Degradação das condições de vida dos cidadãos é a mais grave ameaça à segurança nacional dos norte-americanos

Bolsonáricos batem continência e sonham com copiar os EUA, mas… 

30/11/2018, Moon of Alabama

 

 

 

Micah Zenko, que trabalhou no Conselho de Relações Exteriores e agora está na Chatham House, é um dos analistas mentalmente sãos, que trabalha com as políticas de segurança dos EUA.

O tuíto acima (aqui traduzido) foi escrito em resposta ao relatório da Secretaria de Saúde Pública dos EUA, 2017, sobre mortalidade nos EUA. Os principais dados que ali se reúnem são:

  • A expectativa de vida da população norte-americana caiu para 78,6 anos, em 2017.
  • A taxa de mortalidade na população padrão aumentou 0,4%, de 728,8 mortes por 100 mil norte-americanos em 2016, para 731,9 em 2017.
  • As taxas de mortalidade por grupos etários aumentaram, de 2016 para 2017, nos grupos de 25-34 anos; 35–44 anos e de 85 e mais anos; e decresceram no grupo etário de 45–54 anos.

Ano passado foi o terceiro ano em sequência, em que a expectativa de vida diminuiu e a mortalidade aumentou, nos EUA.

Esses números só aconteceram antes uma vez, entre 1915 e 1918. A causa, naquele momento, foi a Gripe Espanhola que, só ela, matou 675 mil pessoas nos EUA; e a 1ª Guerra Mundial. A queda na expectativa de vida foi extremamente aguda, mas o aumento posterior também foi muito rápido depois que a epidemia e a guerra passaram. Em 2017, o fenômeno é diferente.

Para país dito ‘de 1º mundo’ como os EUA, qualquer um esperaria que a expectativa de vida aumentasse ano a ano, porque a Medicina faz progressos, o meio ambiente é mais limpo, diminui o número de acidentes e não há nem epidemias nem guerras. É assim em países desenvolvidos. Só nos EUA se observa esse declínio; e não de trata de redução depois de etapas de continuado crescimento. Nas relações de 2015 da ONU e da Organização Mundial da Saúde de expectativa de vida por país, os EUA aparecem no 31º e no 43º lugares. Com os novos dados, certamente aparecerão ainda mais abaixo.

As principais causas do atual declínio na expectativa de vida dos norte-americanos são maior número de mortes por overdoses de opioides e maior número de suicídios:

Desde 1999, o número de mortes por overdoses mais do que quadruplicou. Em 2017, o número de mortes por opioides foi quase seis vezes maior que o número de mortes pela mesma causa em 1999.

E o número de suicídios aumentou em 1/3 entre 1999 e 2017, como mostra o mesmo relatório. Nas áreas urbanas dos EUA, a taxa de suicídios é de 11,1 por 100 mil habitantes; nas regiões mais rurais do país, é de 20 por 100 mil.

E não é só a expectativa de vida que mostra que os EUA já não são país saudável. Os números de mortalidade materna e infantil também aumentaram nos EUA na última década e são hoje muito mais altos que em outros países desenvolvidos. Todos esses indicadores sociais descrevem uma sociedade em declínio.

Exceto em situação de guerra, o único país industrializado que conheceu queda longa nesses indicadores sociais foi a Rússia, no início da décadas dos 1990s.

Em 1976 Emmanuel Todd, antropólogo e demógrafo francês, previu o colapso da União Soviética, baseado em indicadores como taxas crescentes de mortalidade infantil. Em 2001, Todd escreveu Após o Império: A Decomposição do Sistema americano (trad. ao port. em 2002, Lisboa: Edições 70), ensaio no qual analisou tendências similares nos EUA e previu que os dias dos EUA como única superpotência estavam contados:

Todd observa algumas tendências perturbadoras, nos EUA, como estratificação crescente baseada em credenciais educacionais, e a “obsolescência de instituições políticas não reformáveis”. Cada vez mais o resto do mundo produz, para que os EUA possam consumir.

Todd com certeza verá as recentes estatísticas da saúde nos EUA como confirmação de que o colapso do império está próximo.

Por essa razão, Micah Zenko diz que a indiferença política diante dos indicadores de medíocre saúde social “é a mais grave ameaça à segurança nacional” que os EUA enfrentam.

Foi a ‘reforma do bem-estar’ promovida por Bill Clinton que empobreceu sistematicamente a população. As atuais crises dos opioides desenvolveram-se durante o governo Obama, que nada fez para contê-las. A ‘reforma’ que Obama promoveu no sistema de seguro-saúde para extinguiu a ‘opção pública’ que poderia ter garantido proteção a todos que não podem pagar os preços comerciais dos ‘produtos’ que o mercado oferece. Com tantos Democratas firmemente presos nas garras da indústria farmacêutica (“big pharma”), é mínima a probabilidade de que alguma coisa mude por esse lado.

Mas se o declínio social dos EUA puder ser visto em termos de ‘segurança nacional’, talvez os conservadores possam começar a pensar em encontrar alguma saída.

Sinal de que sim, alguma coisa desse tipo pode mesmo acontecer, é artigo publicada na super conservadora National Review que reconhece que a redução na expectativa de vida e a crise dos opioides exige mudanças políticas fundamentais:

Grupo de bem-intencionados conservadores acreditam que tirar os olhos da bola do crescimento econômico levará a estagnação ainda maior. Outros, (como [Oren] Cass) acreditam que temos de criar uma economia na qual mais indivíduos tenham a chance de ser produtivos, ainda que isso implique alguma redução no crescimento do PIB.

Será que financiamento mais robusto para, digamos, programas de treinamento para trabalhadores, pode ser o alvará para dar conta do tipo de angústia existencial que se evidencia na onda crescente de abuso de opioides? Devemos esperar que o crescimento na oferta de trabalho que advenha da Lei de Redução de Impostos e Expansão do Emprego consiga superar o desespero e o vazio que até agora só se enfrentam com uma garrafa ou um vidro de pílulas? Será que lições de moral sobre a sociedade civil bastam para recompor um tecido social já puído, que deixa tantos tão isolados e sós?

Cada uma dessas medidas, isoladamente, é insuficiente, mas a discussão que Cass e outros iniciaram pode talvez ser um passo adiante, em resposta ao desafio.

Não concordo nem com o artigo nem com o livro de Oren Cass sobre o trabalhador norte-americano, mas acho estimulante que os conservadores norte-americanos afinal estejam começando a ver os problemas que suas políticas estão criando, e considerem afinal começar a mudar em relação à obsessão com ‘crescimento custe o que custar’. É o primeiro passo numa longa estrada rumo a melhores políticas sociais e econômicas.

Mas… e a corrupção institucionalizada do Congresso dos EUA – que Todd chama de “a obsolescência de instituições políticas não reformáveis” – permitirá alguma mudança, seja qual for?


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