28/1/2021, à reunião (online) da “Agenda 21” do Fórum Econômico Mundial, in Russia Briefing. Photo: Russia Briefing
“O discurso de Vladimir Putin, à reunião “Agenda 21” do Forum de Davos, ontem, já está sendo comparado ativamente ao seu discurso de Munique, de 2007.
É, há algo comum, sim aos dois discursos: são falas de tão amplo alcance [nacional e internacional], quanto os discursos “Irmãos e Irmãs”, em 1941; e “Ao grande povo russo”, de Stálin, em 1945”.
(29/1/2021, Rostislav Ishchenko, StalkerZone, dica de Pepe Escobar, em Facebook)
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“Sr. Schwab, caro Klaus, Colegas,
Estive em Davos muitas vezes, participando dos eventos organizados pelo Sr. Schwab, já nos anos 90s. Klaus acabou de lembrar que nos encontramos em 1992. De fato, durante meu tempo em São Petersburgo, visitei muitas vezes esse importante fórum. Gostaria de agradecer por essa oportunidade, hoje, para transmitir meu ponto de vista à comunidade de especialistas que se reúne nessa plataforma de renome mundial, graças aos esforços do Sr. Schwab.
Antes de tudo, senhoras e senhores, gostaria de saudar todos os participantes do Fórum Econômico Mundial.
É gratificante que este ano, apesar da pandemia, apesar de todas as restrições, o fórum ainda continue seu trabalho. Embora limitado à participação online, o fórum está acontecendo, proporcionando oportunidade para os participantes trocarem suas avaliações e previsões, ao longo de discussão aberta e livre, compensando parcialmente a crescente falta de reuniões presenciais entre líderes de estados, representantes de empresas internacionais e o público nos últimos meses. Tudo isso é muito importante agora, quando temos de responder tantas perguntas difíceis.
O fórum atual é o primeiro no início da terceira década do século 21 e, naturalmente, a maioria de seus tópicos é dedicada às profundas mudanças que estão ocorrendo no mundo.
De fato, é difícil ignorar as mudanças fundamentais na economia global, na política, na vida social e na tecnologia.
A pandemia acelerou mudanças cujas condições foram criadas há muito tempo.
A pandemia do coronavírus, que Klaus acabou de mencionar, que se tornou sério desafio para a humanidade, apenas estimulou e acelerou as mudanças estruturais, cujas condições haviam sido criadas há muito tempo. A pandemia exacerbou os problemas e desequilíbrios que se acumularam no mundo antes.
Há todos os motivos para acreditar que as diferenças podem vir a se acentuar.
Estas tendências podem aparecer praticamente em todas as áreas.
Situação atual é comparável à situação nos anos 1930
Desnecessário dizer que a atual situação não tem paralelos diretos na história. Entretanto, alguns especialistas – e eu respeito a opinião deles – já comparam a situação atual e o que o mundo viveu nos anos 30.
Pode-se concordar ou discordar, mas certas analogias continuam sugeridas por muitos parâmetros, incluindo a natureza abrangente e sistêmica dos desafios e ameaças potenciais.
Estamos assistindo a uma crise dos modelos e instrumentos antes vigentes, de desenvolvimento econômico. A estratificação social está-se petrificando, seja globalmente seja em países individuais. Também já falamos sobre isso antes.
Mas essa estratificação, hoje, por sua vez, está causando forte polarização das opiniões públicas, provocando o crescimento do populismo, do radicalismo de direita e de esquerda e outros extremos, e a exacerbação dos processos políticos internos, inclusive nos países líderes.
Tudo isso está afetando inevitavelmente a natureza das relações internacionais. E não as está tornando mais estáveis ou previsíveis. As instituições internacionais estão cada vez mais fracas, os conflitos regionais surgem um após o outro, e o sistema de segurança global está em deterioração.
Klaus mencionou a conversa que tive ontem com o Presidente dos EUA sobre o prolongamento do Novo Tratado para Redução de Armas Estratégicas [ing. Strategic Arms Reduction Treaty] START.
Este é, sem dúvida, um passo na direção certa. No entanto, as diferenças estão levando a uma espiral descendente. Como vocês sabem, a incapacidade e a falta de disposição para encontrar soluções substantivas para problemas como esse levou, no século 20, levou à catástrofe que foi a Segunda Guerra Mundial.
É claro que conflito global tão intenso é, em princípio, impossível. Espero que seja e nisto que estou depositando minhas esperanças – porque num conflito como aquele, hoje, a humanidade seria aniquilada.
Entretanto, como já disse, a situação pode ainda tomar rumo inesperado e incontrolável – a menos que façamos algo para evitar que assim aconteça. É muito possível que enfrentemos quebra formidável no desenvolvimento global, que virará marcada por guerra de todos contra todos e tentativas de lidar com as contradições mediante o recurso de inventar e apontar inimigos internos e externos, e de destruir, não só valores tradicionais, como a família, que são caros para nós, na Rússia, mas também as liberdades fundamentais, como o direito de escolha e a privacidade.
Gostaria de ressaltar as consequências demográficas negativas da crise social em curso e da crise de valores, que poderiam resultar na perda de continentes civilizacionais e culturais inteiros para a humanidade.
Temos responsabilidade compartilhada na tarefa de evitar este cenário, que nos aparece como distopia sinistra. E de assegurar, em vez disso, que nosso desenvolvimento tome trajetória diferente – positiva, harmoniosa e criativa.
Neste contexto, eu gostaria de falar mais detalhadamente sobre os principais desafios que, creio, a comunidade internacional enfrenta hoje.
O primeiro desafio é desafio socioeconômico
De fato, a julgar pelas estatísticas, e apesar das crises profundas de 2008 e 2020, os últimos 40 anos podem ser chamados de bem-sucedidos ou mesmo de super bem-sucedidos para a economia global. A partir de 1980, o PIB per capita global dobrou em termos de paridade real de poder de compra [ing. PPP]. Este é definitivamente indicador positivo.
A globalização e o crescimento doméstico levaram a forte crescimento nos países em desenvolvimento e tiraram mais de um bilhão de pessoas da pobreza. Assim, se tomarmos um nível de renda de US$ 5,50 por pessoa por dia (PPP), e de acordo com o Banco Mundial, por exemplo, na China, o número de pessoas com a mais baixa renda passou de 1,1 bilhão em 1990 para menos de 300 milhões nos últimos anos. Aí está, sem dúvida possível, o sucesso da China.
Na Rússia, este número passou de 64 milhões de pessoas em 1999 para cerca de 5 milhões atualmente. Acreditamos que nisso também há em nosso país notável progresso. E, a propósito, na área mais importante.
Qual a natureza deste crescimento global e quem mais se beneficiou dele?
Tudo isso considerado, ainda assim a principal pergunta, cuja resposta pode em muitos aspectos dar-nos uma pista para superarmos os problemas de hoje, é: Qual a natureza deste crescimento global e quem mais se beneficiou dele?
É claro que, como mencionei anteriormente, os países em desenvolvimento beneficiaram-se muito com a crescente demanda por seus produtos tradicionais e até mesmo por novos produtos. Entretanto, esta integração na economia global resultou em mais do que apenas novos empregos ou maiores receitas de exportação.
A integração na economia global também teve seus custos sociais, incluindo lacuna significativa na renda individual.
E quanto às economias desenvolvidas: onde a renda média seria muito mais alta? Pode parecer irônico, mas a estratificação e a diferença, nos países desenvolvidos, são ainda mais profundas.
De acordo com o Banco Mundial, em 2000, 3,6 milhões de pessoas subsistiram com rendimentos inferiores a US$ 5,50 por dia, nos Estados Unidos. Mas em 2016 aquele número crescera para 5,6 milhões de pessoas.
Enquanto isso, a globalização levou a aumento significativo na receita de grandes empresas multinacionais, principalmente americanas e europeias.
A propósito, em termos de renda individual, as economias desenvolvidas da Europa mostram a mesma tendência que os EUA.
Mas então, novamente em termos de lucros corporativos, quem recolheu a receita? A resposta é clara: 1% da população.
E o que aconteceu na vida de outras pessoas? Nos últimos 30 anos, em vários países desenvolvidos, a renda real de mais da metade dos cidadãos estagnou, não cresceu. Enquanto isso, o custo da educação e dos serviços de saúde subiu. Vocês sabem o quanto subiu? Esses custos triplicaram.
Em outras palavras, milhões de pessoas, mesmo em países ricos, deixaram de esperar que sua renda aumentasse. Enquanto isso, elas se deparam com o problema de como manter a si mesmas e seus pais saudáveis e de como proporcionar educação decente aos filhos.
Não há vagas para emprego de enorme massa de pessoas, e esse número continua crescendo. Assim aconteceu que, de acordo com a Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 2019 21% – 267 milhões – dos jovens, em todo o mundo, não estudaram nem trabalharam, trabalho nenhum e estudo nenhum. Mesmo entre aqueles que tinham empregos (e são números interessantes) 30% tinham uma renda inferior a 3,2 dólares por dia em termos de Paridade do Poder de Compra.
Esses desequilíbrios no desenvolvimento socioeconômico global são resultado direto da política adotada nos anos 80, frequentemente vulgar ou dogmática.
Aquela política baseava-se no chamado Consenso de Washington, de regras não escritas, pelas quais se deu prioridade ao crescimento econômico baseado em dívida privada em condições de desregulamentação e de impostos baixos sobre os ricos e as grandes empresas.
Como já mencionei, a pandemia do coronavírus só exacerbou esses problemas.
No último ano, a economia global sofreu seu mais longo período de declínio constante desde a Segunda Guerra Mundial.
Em julho, o mercado de trabalho havia perdido quase 500 milhões de empregos. Sim, metade deles foram restaurados até o final do ano, mas ainda assim quase 250 milhões de empregos continuaram perdidos. É número grande e muito alarmante.
Somente nos primeiros nove meses do ano passado, as perdas de salário atingiram 3,5 trilhões de dólares. Este número está aumentando e, portanto, aumenta também a tensão social.
Ao mesmo tempo, a recuperação pós-crise não é, de modo algum, simples. Se há 20 ou 30 anos teríamos resolvido o problema estimulando as políticas macroeconômicas (o que, vale lembrar, ainda está sendo feito), hoje tais mecanismos atingiram seus limites e já não são eficazes. Este recurso sobreviveu à própria serventia. Esta não é conclusão pessoal infundada.
De acordo com o FMI, o total agregado da dívida soberana e privada aproximou-se de 200% do PIB global, e esse já ultrapassou 300% do PIB nacional em alguns países. Ao mesmo tempo, as taxas de juros nas economias de mercado desenvolvidas são mantidas em quase zero e estão em nível historicamente baixo nas economias de mercado emergentes.
Em conjunto, esses fatores tornam praticamente impossível o estímulo econômico pelos métodos tradicionais, com aumento dos empréstimos privados.
A chamada “flexibilização quantitativa” só faz aumentar a bolha do valor dos ativos financeiros e aprofundar a divisão social. A crescente ravina que separa a economia real e a economia virtual (aliás, representantes do setor da economia real de muitos países já me falaram disso em inúmeras ocasiões, e acredito que os representantes de empresas presentes nesta reunião concordarão comigo) representa ameaça muito real e está repleta de choques sérios e imprevisíveis.
As esperanças de que será possível reiniciar o velho modelo de crescimento estão ligadas ao rápido desenvolvimento tecnológico. De fato, durante os últimos 20 anos, criamos uma base para a chamada Quarta Revolução Industrial, com amplo uso da Inteligência Artificial, da automação e da robótica.
A pandemia de coronavírus também acelerou enormemente esses projetos e sua implementação.
Entretanto, este processo está levando a novas mudanças estruturais. Penso aqui, especialmente, no mercado de trabalho. Hoje, muitas pessoas podem perder seus empregos, a menos que o Estado tome medidas eficazes para evitar esse efeito conhecido. A maioria dessas pessoas é da chamada classe média, que é a base de qualquer sociedade moderna.
O segundo desafio da próxima década é o desafio sociopolítico
Neste contexto, eu gostaria de mencionar o segundo desafio fundamental da próxima década – o desafio sociopolítico. O aumento dos problemas econômicos e da desigualdade está dividindo a sociedade, provocando a intolerância social, racial e étnica.
Indicativo claro e preocupante é que estas tensões estão estourando mesmo nos países com instituições aparentemente civis e democráticas, concebidas para aliviar e deter tais fenômenos e excessos.
Os problemas socioeconômicos sistêmicos estão disparando tal descontentamento social, que exigem atenção especial e soluções reais. A perigosa ilusão de que eles poderiam ser ignorados ou empurrados para um canto vem carregada de graves consequências.
Neste caso, a sociedade também estará dividida política e socialmente. Isto é inevitável porque as pessoas estão insatisfeitas não por algumas questões abstratas, mas por problemas reais que dizem respeito a todos, independentemente das visões políticas que as pessoas tenham ou pensem que tenham. Enquanto isso, problemas reais provocam descontentamento.
As modernas empresas gigantes de tecnologia
Gostaria de enfatizar mais um ponto importante. Os gigantes tecnológicos modernos, especialmente as empresas digitais, começaram a desempenhar papel cada vez maior na vida da sociedade. Muito está sendo dito sobre isto agora, especialmente em relação aos eventos que ocorreram durante a campanha eleitoral nos EUA.
Essas empresas não são meros gigantes econômicos. Em algumas áreas, essas empresas competem, de fato, contra o Estado. Seu público consiste em bilhões de usuários que passam parte considerável da própria vida mergulhados nesses ecossistemas.
Na opinião dessas empresas, o monopólio seria excelente ‘solução’ para organizar os processos tecnológicos e comerciais. Talvez seja. Mas a sociedade pergunta-se hoje se tanto monopolismo atenderia aos interesses públicos.
Onde está a fronteira entre negócios globais bem-sucedidos, serviços on demand e massas gigantescas de dados consolidados, além das tentativas de administrar a sociedade por critérios daqueles negócios e, sem flexibilidade, substituir instituições democráticas legais e, na essência, usurpar ou restringir o direito natural das pessoas a decidir por si mesmas como querem viver, o que querem escolher e que posição querem expressar livremente?
Acabamos de ver todos esses fenômenos nos EUA, e todos entendem do que estou falando.
Confio que a esmagadora maioria das pessoas compartilha essa posição, incluindo os participantes deste evento.
O terceiro desafio: as questões internacionais
E, finalmente, o terceiro desafio, ou melhor, uma clara ameaça que podemos encontrar na próxima década, é a exacerbação de muitos problemas internacionais. Afinal, os problemas socioeconômicos internos não resolvidos e crescentes podem levar as pessoas a procurar um bode expiatório sobre quem depositar a responsabilidade por todos os seus problemas, e contra quem redirecionar a irritação e o descontentamento generalizados. Já podemos ver isso. Sente-se que a retórica da propaganda da política externa está subindo de tom.
Podemos esperar que a natureza das ações práticas também se torne mais agressiva, incluindo a pressão sobre os países que não concordam com ser desqualificados como satélites obedientemente controlados, com a implantação de barreiras comerciais, com a imposição de sanções ilegítimas e de restrições nas esferas financeira, tecnológica e cibernética.
Jogo assim, completamente sem regras, eleva a níveis críticos o risco de recurso unilateral à força militar. Nessas perigosas circunstâncias, o que em jogo é usar a força sob qualquer pretexto rebuscado. Assim se multiplica a probabilidade de que surjam novos ‘pontos quentes’ em nosso planeta. Isto nos preocupa.
Colegas,
apesar deste emaranhado de diferenças e desafios, certamente devemos manter uma perspectiva positiva sobre o futuro e continuar comprometidos com uma agenda construtiva. Seria ingênuo elaborar receitas milagrosas universais para a solução dos problemas que nos cercam, acima mencionados.
Mas com absoluta certeza temos de tentar construir abordagens comuns, aproximar o mais possível nossas posições e identificar fontes que continuem a gerar tensões globais.
Mais uma vez, quero enfatizar minha tese de que os problemas socioeconômicos acumulados são a razão fundamental para a instabilidade do crescimento global.
Portanto, a questão-chave hoje é como construir um programa de ações a fim de não apenas restaurar rapidamente as economias globais e nacionais afetadas pela pandemia, mas para garantir que esta recuperação seja sustentável a longo prazo, erguida sobre estrutura de alta qualidade e ajude a superar o peso dos desequilíbrios sociais.
Claramente, mantendo-se em mente as restrições acima e a política macroeconômica, o crescimento econômico dependerá em grande parte de incentivos fiscais com orçamentos estatais e bancos centrais desempenhando papel decisivo.
Na verdade, podemos ver este tipo de tendências nos países desenvolvidos e também em algumas economias em desenvolvimento.
Atribuir ao Estado papel crescente na esfera socioeconômica em nível nacional implica obviamente maior responsabilidade e interação estreita entre os Estados, quando se discutirem questões da agenda global.
Apelos ao crescimento inclusivo e à criação de padrões de vida dignos para todos são feitos regularmente em vários fóruns internacionais. É assim que deve ser, e esta é uma visão absolutamente correta de nossos esforços conjuntos.
É evidente que o mundo não pode continuar a insistir numa economia que beneficiará apenas um milhão de pessoas, ou mesmo o bilhão de ouro. Este preceito é destrutivo. Este modelo é desequilibrado por padrão.
Desenvolvimentos recentes, incluindo as crises migratórias, reafirmaram isto mais uma vez.
Agora temos de passar da declaração de fatos, à ação
Agora temos de investir nossos esforços e recursos para reduzir a desigualdade social em países individuais e para reequilibrar gradualmente os padrões de desenvolvimento econômico de diferentes países e regiões do mundo. Assim se poria fim às crises criadas por grandes migrações.
A essência e o foco desta política destinada a garantir desenvolvimento sustentável e harmonioso são claros. Implicam criarem-se novas oportunidades para todos, condições sob as quais todos encontrem meios para se desenvolver e realizar seu potencial, independentemente de onde tenham nascido ou de onde estejam vivendo.
Gostaria de apontar quatro prioridades-chave, como as vejo. Talvez seja notícia velha, mas como Klaus me permitiu apresentar a posição da Rússia, a minha posição, sem dúvida o farei.
Quatro prioridades-chaves: a visão da Rússia
Primeiro, todos devem ter condições de vida confortáveis, incluindo moradia e transporte acessível, energia e infraestrutura de serviços públicos. Mais o bem-estar ambiental – que não se pode negligenciar.
Segundo, todos devem ter certeza de que terão emprego que possa garantir o crescimento sustentável da renda e, portanto, padrão decente de vida. Todos devem ter acesso a sistema eficaz de educação vitalícia – absolutamente indispensável agora e que permitirá que as pessoas se desenvolvam, façam carreira e recebam uma pensão e benefícios sociais decentes, quando se aposentarem.
Em terceiro lugar, as pessoas devem poder confiar que receberão atendimento médico de alta qualidade e eficaz sempre que necessário, e que o sistema nacional de saúde garantirá o acesso a serviços médicos modernos.
Quarto, independentemente da renda familiar, as crianças devem poder receber educação decente e realizar seu potencial. Toda criança tem potencial.
Esta é a única maneira de garantir o desenvolvimento econômico num mundo de economia moderna, no qual as pessoas são vistas como o objetivo principal, não como ferramentas.
Só conseguirão promover e viabilizar o próprio crescimento, que terá de ser sustentável e inclusivo, os países que sejam capazes de alcançar progresso em pelo menos estas quatro áreas. Não são as únicas áreas a serem consideradas, e acabo de mencionar os aspectos principais.
Uma das estratégias, que também estamos implementando em nosso país, depende precisamente destas abordagens. Nossas prioridades giram em torno das pessoas, das suas famílias, e visam a assegurar o desenvolvimento demográfico, a proteger as pessoas, a melhorar o bem-estar e a proteger a saúde.
Agora trabalhamos para criar condições favoráveis para trabalho digno e econômico; para empreendimentos bem-sucedidos; e para assegurar a transformação digital como base de um futuro de alta tecnologia para todo o país – não futuro seletivo, para grupo restrito de empresas.
Pretendemos concentrar nestas tarefas os esforços do Estado, da comunidade empresarial e da sociedade civil; e implementar nos próximos anos, política orçamentária com incentivos relevantes.
Estamos abertos à mais ampla cooperação internacional, ao mesmo tempo em que vamos alcançando nossos objetivos nacionais.
Confiamos que a cooperação em assuntos da agenda socioeconômica global venha a ter influência positiva sobre a atmosfera geral nos assuntos globais; e que a interdependência na abordagem dos problemas agudos atuais também colaborará para aumentar a confiança mútua – o que é particularmente importante, além de exigência muito atual nos dias de hoje.
Obviamente, está encerrada a era das tentativas de construir ordem mundial centralizada e unipolar.
Para ser honesto, nem se pode dizer que aquela era tenha sequer começado. Apenas se viu alguma mera tentativa naquela direção.
A essência daquele monopólio contrariou as forças da diversidade cultural e histórica da nossa civilização. Hoje, aquela tentativa também já é história.
A realidade é tal que já tomaram forma no mundo vários centros de desenvolvimento realmente diferentes, com instituições públicas distintas, modelos e sistemas políticos distintos.
Importante hoje é criar mecanismos para harmonizar interesses, para evitar que a diversidade e a competição esperável entre polos de desenvolvimento desencadeie anarquia e conflitos prolongados.
Para alcançar isto, devemos, em parte, consolidar e desenvolver instituições universais que tenham responsabilidade especial por garantir a estabilidade e a segurança no mundo e por formular e definir as regras de conduta, tanto na economia como no comércio globais.
Já mencionei mais de uma vez que muitas destas instituições não vivem hoje seu melhor momento. Temos repetido isto em várias cúpulas.
Claro que estas instituições universais foram criadas em outra época, diferente. Isto é claro. Provavelmente, estas instituições até têm dificuldade ao enfrentar os desafios modernos, por razões bem objetivas.
Entretanto, gostaria de enfatizar que isto não justificaria desistir delas sem oferecer nada em troca, tanto mais que estas estruturas acumulam experiência de trabalho excepcional e única, e enorme, mas em grande parte inexplorado, potencial. Com certeza essas instituições internacionais precisam ser cuidadosamente adaptadas às realidades modernas. É muito cedo para descartá-las na lata do lixo da história. É essencial trabalhar com elas e usá-las.
O multidiversidade, o multilateralismo
Naturalmente, além daquelas instituições, é importante utilizar novos formatos adicionais de cooperação. Estou-me referindo a fenômenos como a multiversidade, o multilateralismo.
Naturalmente, também é possível interpretar a multiversidade de várias formas, cada país à sua maneira. Pode ser vista como tentativa para impor os próprios interesses ou falsificar alguma autolegitimação das próprias ações, quando nada resta aos demais que acenar com a cabeça sempre em aprovação. Ou pode ser esforço conjunto dos Estados soberanos para resolver problemas específicos, com vistas ao benefício comum.
Neste caso, a multiversidade, o multilateralismo, pode referir-se aos esforços para resolver conflitos regionais, estabelecer alianças tecnológicas e resolver muitas outras questões, incluindo a formação de corredores de transporte e energia que atravessem fronteiras nacionais, etc., etc.
Amigos,
Senhoras e senhores,
Abrem-se hoje muitas e amplas possibilidades de colaboração. As abordagens multifacetadas funcionam. Sabemos, pela prática, que funcionam.
Como os senhores talvez já saibam, no âmbito, por exemplo, do formato Astana, Rússia, Irã e Turquia estão fazendo muito para estabilizar a situação na Síria. Atualmente, ajudamos a estabelecer diálogo político naquele país, ao lado, naturalmente, de outros países. Estamos fazendo isso juntos. E, o que é importante, não sem sucesso.
Por exemplo, a Rússia empreendeu esforços enérgicos de mediação para deter o conflito armado em Nagorno-Carabaque, no qual estão envolvidos povos e estados que nos são próximos – Azerbaijão e Armênia.
Procuramos seguir os principais acordos alcançados pelo Grupo de Minsk da Organização para Segurança e Cooperação na Europa [ing. OSCE], em particular entre seus copresidentes – Rússia, Estados Unidos e França. Este é também exemplo muito bom de cooperação.
Como os senhores devem saber, uma declaração trilateral da Rússia, Azerbaijão e Armênia foi assinada em novembro. É importante notar que, de modo geral, ela está sendo implementada sem interrupção. O derramamento de sangue foi interrompido – e isto é o mais importante. Conseguimos parar o derramamento de sangue, conseguimos completo cessar-fogo completo e pode-se iniciar o processo de estabilização.
Agora a comunidade internacional e, sem dúvida, os países envolvidos na resolução da crise enfrentam a tarefa de ajudar as áreas afetadas a superar os desafios humanitários relacionados ao retorno dos refugiados, reconstruir a infraestrutura destruída, proteger e restaurar os marcos históricos, religiosos e culturais.
Ou, outro exemplo, anoto o papel da Rússia, da Arábia Saudita, dos EUA e de vários outros países na estabilização do mercado global de energia. Este formato tornou-se exemplo produtivo de interação entre os estados que fazem avaliações diferentes, às vezes até diametralmente opostas, dos processos globais, e têm perspectivas suas, sobre o mundo.
Ao mesmo tempo, certamente existem problemas que dizem respeito a todos os estados, sem exceção. Por exemplo, a cooperação no estudo e na luta contra a infecção pelo coronavírus. Como os senhores sabem, têm surgido várias cepas deste perigoso vírus. A comunidade internacional deve criar condições para a cooperação entre cientistas e outros especialistas, para entender como e por que ocorrem as mutações do coronavírus, assim como as diferenças que haja entre as diversas cepas.
É claro que precisamos coordenar os esforços do mundo inteiro, como sugere o Secretário-Geral da ONU e como pedimos recentemente na cúpula do G20. É essencial unir e coordenar os esforços do mundo inteiro para combater a propagação do vírus e tornar mais acessíveis as tão necessárias vacinas.
Precisamos ajudar os países que precisam de apoio, incluindo as nações africanas. Estou-me referindo à expansão da escala de testes e vacinas.
Vemos que a vacinação em massa é acessível hoje em dia, principalmente às pessoas nos países desenvolvidos. Enquanto isso, milhões de pessoas no mundo estão privadas até mesmo da esperança desta proteção.
Na prática, tal desigualdade poderia criar grave ameaça para todos, porque – isto é bem conhecido e já foi dito muitas vezes – pode prolongar a epidemia e prolongar os surtos e a carência de recursos.
Não há fronteiras para infecções ou pandemias. Portanto, devemos aprender as lições da situação atual e sugerir medidas destinadas a melhorar os meios para monitorar o surgimento e a disseminação dessas doenças no mundo.
Outra área importante que requer coordenação de fato – coordenação dos esforços de toda a comunidade internacional – é da preservação do clima e da natureza de nosso planeta. E quanto a isso não digo qualquer novidade.
Somente juntos poderemos alcançar progressos na resolução de problemas críticos como o aquecimento global, a redução das florestas, a perda da biodiversidade, o aumento dos resíduos, a poluição dos oceanos com plástico e assim por diante, e encontrar um equilíbrio ideal entre o desenvolvimento econômico e a preservação do meio ambiente para as gerações atuais e futuras.
Meus amigos,
Todos sabemos que a concorrência e a rivalidade entre países na história mundial nunca pararam, não param e nunca irão parar. As diferenças e o choque de interesses também são naturais para um corpo tão complicado como a civilização humana. Entretanto, em momentos de graves dificuldades, as diferenças e o choque não impediram a união dos esforços de todos. – Ao contrário, a humanidade uniu-se nos destinos mais importantes da humanidade. Acredito que o momento que atravessamos hoje seja um desses momentos extremos.
É muito importante avaliar honestamente a situação, concentrar-se em problemas globais reais, não em problemas artificiais e em falsos problemas, em remover os desequilíbrios que são críticos para toda a comunidade internacional. Estou certo de que desta forma seremos capazes de alcançar o sucesso e de enfrentar adequadamente os desafios da terceira década do século 21.
Gostaria de terminar aqui essa minha fala, e agradecer a todos pela paciência e pela atenção.
Muito obrigado a todos vocês.
Klaus Schwab: Muito obrigado, Sr. Presidente. Vamos nos preparar para a sessão de discussões, mas tenho uma pergunta muito breve. É uma pergunta que discutimos quando o visitei em São Petersburgo há 14 meses. Como o senhor vê o futuro das relações entre Europa e Rússia? Por favor, mesmo que seja só resposta curta.
Vladimir Putin: Você sabe que existem coisas de natureza absolutamente fundamental, como nossa cultura comum. Grandes figuras políticas europeias falaram no passado recente sobre a necessidade de expandir as relações entre Europa e Rússia, dizendo que a Rússia é parte da Europa. Geograficamente e, o mais importante, culturalmente, somos uma civilização. Os líderes franceses têm falado da necessidade de criar um espaço único de Lisboa até os Urais. Acredito nisso, e perguntei ‘mas por que parar nos Urais? Que seja de Lisboa até Vladivostok.
Pessoalmente ouvi o notável político europeu, ex-chanceler Helmut Kohl, dizer que se queremos que a cultura europeia sobreviva e permaneça um centro da civilização mundial no futuro, tendo em mente os desafios e tendências subjacentes à civilização mundial, então, é claro, a Europa Ocidental e a Rússia devem estar juntas. É difícil discordar disso. Nós temos exatamente o mesmo ponto de vista.
Claramente, a situação de hoje não é normal. Temos de voltar a uma agenda positiva. Isto é do interesse da Rússia e, estou confiante, dos países europeus. Claramente, a pandemia também aí tem desempenhado papel negativo. Nosso comércio com a União Europeia está em baixa, embora a UE seja um de nossos principais parceiros comerciais e econômicos. Nossa agenda inclui o retorno às tendências positivas e o desenvolvimento do comércio e da cooperação econômica.
A Europa e a Rússia são parceiros absolutamente naturais do ponto de vista da economia, pesquisa, tecnologia e desenvolvimento espacial da cultura europeia, uma vez que a Rússia, sendo país de cultura europeia, é um pouco maior do que toda a UE em termos de território. Os recursos e o potencial humano da Rússia são enormes. Não vou passar em revista tudo o que é positivo na Europa, o que também pode beneficiar a Federação Russa.
Só uma coisa importa: precisamos abordar honestamente o diálogo entre nós. Precisamos descartar as fobias do passado, deixar de usar os problemas que herdamos dos séculos passados nos processos políticos internos e olhar para o futuro. Se pudermos superar esses problemas do passado e nos livrarmos dessas fobias, certamente desfrutaremos de uma etapa positiva em nossas relações.
Estamos prontos para isso, queremos isso, e nos esforçaremos para fazer isso acontecer. Mas o amor é impossível se só um lado declarar-se. A declaração tem de ser mútua” [fim da transcrição].
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