã de expandir seu programa de enriquecimento de urânio. O Irã atingiu 60% de enriquecimento de urânio em sua usina de enriquecimento de Fordow e informou à AIEA [Agência Internacional de Energia Atômica – nota da tradutora] de que havia começado a enriquecer urânio em níveis mais altos.

Então, há a subtrama síria em que Israel continua a operar no espaço aéreo daquele país, que a Rússia controla, em grande parte devido ao entendimento secreto entre Netanyahu e Putin, segundo o qual Moscou concordou com as atividades israelenses para conter o Irã e seus grupos de milícia e esmagar sua tentativa de transformar a Síria em mais uma “frente de resistência” como o Líbano ou Gaza.

No entanto, é a guerra na Ucrânia que elevou dramaticamente os laços estratégicos Rússia-Irã. Netanyahu percebe que a incipiente quase-aliança russo-iraniana pode ser resolvida se a dependência russa da tecnologia militar iraniana for revertida.

Em última análise, isso exige que a guerra na Ucrânia seja encerrada mais cedo ou mais tarde e também uma flexibilização das sanções ocidentais. Certamente, não se deve permitir que a guerra siga seu atual curso indeterminado. É precisamente aqui que se espera que Netanyahu concentre sua formidável habilidade diplomática.

Os sinais já estão aí. Logo após assumir o cargo de novo ministro das Relações Exteriores no gabinete de Netanyahu, na segunda-feira [02/01/23], Eli Cohen afirmou que planejava ter uma conversa com seu colega russo, Sergey Lavrov, em 03 de janeiro.

A maneira como Cohen elaborou essa proposta simples e desarmante durante seu discurso inaugural (que foi transmitido ao vivo pelo serviço de imprensa do Ministério das Relações Exteriores de Israel) precisa ser observada com cuidado: “Amanhã, devo conversar com o ministro das Relações Exteriores da Rússia, Sergey Lavrov, e mais tarde com outros ministros europeus”.

Anteriormente, em um discurso recente, Cohen deu a entender que, na questão da Rússia e da Ucrânia, o governo de Netanyahu será discreto em seus pronunciamentos públicos, apontando para uma grande correção de curso para engajar com a Rússia. O ex-primeiro-ministro israelense, Yair Lapid, condenou a Rússia publicamente. Desde que a operação russa na Ucrânia começou em 24 de fevereiro [de 2022], Lapid como FM [ministro das Relações Exteriores] nunca falou com Lavrov – ou com Putin, enquanto atuava como primeiro-ministro interino.

No entanto, mesmo sob Lapid, as políticas pró-Kiev de Israel não foram muito além da retórica. O embaixador israelense em Kiev, Michael Brodsky, disse ao Washington Post recentemente que as relações de Israel com a Rússia estão criando “limites que não podem ser superados”. Brodsky acrescentou que Israel está ciente da “frustração de alguns judeus ucranianos”, mas “nenhum governo em Israel vai comprometer esse interesse [com a Rússia] por qualquer outra pessoa, incluindo os ucranianos”. Brodsky também observou que a situação de Israel é “frágil”, pois não faz parte da OTAN, e a maioria dos judeus ucranianos entende que Israel está em uma “posição difícil”.

Para Israel, a Rússia não é como nenhum outro país. Os falantes de russo constituem 15% da população de Israel. É um eleitorado influente na política interna de Israel e tem parentesco com a população judaica na Rússia. O investimento russo em Israel é bastante substancial e é um segredo aberto que os oligarcas da Rússia viam Israel como um lar longe de casa.

Na verdade, os cordões umbilicais que ligam a cultura e a história russas a Jerusalém não podem ser facilmente rompidos. Na semana passada, Moscou reiterou sua exigência de recuperar os ativos russos em Israel. O ex-primeiro-ministro Sergei Stepashin, que lida com a questão, anunciou em Moscou que a Rússia apresentará uma reclamação ao tribunal israelense para a Igreja de Maria Madalena, Capela da Ascensão e a Igreja Viri Galilaei!

Igreja de Maria Madalena, Igreja Cristã Ortodoxa no Monte das Oliveiras em todo o Monte do Templo em Jerusalém construída em 1888 pelo czar Alexandre III e seus irmãos para homenagear sua mãe.

Putin também exigiu o fim do litígio que impede a transferência da Igreja Alexander Nevsky na Cidade Velha [em Jerusalém], após compromissos assumidos por Benjamin Netanyahu durante um mandato anterior como primeiro-ministro. É concebível que essas demandas também façam parte da política interna da Rússia.

O Kremlin está feliz com o retorno de Netanyahu ao circuito diplomático. O que é mais gratificante será que, ao contrário da configuração israelense anterior, Netanyahu não aceitará passivamente um papel subalterno na parceria EUA-Israel.

Netanyahu tem extensa rede de contatos com as elites americanas e não hesitará em aproveitá-la se os interesses de Israel estiverem em jogo. E, sem dúvida, Israel é uma parte interessada na crise da Ucrânia e os interesses israelenses são bem servidos ao criar espaço para o início das negociações de paz entre Moscou e Kiev.

Netanyahu tem os ouvidos de Putin e também pode desempenhar um papel para o governo Biden, como nenhum outro líder ocidental pode desempenhar hoje. Por outro lado, o programa nuclear iraniano está transformando-se em um vulcão fumegante e pode chegar muito em breve a um ponto em que Netanyahu será obrigado a agir. E isso pode acontecer no ano eleitoral de 2024, algo que o governo Biden mal pode se dar ao luxo de deixar acontecer. Basta dizer que o conflito na Ucrânia e a bomba do Irã estão unidos, por assim dizer.

Putin disse em uma mensagem a Netanyahu na quinta-feira [29/12/22]: “Na Rússia, apreciamos muito sua contribuição pessoal e de longa data para fortalecer as relações amistosas entre nossos países”. O Ministério das Relações Exteriores da Rússia disse estar “pronto para uma cooperação construtiva” com Israel para “desanuviar o clima no Oriente Médio e o cenário internacional em geral”.

Em 22 de dezembro, Putin ligou para Netanyahu para parabenizá-lo por sua vitória eleitoral e pelo estabelecimento de um novo governo, enquanto o gabinete de Netanyahu revelou em um comunicado que a conversa girou principalmente em torno do conflito na Ucrânia. Netanyahu disse a Putin que espera que uma resolução para encerrar as hostilidades seja encontrada o mais rápido possível e para o consequente sofrimento.

Netanyahu também disse a Putin que está determinado a impedir o Irã de obter armas nucleares e conter as tentativas de Teerã de estabelecer presença militar no Líbano e na Síria ao longo da fronteira norte de Israel.

Para certificar-se, Putin é todo ouvidos e olhos para Netanyahu. A questão é que Moscou ganha se a diplomacia reaparecer na questão do descampado da Ucrânia. Certamente, está longe de ser o caso de a Rússia estar desfrutando da destruição da Ucrânia ou das tristezas do seu povo fraterno.


Fonte: https://www.indianpunchline.com/with-eye-on-iran-netanyahu-wades-into-ukraine-war


Be First to Comment

Leave a Reply

This site uses Akismet to reduce spam. Learn how your comment data is processed.