5/2/2019, Dmitry Orlov, Club Orlov
Dia 1/3/2018 o mundo foi informado dos novos sistemas de armas da Rússia, ao que se sabe construídos sobre novos princípios da Física. Em discurso à Assembleia Russa, Putin explicou como tudo aconteceu: em 2002, os EUA retiraram-se do Tratado dos Mísseis Antimísseis Balísticos [ing. Anti-Ballistic Missile Treaty, Tratado ABM]. Naquele momento, os russos declararam que seriam forçados a responder; ouviram um “Façam o que quiserem”.
E os russos fizeram, desenvolvendo novas armas que nenhum sistema de mísseis antimísseis balísticos pode sequer sonhar com interceptar. As novas armas russas incluem uma que já está em operação (Kinzhal), uma que está em fase final para produção em massa (Avangard) e várias que estão atualmente em teste (Poseidon, Burevestnik, Peresvet, Sarmat). As características dessas armas são, em resumo, as seguintes:
• Kinzhal: míssil cruzador hipersônico disparado do ar, que voa a velocidades Mach 10 (12.250 km/h) e pode destruir instalações em solo e em navios.
• Avangard: sistema de disparo hipersônico para mísseis balísticos intercontinentais manobráveis que voam acima de Mach 20 (24.500 km/h). Tem alcance de 1.190 km e pode transportar carga nuclear de mais de 300 kilotons.
• Poseidon: torpedo autônomo movido a energia nuclear com alcance ilimitado que pode viajar a uma profundidade de mais de 900 metros, com velocidade de mais de 185 km/h.
• Burevestnik: um míssil cruzador movido a energia nuclear que voa 972 km/h e pode permanecer no ar por 24 horas, o que lhe dá alcance de 9.600 km.
• Peresvet: complexo móbil de laser que pode encobrir drones e satélites, derrubando sistemas de reconhecimento aéreo e espacial.
• Sarmat: um novo míssil intercontinental pesado que pode voar rotas suborbitais arbitrárias (como sobre o Polo Sul) e atacar pontos arbitrários em qualquer ponto do planeta. Dado que não segue trajetória balística previsível, não há como interceptar esse míssil.
A reação ocidental ao anúncio dessas armas foi o mais estranho silêncio. Uns poucos tentaram convencer os que ouviram, de que não passaria de blefe e animação feita em computador, e de que aqueles sistemas de armas não existiriam. (A animação foi realmente serviço de má qualidade, deve-se reconhecer, provavelmente porque militares russos não creem que grafismos ‘artísticos’ como aqueles em que os norte-americanos desperdiçam dinheiro contribuiriam para garantir melhor segurança à Rússia.) Mas ao fim e ao cabo ficou plenamente provado e comprovado que os novos sistemas russos de armas realmente funcionam, e os serviços de inteligência dos EUA confirmaram que, sim, as armas existem.
Forçados a reagir, os norte-americanos, com a União Europeia atrelada, tentaram provocar escândalos de relações públicas em torno de assuntos sem qualquer relação direta com a questão central. Vez ou outras, aqueles escândalos são requentados. Por exemplo, depois do putsch na Ucrânia que foi a causa de a Crimeia ser reintegrada à Federação Russa, foi uma avalanche de imprensa histérica e de má qualidade sobre o voo MH17 da Malaysian Airlines – que os norte-americanos derrubaram sobre território ucraniano, com a ajuda dos militares da Ucrânia.
Assim também, depois que Putin anunciou os novos sistemas de armas, houve uma erupção de histeria igualmente ofegante sobre o dito envenenamento por “Novichok”, de Sergei Skripal e a filha. Um casal de turistas russos, se todos lembram, foi acusado de envenenar Skripal, porque o casal esfregou veneno na maçaneta da porta de entrada da casa, depois de o morador ter saído de lá para não voltar. São coisas que talvez façam muitos se sentirem melhor, mas responder com fake-news produzidas ‘na hora’ a sistemas de armas de altíssima tecnologia certamente não é resposta adequada.
Digam o que queiram sobre a resposta russa à saída dos EUA do Tratado ABM, não há dúvida de que foi resposta adequada. Foi resposta que dois fatos bem conhecidos tornaram absolutamente necessária.
Primeiro, os EUA são conhecidos por destruir outros países com bombas atômicas (Hiroshima, Nagasaki). Não se tratou de autodefesa, mas de mandar mensagem clara à URSS: toda a resistência daria em nada (movimento impressionantemente idiota). Segundo, os EUA são conhecidos por nunca se cansarem de planejar a destruição da URSS com um primeiro ataque nuclear. Nada conseguiram várias vezes, seja porque faltaram armas atômicas aos norte-americanos, seja porque depois os soviéticos desenvolveram armas nucleares e, na sequência, porque os soviéticos desenvolveram seus mísseis balísticos intercontinentais [ing. ICBMs].
As “Star Wars” de Ronald Reagan foram uma tentativa de desenvolver um sistema que derrubaria o maior número possível de mísseis balísticos intercontinentais dos soviéticos e ‘viabilizaria’ um primeiro ataque nuclear norte-americano. Tudo acabou quando Reagan e Gorbachev assinaram um Tratado dos Mísseis Antimísseis Balísticos, em dezembro de 1987. Mas então, quando Bush Jr. pulou fora do Tratado ABM em 2002, a corrida recomeçou.
Ano passado, Putin declarou a vitória da Rússia: agora os norte-americanos podem ter certeza absoluta de que, se algum dia atacarem a Rússia, o resultado será a total aniquilação dos EUA, total, completa e garantida. E os russos podem tranquilizar-se completamente, porque nunca mais os EUA se atreverão a atacar a Rússia.
Mas ali foi só o prelúdio. A vitória real aconteceu dia 2/2/2019. Esse dia será lembrado como o dia em que a Federação Russa derrotou completamente os EUA na batalha pela Eurásia – de Lisboa a Vladivostok e de Murmansk a Mumbai.
Assim sendo, o que desejavam os EUA e o que receberam, em lugar do que planejavam obter? Sempre quiseram apenas renegociar o Tratado! Era o que queriam, revisar alguns termos do tratado e ampliá-lo, para incluir a China. Ao anunciar que os EUA “suspendiam” o Tratado INF, Trump disse: “Espero que consigamos reunir todo mundo num grande, belo salão, e fazer novo tratado, muito melhor…” “Todo mundo”, na cabeça de Trump significa provavelmente EUA, China e Rússia.
E por que a súbita necessidade de incluir a China? Porque a China tem arsenal completo de armas de alcance intermédio, entre 500-5500 (as armas que o Tratado INF existe para impedir que sejam usadas), todas apontadas para bases militares em toda a região – na Coreia do Sul, no Japão e em Guam. Com o Tratado INF, tornou-se impossível para os EUA desenvolver qualquer tipo de arma a ser instalada nessas bases, apontada para a China.
Talvez Trump queira praticar sua “Arte da Negociação” de magnata da indústria de construção de arranha-céus de Nova York, agora com superpotências nucleares. Ou talvez seja a húbris imperial, que já fez apodrecer o cérebro de praticamente todos e todas no establishment dos EUA. Mas esse plano para renegociar o Tratado INF foi a ideia mais estúpida que se poderia imaginar:
1. A acusação contra a Rússia, que teria violado o Tratado INF não tem qualquer base real. E finge que não vê os esforços da Rússia para demonstrar que a acusação é falsa.
2. EUA anunciou que “se retirava” do Tratado INF.
3. Na sequência, EUA anunciam que o Tratado INF é importantíssimo e essencial. ‘Perdoam’ generosamente a Rússia e oferecem-se para assinar novo tratado… mas querem incluir a China.
4. Só faltava a Rússia convencer a China a fazer o que Trump desejava…
5. … e seria fácil assinar o novo tratado, no “grande, belo salão” de Trump!
Mas… o que realmente aconteceu no mundo real? A Rússia imediatamente anunciou que também se retira do Tratado INF. Putin ordenou ao ministro Lavrov das Relações Exteriores que não participasse de nenhum tipo de negociação com os norte-americanos sobre esse assunto. E ordenou ao ministro Shoigu da Defesa que mande construir plataformas terrestres para os novos sistemas de mísseis ar-terra e instalados em navios – sem aumentar os gastos da Defesa já previstos em orçamento.
Putin acrescentou que os novos sistemas baseados em terra só serão instalados como resposta às armas de alcance intermediário dos EUA.
Ah! E a China anunciou que não está interessada em negociar coisa alguma. Pronto! Agora Trump terá seu “grande, belo salão” só para si!
Por que tudo isso aconteceu? Na vigência do Tratado INF, por muito tempo a Rússia teve um buraco gigante em seu arsenal, especificamente na faixa das armas de alcance intermediário, de 500-5.500 km. Tinha os X-101/102s lançados do ar, e até desenvolveu o míssil cruzador Kalibr, mas tinha poucas aeronaves e navios – o suficiente para Defesa, mas não o suficiente para garantir que poderia destruir toda a OTAN. Por uma questão de segurança nacional da Rússia, dada a posição de permanente beligerância dos EUA, era preciso que a OTAN soubesse que, em caso de conflito militar com a Rússia, os EUA seriam completamente aniquilados, e que nenhum sistema de defesa aérea jamais ajudaria os EUA a evitar esse destino.
Se você examina um mapa, verá que armas com alcance de 500-5.500 km resolvem muito bem esse problema. Trace uma circunferência com 5.500 km de raio em torno do enclave russo de Kaliningrad, e você verá que essa circunferência cobre todos os países da OTAN, do Norte da África e do Oriente Médio. O Tratado IMF não foi necessariamente bom negócio para a Rússia, sequer quando foi assinado pela primeira vez (lembre-se que foi assinado por Gorbachev, o traidor) e tornou-se extraordinariamente péssimo negócio depois que a OTAN começou a se expandir para o leste. Mas a Rússia não podia sair sem disparar um confronto, e o país precisava de tempo para se recuperar e rearmar-se.
Já em 2004, Putin anunciou que “a Rússia precisa de um salto, para ter uma nova geração de armas e tecnologia.” Naquele momento os norte-americanos o ignoraram, certos de que a Rússia desabaria a qualquer momento, e que os EUA poderiam aproveitar-se do petróleo, do gás, do combustível nuclear e de outros mercadorias estratégicas, gratuitamente, para sempre, mesmo que todos os russos fossem extintos. Pensaram que, ainda que a Rússia tentasse resistir, bastaria subornar alguns traidores – como Gorbachev ou Yeltsin – e tudo voltaria novamente ao normal.
Faça avançar o relógio 15 anos, e temos o quê? A Rússia recuperou-se e rearmou-se. Suas indústrias de exportação garantem balança comercial positiva, mesmo sem exportar petróleo e gás. O país está construindo três grandes dutos de exportação ao mesmo tempo – para a Alemanha, a Turquia e a China. Está construindo capacidade de geração nuclear em todo o planeta, e é proprietário de uma fatia leonina da indústria nuclear mundial. Os EUA já não podem sequer manter as lâmpadas acesas sem importar combustível nuclear russo. Os EUA não têm novos sistemas de armas para fazer frente ao rearmamento da Rússia. Ah, sim, sempre falam de que estariam construindo alguma coisa, mas tudo que têm até agora é muito dinheiro que desaparece em projetos e horas de apresentações em PowerPoint. Já não têm nem os cérebros, nem o tempo, nem o dinheiro.
Parte das ordens de Putin sobre sair do Tratado INF tinha a ver com construir mísseis hipersônicos de médio alcance, com base terrestre. É mais uma virada: não só é impossível interceptar esses mísseis, mas, mais importante, eles reduzem o tempo de vida que restará à OTAN, caso algum dia decida atacar a Rússia, de poucos minutos, para poucos segundos. O novo torpedoPoseidon movido a energia nuclear também foi mencionado: ainda que algum ataque contra a Rússia seja bem-sucedido, será vitória de Pirro, porque imediatamente depois tsunamis de 30 metros de altura, disparados por uma detonação nuclear varrerão as duas costas dos EUA, entrando centenas de quilômetros continente adentro, e reduzirão o país a terra morta, levemente radioativa.
Os EUA não perderam só a capacidade para atacar: perderam também a capacidade para ameaçar. Seus principais meios para projetar poder por todo o mundo estão na Marinha, e oPoseidon reduz a Marinha a um monte de aço pesadão e imprestável. Bastaria tem um punhado de Poseidons silenciosamente no rastro de cada grupo de ataque de porta-aviões e escolta, para reduzir a zero o valor estratégico da Marinha dos EUA, não importa em que ponto do planeta esteja.
Livre das amarras do Tratado INF, a Rússia poderá neutralizar a já imprestável e obsoleta OTAN, e absorver toda a Europa em sua esfera de segurança. Políticos europeus são bastante maleáveis, e rapidamente aprenderão que boas relações com Rússia e China são patrimônio valioso, enquanto qualquer dependência dos EUA, se for mantida, será risco sempre crescente. Muitos europeus já viram perfeitamente de que lado sopram os ventos.
Para os líderes europeus, não será decisão difícil. Num dos pratos da balança está a possibilidade de uma Eurásia Expandida pacífica e próspera, de Lisboa a Vladivostok e de Murmansk a Mumbai, protegida sob o guarda-chuva nuclear russo, e firmemente conectada à Iniciativa Um Cinturão uma Estrada da China.
No outro prato da balança está uma ex-colônia obscura perdida na América do Norte selvagem, imbuída de uma inabalável fé no próprio excepcionalismo, mesmo que seja menos excepcional a cada dia que passa, os conflitos internos sejam a cada momento mais graves, o caos só aumente, embora, sim, ainda perigosa, sempre mais para ela mesma, governada por um bufão que não vê a diferença entre um tratado de armas nucleares e um negócio de compra e venda de imóveis de luxo. Os EUA bem merecem serem descartados sem tumulto, pacificamente, para fora da civilização e, na sequência, para as margens da história.
Trump que se entenda com ele mesmo, no seu “grande, belo salão” e evite fazer coisas ainda mais tragicamente estúpidas, enquanto mentes sãs negociam com calma os termos de uma capitulação honrosa. A única estratégica de saída aceitável para os EUA é entregar sem resistir, pacificamente, todas as suas posições em todo o mundo, recolher-se sobre as próprias pegadas geográficas de volta para casa e tratar de não se intrometer nos negócio da Eurásia Expandida.*******
* Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário (ing. Tratado INF) é um tratado internacional entre EUA e URSS, assinado em Washington, DC, em 8/12/1987 [NTs].
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