Discurso de Vladimir Putin no Encontro do Clube Internacional de Debates de Valdai

Putin at Valdai 2017 – EN from Roberto Petitpas on Vimeo.

Video legendado em PT em tradução

 

Fonte: http://tributetoapresident.blogspot.pt/2017/10/discurso-de-vladimir-putin-no-clube.html#more

Vladimir Putin participou na sessão plenária final da 14ª reunião anual do Clube Internacional de Debates de Valdai, intitulado:

O Mundo do Futuro: Incentivar  do Conflito para a Cooperação.

19 de Outubro de 2017
20:10
Sochi

Meeting of the Valdai International Discussion Club.

Fyodor Lukyanov: Agora dou a palavra ao Presidente da Federação  Russa, Vladimir Putin, para nos instilar algum optimismo.

Presidente da Federação Russa, Vladimir Putin: Muito obrigado. Não tenho a certeza de quão optimista soará, mas sei que, nos últimos três dias,  tiveram debates muito acalorados.  Como já se tornou hábito, tentarei partilhar convosco o que penso sobre algumas das questões. Por favor, não levem a mal se referir algo que já foi dito, pois não acompanhei os debates.

Para começar, gostaria de  dar as boas vindas ao Snr. Karzai, ao Snr. Ma e ao Snr. Toje e a todos os colegas e amigos. Vejo muitos rostos familiares no auditório. Sejam bem-vindos à reunião do Clube Valdai.

Por tradição, este fórum dedica-se ao debate dos assuntos políticos e económicos globais mais urgentes. Desta vez, os organizadores, como já mencionado, encararam um desafio bastante difícil pedindo aos participantes que tentem olhar mais além do horizonte e reflectir sobre o que vai acontecer nas próximas décadas, quer na Rússia, quer na comunidade internacional.

Claro que é impossível prever tudo e ter em conta todas as oportunidades e riscos que teremos de enfrentar.   No entanto, necessitamos compreender e sentir as principais tendências para procurar respostas inovadoras aos problemas que o futuro está a apresentar, neste momento e certamente irá colocar ainda mais.  O ritmo dos desenvolvimentos é tal, que devemos reagir ágil e continuamente.
O mundo entrou numa era de mudanças rápidas. Coisas que eram referidas recentemente como  fantásticas ou inatingíveis, tornaram-se uma realidade, concretizaram-se e fazem parte das nossas vidas diárias.

Processos qualitativamente novos estão a desdobrar-se, em simultâneo, em todas as esferas. O ritmo acelerado da vida pública em vários países e as revoluções tecnológicas estão agora entrelaçadas com as mudanças na arena internacional. A competição por um lugar na hierarquia global está a acentuar-se. No entanto, já não são aplicáveis muitas receitas do passado para o governo global, para a superação de conflitos, bem como para as contradições naturais. Falham, muitas vezes, e as novas ainda não foram desenvolvidas.

Naturalmente, os interesses dos Estados nem sempre coincidem, longe disso. É normal e natural. Sempre foi esse caso. Os principais poderes têm inúmeras estratégias geopolíticas e percepções do mundo. Esta é a essência imutável das relações internacionais, que se baseia no equilíbrio entre a cooperação e a competição.

Na verdade, quando este equilíbrio é perturbado, quando a observância e até a existência de regras de conduta universais são questionadas, quando os interesses são pressionados a qualquer custo, as disputas tornam-se imprevisíveis e perigosas e conduzem a conflitos violentos.

Nem um único problema internacional pode ser resolvido em tais circunstâncias e em tal enquadramento de questões. As relações entre os países, simplesmente, degradam-se. O mundo torna-se menos seguro. Em vez de progresso e democracia, é dada rédea solta aos elementos radicais e aos grupos extremistas que rejeitam a própria civilização e buscam mergulhar no passado remoto, no caos e na barbárie.

A História recente ilustra graficamente tudo isto. Basta ver o que aconteceu no Médio Oriente, onde alguns intervenientes tentaram remodelar e reformatar a seu gosto e impor-lhes um modelo de desenvolvimento estrangeiro através de golpes de estado externos orquestrados ou, simplesmente, pela força das armas.

Em vez de trabalharem juntos para corrigir a situação e aplicarem um verdadeiro golpe ao terrorismo, em vez de simular uma luta contra ele, alguns dos nossos colegas estão a fazer tudo o que podem para tornar o caos permanente nessa região. Alguns ainda pensam que é possível gerir esse caos.

No entanto, existem alguns exemplos positivos nas experiências recentes. Como provavelmente adivinharam, refiro-me à experiência da Síria. Ela mostra que existe uma alternativa a esse tipo de política arrogante e destrutiva. A Rússia opõe-se aos terroristas juntamente com o governo legítimo da Síria e com outros Estados da região, e actua com base no Direito Internacional. Esclareço que estas acções e este progresso avançado não foram fáceis. Há uma grande divisão na região. Mas, fortalecemo-nos com paciência e, ponderando todos os movimentos e palavras, estamos a trabalhar com todos os participantes desse processo, com o devido respeito pelos seus interesses.

Os nossos esforços, cujos resultados foram questionados pelos nossos colegas, apenas recentemente, estão agora – deixem-me referir isto com cuidado – a incutir-nos esperança. Eles provaram ser muito importantes, correctos, profissionais e oportunos.

Ou aceitem outro exemplo – a argumentação à volta da península coreana. Certamente, hoje,  também abordaram esta questão extensivamente. Sim, condenamos inequivocamente os testes nucleares realizados pela RPDC e concordamos, plenamente, com as resoluções do Conselho de Segurança da ONU, relativas à Coreia do Norte. Colegas, quero salientar para que não haja interpretações descabidas – cumprimos todas as resoluções do Conselho de Segurança da ONU.

No entanto, este problema só pode ser resolvido através do diálogo. Não devemos encostar a Coreia do Norte a um canto, ameaçá-la através da força, usar a descortesia ou injúrias. Se alguém gosta ou não gosta do regime norte-coreano, não devemos esquecer que a República Popular Democrática da Coreia é um estado soberano.

Todas as disputas devem ser resolvidas de forma civilizada. A Rússia favoreceu sempre esta abordagem. Estamos firmemente convencidos de que até mesmo os nós mais intrincados – seja na crise da Síria ou da Líbia, na península coreana ou, digamos, na Ucrânia – devem ser desembaraçados, em vez de ser cortados.

A situação em Espanha mostra claramente como a frágil estabilidade pode acontecer, mesmo num Estado próspero e estabelecido. Quem poderia ter esperado, mesmo recentemente, que a discussão sobre o estatuto da Catalunha, que tem uma longa História, resultaria numa crise política aguda?

A posição da Rússia sobre este assunto, é conhecida. Tudo o que está a acontecer é uma questão interna da Espanha e deve ser resolvida com base na lei espanhola, de acordo com as tradições democráticas. Estamos conscientes de que a liderança do país está a dar passos para esse fim. No caso da Catalunha, vimos a União Europeia e outros Estados  condenar unanimemente
os apoiantes da independência.

Como sabem, a este respeito, não posso deixar de notar que deveria ter sido usado mais reflexão sobre o mesmo. Ou será que, ninguém estava ciente destes desentendimentos centenários na Europa? Estavam ou não estavam? Claro, que estavam. No entanto, numa dada altura, eles realmente acolheram a desintegração de vários Estados da Europa, sem esconder a sua alegria.

Por que foram tão irreflectidos, levados por considerações políticas fugazes e pelo desejo de agradar – vou dizer sem rodeios – ao Big Brother, em Washington, fornecendo  apoio incondicional à desintegração do Kosovo, provocando processos semelhantes noutras regiões da Europa e do mundo?

Podeis recordar que, quando a Crimeia também declarou a sua independência, e depois – após o referendo – a decisão de se tornar parte da Rússia, o mesmo não foi bem-vindo por algum motivo. Agora temos a Catalunha. Há algo semelhante noutra região, o Curdistão. Talvez esta lista esteja longe de ser exaustiva. Mas temos de questionar: O que vamos fazer? O que devemos pensar sobre isto?

Acontece que alguns dos nossos colegas pensam que há “bons” lutadores pela independência e pela liberdade e que existem “separatistas” que não têm o direito de defender os seus direitos, mesmo com o uso de mecanismos democráticos.

Como sempre dizemos em casos semelhantes, tais padrões duplos – e este é um exemplo vivo de duas medidas – representam um sério perigo para o desenvolvimento estável da Europa e de outros continentes e para o avanço dos processos de integração em todo o mundo.

Ao mesmo tempo, os apologistas da globalização tentavam convencer-nos de que a interdependência económica universal era uma garantia contra os conflitos e as rivalidades geopolíticas. Infelizmente, tal não aconteceu. A natureza das contradições  também ficou mais complicada, tornando-se facetadas e não lineares.

De facto, enquanto a interligação é um factor restritivo e estabilizador, também estamos a testemunhar um número cada vez maior de exemplos de política que interferem grosseiramente nas relações económicas e de mercado. Recentemente, houve avisos de que era inaceitável, contraproducente e que deve ser acautelado. Agora, os que fizeram tais advertências estão a fazê-lo. Alguns nem sequer escondem que estão a usar pretextos políticos para promover os seus interesses estritamente comerciais. Por exemplo, o recente pacote de sanções adoptado pelo Congresso dos EUA tem como objectivo directo, expulsar a Rússia dos mercados de energia europeus e obrigar a Europa a comprar gás liquefeito mais caro, produzido nos Estados Unidos, embora a escala da sua produção ainda seja demasiado pequena.

Estão a ser feitas tentativas para criar obstáculos no caminho dos nossos esforços para forjar novas rotas de energia – South Stream e Nord Stream – se bem que a diversificação da logística seja economicamente eficiente, benéfica para a Europa e promova a sua segurança.

Deixem-me repetir: é natural que cada estado tenha os seus próprios interesses políticos, económicos e outros. A questão é o meio pelo qual os mesmos são protegidos e promovidos.

No mundo moderno, é impossível obter proveito estratégico à custa dos outros. Essa política baseada na autoconfiança, no egoísmo e em reivindicações de excepcionalismo, não trará respeito nem verdadeira grandeza. Irá suscitar rejeições e resistência naturais e justificadas. O resultado, será vermos o crescimento contínuo de tensões e discórdias em vez de tentar estabelecer uma ordem internacional firme e estável e abordar os desafios tecnológicos, ambientais, climáticos e humanitários que, hoje, toda a raça humana enfrenta.

Colegas,

O progresso científico e tecnológico, a automatização robótica e a digitalização já estão a conduzir a profundas mudanças económicas, sociais, culturais e, também, alterações dos valores. Agora, estamos expostos a perspectivas e a oportunidades anteriormente inconcebíveis. Mas, ao mesmo tempo, teremos também de encontrar respostas para muitas perguntas. Que lugar ocuparão as pessoas no triângulo “humanos-máquinas-natureza”? Que medidas serão tomadas pelos Estados que não proporcionam condições para uma vida normal devido às mudanças do clima e do meio ambiente? Como será mantido o emprego na era da automatização? Como será interpretado o juramento de Hipócrates, visto que os médicos possuem capacidades semelhantes a feiticeiros todos-poderosos? Será que a inteligência humana  perderá, definitivamente, a capacidade de controlar a inteligência artificial? Será que a inteligência artificial irá tornar-se uma entidade separada e independente de nós?

Antes, ao avaliar o papel e a influência dos países, falávamos sobre a importância do factor geopolítico, do tamanho do território de um país, do poder militar e dos recursos naturais. Claro, que hoje, esses factores ainda são de grande importância. Mas agora também há outro factor – o factor científico e tecnológico, que, sem dúvida, são de grande importância e a mesma irá aumentar ao longo do tempo.

Na verdade, esse factor foi sempre importante, mas agora terá um potencial de mudança do jogo e, em breve, terá um grande impacto nas áreas da política e da segurança. Assim, o factor científico e tecnológico tornar-se-á num factor de importância universal e política.

Também é óbvio que mesmo a tecnologia mais recente não será capaz de garantir o desenvolvimento sustentável por conta própria. Um futuro harmonioso é impossível sem responsabilidade social, sem liberdade e justiça, sem respeito pelos valores éticos tradicionais e pela dignidade humana. Caso contrário, em vez de se tornar num mundo de prosperidade e novas oportunidades, esse “brave new world” transformar-se-á num mundo de totalitarismo, de castas, de conflitos e de profundas divisões.

Hoje, a crescente desigualdade já está a acumular-se em sentimentos de injustiça e de privação em milhões de pessoas e em nações inteiras. E o resultado é a radicalização, um desejo de mudar as coisas de qualquer maneira, até mesmo através da violência.

De facto, já aconteceu em muitos países e também na Rússia, no nosso país. As descobertas tecnológicas e industriais bem sucedidas foram seguidas de distúrbios dramáticos e rupturas revolucionárias. Tudo aconteceu porque o país não conseguiu confrontar, a tempo, a discórdia social e superar os anacronismos explícitos da sociedade.

A revolução é sempre o resultado de um déficit de responsabilidade tanto nos que gostariam de conservar, congelar a ordem desactualizada das coisas que, claramente, precisam de ser mudadas, e os que aspiram a acelerar as mudanças, recorrendo a conflitos civis e à resistência destrutiva.

Hoje, à medida que nos voltamos para as lições do século passado, ou seja, para a Revolução Russa de 1917, vemos quão duvidosos foram os seus resultados, quão próximos do negativo e, devemos reconhecer, que as consequências positivas desses acontecimentos estão entrelaçadas. Interroguemos-nos: Não seria possível seguir um caminho evolutivo em vez de passar por uma revolução? Não poderíamos ter evoluído por meio de um movimento progressivo e coerente, em vez de ter sido à custa da destruição do nosso Estado e da interrupção cruel de milhões de vidas humanas?

No entanto, o enorme modelo social utópico e a ideologia, que o Estado recém-formado tentou estabelecer inicialmente, após a revolução de 1917, foi um motor poderoso de transformações em todo o mundo (isto é bastante claro e também deve ser reconhecido), causou uma grande reavaliação dos modelos de desenvolvimento e deu origem à rivalidade e à concorrência, cujos benefícios, eu diria, foram principalmente colhidos pelo Ocidente.

Não estou a referir, apenas, as vitórias geopolíticas que se seguiram à Guerra Fria. Muitas conquistas ocidentais do século XX foram uma resposta ao desafio colocado pela União Soviética. Estou a falar do aumento do nível de vida, da formação de uma classe média forte, das reformas do mercado de trabalho e da esfera social, da promoção da educação, da garantia dos direitos humanos, incluindo os direitos das minorias e das mulheres, da superação da segregação racial, que, como podem recordar, foi uma prática vergonhosa em muitos países, incluindo nos Estados Unidos, ainda há poucas décadas.

Após as mudanças radicais ocorridas no nosso país e em todo o mundo, na viragem da década de 1990, surgiu uma oportunidade verdadeiramente única de abrir um novo capítulo na História. Quero dizer, o período após a União Soviética ter deixado de existir.

Infelizmente, depois de dividir a herança geopolítica da União Soviética, os nossos parceiros ocidentais ficaram convencidos da justiça da sua causa e declararam-se vencedores da Guerra Fria, como acabei de mencionar, e começaram a interferir abertamente nos assuntos dos Estados soberanos, a exportar a democracia, tal como a liderança soviética, tentou, na sua época, exportar a revolução socialista para o resto do mundo

Fomos confrontados com a redistribuição das esferas de influência e com a expansão da NATO. O excesso de confiança conduz, invariavelmente, a erros. O resultado foi infeliz. Duas décadas e meia foram desperdiçadas, muitas oportunidades perdidas e um pesado fardo de desconfiança mútua. O resultado foi o desequilíbrio global que se intensificou.

Escutamos declarações sobre estarem comprometidos com a resolução dos problemas globais, mas, de facto, o que vemos é mais e mais exemplos de egoísmo. Todas as instituições internacionais destinadas a harmonizar os interesses e a formular uma agenda conjunta estão a ser corroídas e os tratados internacionais multilaterais básicos e os acordos bilaterais de importância crítica, estão a ser desvalorizados.

Foi-me dito, há pouco, que o Presidente dos EUA disse algo nas redes sociais sobre a colaboração da Rússia e dos EUA na área importante da cooperação nuclear. É verdade, esta é a esfera de interacção mais importante entre a Rússia e os Estados Unidos, tendo em mente que a Rússia e os Estados Unidos têm uma responsabilidade acrescida perante o mundo, pois são as duas maiores potências nucleares.

No entanto, gostaria de aproveitar esta oportunidade para falar com mais detalhes sobre o que aconteceu nas últimas décadas, nesta área crucial, para fornecer uma imagem mais completa. Levará dois minutos no máximo.

Vários acordos bilaterais foram assinados na década de 1990. O primeiro, o programa Nunn-Lugar, foi assinado em 17 de Junho de 1992. O segundo, o programa HEU-LEU, foi assinado em 18 de Fevereiro de 1993. O urânio altamente enriquecido foi convertido em urânio empobrecido, portanto, HEU- LEU.

Os projectos no primeiro acordo focaram a actualização dos sistemas de controlo, responsabilização e protecção física de materiais nucleares, desmantelamento e destruição de submarinos e geradores termoelétricos de radioisótopos. Os americanos fizeram – e por favor prestem atenção, não são informações secretas, apenas alguns são conhecedores do mesmo – 620 visitas de averiguação, na Rússia, para verificar a conformidade com os acordos. Eles visitaram os lugares sagrados do complexo de armas nucleares russas, ou seja, as empresas envolvidas no desenvolvimento de ogivas e munições nucleares e a quantidade de plutónio e urânio das armas. Os Estados Unidos obtiveram acesso a todas as instalações secretas da Rússia. O acordo também era quase unilateral.

Consoante o segundo acordo, os americanos fizeram mais 170 visitas às nossas fábricas de enriquecimento, visitando as áreas mais restritas, como as unidades de mistura e instalações de armazenamento. A fábrica de enriquecimento nuclear mais poderosa do mundo – o Grupo de Fábricas Eletroquímicas dos Urais – também tinha um posto de observação  permanente, para os americanos. Postos de trabalho permanentes foram criados directamente nas oficinas deste Grupo onde os especialistas americanos iam trabalhar todos os dias. As salas que ocupavam nessas instalações secretas russas, tinham bandeiras americanas, como acontece sempre.

Além disso, foi elaborada uma lista de 100 especialistas americanos de 10 organizações diversas dos EUA que tiveram o direito de realizar inspecções adicionais a qualquer momento e sem aviso prévio. Prolongou-se durante 10 anos. Sob este acordo, 500 toneladas de armas de urânio foram removidas da circulação militar na Rússia, o que equivale a cerca de 20 mil ogivas nucleares.

O programa HEU-LEU tornou-se uma das medidas mais eficazes do verdadeiro desarmamento na História da Humanidade – digo-o com total convicção. Cada passo do lado russo foi controlado de perto, por especialistas americanos, num momento em que os Estados Unidos se limitaram a reduções muito mais modestas do seu arsenal nuclear e fizeram-no baseados, apenas, em  boa vontade.

Os nossos especialistas também visitaram empresas do complexo de armas nucleares dos EUA, mas apenas a convite e em condições estabelecidas pelos EUA.

Como vêem, o lado russo demonstrou uma abertura e confiança absolutamente inéditas. Aliás – e provavelmente vamos falar sobre isto mais tarde – também é do conhecimento geral, o que recebemos em troca: negligência total de nossos interesses nacionais, apoio ao separatismo no Cáucaso, acção militar que contornou o Conselho de Segurança da ONU, como o bombardeio da Jugoslávia e de Belgrado, a introdução de tropas no Iraque etc. Bem, é fácil compreender: visto que as condições do complexo nuclear, as forças armadas e a economia haviam sido vistoriadas, o Direito Internacional parecia ser desnecessário.

Na década de 2000, a nossa cooperação com os Estados Unidos entrou numa nova fase de parceria verdadeiramente igualitária. Foi marcada pela assinatura de uma série de tratados e acordos estratégicos e sobre os usos pacíficos da energia nuclear, que é conhecido nos EUA como o Acordo 123. Mas, para todos os efeitos, os EUA interromperam unilateralmente o trabalho dentro do seu âmbito, em 2014.

A situação sobre o Acordo do Manejo e Disposição do Plutónio, (PMDA), em 2000, que foi assinado em Moscovo, em 20 de Agosto e em 1 de Setembro, em Washington, é duvidosa e alarmante. De acordo com o protocolo deste acordo, as partes deveriam tomar medidas recíprocas para conversão irreversível do plutónio das armas em combustível de óxido misto (MOX) e queimá-lo em reactores nucleares, de modo que não pudesse ser usado para fins militares. Qualquer alteração nesse método só era permitida com o consentimento de ambas as partes. Isto está escrito no acordo e nos protocolos.

O que é que a Rússia fez? Desenvolvemos esse combustível, construímos uma fábrica para produção em massa e, como promulgamos no acordo, construímos uma fábrica BN-800 que nos permitiu queimar com segurança esse combustível. Gostaria de salientar que a Rússia cumpriu todos os seus compromissos.

E o que fizeram os nossos parceiros americanos? Começaram a construir uma fábrica no Savannah River Site. O preço inicial foi de 4,86 ​​biliões de dólares, mas gastaram quase 8 biliões, empreenderam a construção até 70% e depois congelaram o projecto. Mas, com o nosso conhecimento, o pedido de orçamento para 2018 inclui 270 milhões de dólares para o encerramento e a remoção desta instalação. Como de costume, surge uma pergunta: Onde está o dinheiro? Provavelmente foi roubado. Ou calcularam mal algo, ao planear a sua construção. Tais coisas acontecem. Acontecem aqui, muitas vezes. Mas não estamos interessados ​​nisso, não é da nossa conta. O que nos preocupa é o que acontece ao urânio e ao plutónio. E a reciclagem do plutónio? Recomenda-se a diluição e o armazenamento geológico do plutónio. Mas o mesmo contradiz completamente o espírito e a letra do acordo, e, mais importante ainda, não garante que a diluição não seja reconvertida em plutónio empobrecido para ser usado em armas. Tudo isso é muito lamentável e desconcertante.

Adiante. A Rússia ratificou o Tratado de Proibição Completa de Testes Nucleares há mais de 17 anos. Os EUA ainda não o fizeram.

Uma massa crítica de problemas está a aumentar o risco da segurança global. Como é sabido, em 2002, os Estados Unidos abandonaram o Tratado de Mísseis Antibalísticos. E, apesar de serem os iniciadores da Convenção sobre a Proibição de Armas Químicas e de Segurança Internacional, eles iniciaram esse acordo, mas não cumpriram os seus compromissos. Permanecem, ainda hoje, como o único e maior detentor dessa forma de armas de destruição em massa. Os EUA também protelaram o prazo para a eliminação das suas armas químicas de 2007 para 2023. Não parece adequado para uma nação que afirma ser a defensora da não proliferação e do controlo de armas.

Na Rússia, pelo contrário, o processo foi concluído em 27 de Setembro, deste ano. Ao fazê-lo, o nosso país contribuiu significativamente para melhorar a segurança internacional. Por sinal, a comunicação mediática ocidental preferiu manter-se calada, não perceber, embora tenha havido uma menção fugaz algures, no Canadá, mas foi isso apenas, depois foi o silêncio. No entanto, o arsenal de armas químicas armazenadas pela União Soviética era suficiente para destruir, várias vezes, a vida no planeta.

Acredito que é hora de abandonar um programa obsoleto. Estou a reportar-me ao passado. Claro que devemos olhar em frente, temos de parar de olhar para trás. Estou a mencionar este assunto para compreender as origens da situação actual que está a tomar forma.

Chegou a hora de uma discussão franca entre a comunidade global e não apenas de um grupo escolhido, supostamente, o mais digno e avançado. Entre os representantes de diferentes continentes, tradições culturais e históricas, sistemas políticos e económicos. Num mundo em mudança, não podemos dar-nos ao luxo de sermos inflexíveis, fechados ou incapazes de responder de forma clara e rápida. Responsabilidade pelo futuro – isto é o que nos deve unir, especialmente em momentos como os actuais, em que tudo está a mudar rapidamente.

Jamais a Humanidade possuíu tanto poder como agora. O poder sobre a natureza, sobre o Espaço, sobre as comunicações e sobre a própria existência. No entanto, esse poder é difuso: os seus elementos estão nas mãos dos Estados, das corporações, das associações públicas e religiosas, e até de cidadãos individuais. Obviamentemente, aproveitar todos esses elementos numa arquitectura única, eficaz e viável  não é tarefa fácil. Vai ser preciso um trabalho árduo e difícil para consegui-lo. E a Rússia, di-lo-ei, está disposta a participar, juntamente com os parceiros interessados.

Colegas, como vemos o futuro da ordem internacional e do sistema de governo mundial? Por exemplo, em 2045, quando a ONU celebrar o aniversário do seu centenário? A sua criação tornou-se um símbolo do facto de que, apesar de tudo, a Humanidade é capaz de desenvolver regras comuns de conduta e segui-las. Sempre que essas regras não forem seguidas, resulta, inevitavelmente, em crises e outras consequências negativas.

No entanto, nas últimas décadas, houve várias tentativas de depreciar o papel dessa organização, desacreditá-la ou simplesmente assumir o controlo dela. Todas essas tentativas falharam, provavelmente, ou chegaram a um beco sem saída. Na nossa opinião, a ONU, com a sua legitimidade universal, deve permanecer no centro do sistema internacional. O nosso objectivo comum é aumentar a sua autoridade e eficácia. Hoje, não há nenhuma alternativa à ONU.

No que diz respeito ao direito de veto no Conselho de Segurança, que às vezes é desafiado, podem recordar que este mecanismo foi projectado e criado para evitar o confronto directo dos Estados mais poderosos, como garantia contra a arbitrariedade e a imprudência, de modo que nenhum país, mesmo o país mais influente, possa dar a aparência de legitimidade às suas acções agressivas.

Claro, permitam-nos enfrentar isso, os especialistas estão aqui e sabem que a ONU legitima as acções dos participantes individuais em assuntos internacionais após o facto. Bem, pelo menos é algo, mas também não levará a lugar nenhum.

São necessárias reformas, o sistema das Nações Unidas precisa de melhorias, mas as reformas só podem ser lentas, evolutivas e, claro, devem ser apoiadas pela esmagadora maioria dos participantes no processo internacional dentro da própria organização, por amplo consenso.

A garantia de eficácia da ONU reside na sua natureza representativa. A maioria absoluta dos Estados soberanos do mundo está aí representada. Os princípios fundamentais da ONU devem ser preservados durante anos e décadas a surgir, visto que não existe outra entidade que seja capaz de reflectir toda a gama de políticas internacionais.

Hoje em dia, estão a surgir novos centros de modelos de influência e crescimento e estão tomar forma, alianças de civilizações e associações políticas e económicas. Essa diversidade não conduz à unificação. Portanto, devemos esforçar-nos em harmonizar a cooperação. As organizações regionais da Eurásia, América, África, região da Ásia-Pacífico devem agir sob os auspícios das Nações Unidas e coordenar os seus trabalhos.

No entanto, cada associação tem o direito de funcionar de acordo com suas próprias idéias e princípios que correspondem às suas características culturais, históricas e geográficas. É importante combinar a interdependência e a abertura globais com a continuidade da identidade única de cada nação e de cada região. Devemos respeitar a soberania como base de todo o sistema de relações internacionais.

Colegas, não importa as alturas incríveis que a tecnologia possa alcançar, a História é, na verdade, feita por humanos. A História é feita por pessoas, com todos os seus pontos fortes e fracos, grandes conquistas e erros. Podemos ter, apenas, um futuro partilhado. Não pode haver futuros separados para nós, pelo menos, não no mundo moderno. Assim, a responsabilidade de garantir  um mundo próspero e livre de conflitos, reside em toda a comunidade internacional.

Como sabem, o 19º Festival Mundial da Juventude e dos Estudantes está a acontecer em Sochi. Jovens de dezenas de países estão a interagir com os seus pares e a debater assuntos que os preocupam. Eles não são prejudicados pelas diferenças culturais, nacionais ou políticas, e todos estão a sonhar com o futuro. Acreditam que as suas vidas, a vida das gerações mais jovens será melhor, mais justa e mais segura. A nossa responsabilidade hoje é fazer o nosso melhor para garantir que essas esperanças se tornem realidade.

Muito obrigado pela vossa atenção.

(Aplausos.)

Fyodor Lukyanov: Muito obrigado, Senhor Presidente. Gostaria de pedir um esclarecimento. Mencionou que a ciência e a tecnologia talvez sejam hoje, o factor mais crucial. No entanto, até nós, que somos as gerações actuais, recordamos as explosões de euforia sobre a importância da tecnologia e, mais tarde, a euforia desapareceu, até certo ponto e ficou claro que o que sempre foi fundamental – o território e a demografia – ainda são eternos e enquanto as tecnologias se adaptam, os fundamentos permanecem mais decisivos.

Por que é que considera que agora ambos têm o potencial de ser um factor de mudança?

Vladimir Putin: Os pontos que mencionou permanecem valores eternos e fundamentais. Não é por acaso que a Tora declara que desistir do território é um grande pecado. Tanto o território como a riqueza da terra, as pessoas – todos eles são os factores mais importantes.

Mas hoje houve uma mudança qualitativa. A taxa de mudança é muito alta. O Sr. Gref deve ter-lhe dito (ele consegue contar esses contos até ao amanhecer) que está a tornar-se fácil de ver – que a ciência e a tecnologia estão a tornar-se os factores decisivos na área da segurança militar e da política internacional. Está tudo a acontecer rapidamente e as mudanças são irreversíveis.

Fyodor Lukyanov: Muito obrigado, Senhor Presidente.

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Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
Email: luisavasconcellos2012@gmail.com

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