Joaquim Alves – 18 de abril de 2022
Imagem de capa: Imran Khan: “I will never bow to a worldly force!!”. Comicio em Carachi.
Continuamos a acompanhar o desenlace político do golpe parlamentar que destituiu Imran Khan do poder e levou o país a uma crise sem precedentes. A explosão de manifestações populares é uma clara mensagem que o novo governo não terá paz enquanto não sejam organizadas novas eleições.
A seguir há uma síntese com os principais eventos recentes, depois será destacado o comício de Carachi organizado pelo Paquistão Thereek-e-Insaf (PTI – Movimento do Paquistão pela Justiça, fundado e liderado por Khan), complementando com algumas informações tópicas de conjuntura.
Breve linha do tempo sobre a conjuntura política recente no Paquistão de 2022.
- 21 de janeiro – A oposição se prontifica a elaborar uma moção de desconfiança contra o governo.
- 3 a 6 de fevereiro – Imran Khan visita a China, resultando na assinatura de uma declaração conjunta em torno do Corredor Econômico China-Paquistão (CPEC).
- 7 de fevereiro – Principais partidos da oposição, (Pakistan Peoples Party – PPP) de Bilawal Bhutto e a Liga Muçulmana do Paquistão (Pakistan Muslin League-Nawaz – PML-N) de Shehbaz Sharif discutiram oficialmente a moção de destituição de Khan
- 11 de fevereiro – Fazal-ur-Rehman, presidente do Movimento Democrático do Paquistão, expressou sua intenção de impetrar um voto de desconfiança contra o governo.
- 23 e 24 de fevereiro – Imran Khan faz uma visita diplomática à Rússia para tratar de acordos de comercialização de trigo e de gás.
- 8 de março – Shehbaz Sharif apresenta uma moção contra Imran Khan na Assembleia Nacional, o Voto de desconfiança é registrado.
- 19 de março – Khan critica os desertores do PTI que agora foram para a oposição.
- 20 de março – Nova tentativa por parte da oposição em chamar uma reunião e aprovar o voto de desconfiança contra Khan.
- 23 de março – Imran Khan faz uma declaração afirmando que não renunciaria.
- 27 de março – Comício de Imran Khan em Islamabad denunciando interferência estrangeira no pedido de voto de desconfiança que ocorria no congresso.
- 28 de março – Shehbaz Sharif liderando a oposição apresentou a moção de desconfiança contra Khan. Posteriormente a sessão foi suspensa.
- 30 de março – Khan perde a maioria dos assentos na Assembleia Nacional após a perda da aliança com o partido Muttahida Qaumi Movmement – Pakistan (MQM-P).
- 31 de março – Declaração de cerca de 40 minutos de Imran Khan à nação.
- 31 de março – Ocorre a 370 reunião do Conselho de Segurança nacional do Paquistão (CSN), o mais alto órgão de segurança do país, presidido por Imran Khan. Desta reunião é emitida uma declaração conjunta sobre a ameada vinda de um funcionário estrangeiro ao Ministério de Relações Exteriores. Segundo reportagem do Global Village Space, houve a emissão de uma diligência por parte do Ministério de Relações Exteriores do Paquistão ao chefe de missão dos EUA no país e em Washington (ver: Khan Muhammad Tahir Abbas. Interpreting the US-backed regime change operation in Pakistan. https://www.globalvillagespace.com/interpreting-the-us-backed-regime-change-operation-in-pakistan/).
- 31 de março – Novo adiamento para a votação da moção por parte da Assembleia Nacional para o dia 3 de abril.
- 3 de abril – O então vice presidente do Paquistão, Qasin Khan Suri, rejeita a moção de censura. O presidente do Paquistão, Arif Alvi, dissolveu o parlamento a pedido de Imran Khan, que convocou eleições antecipadas para o cargo em 90 dias.
- 7 de abril – Segundo denúncia de Khan, o secretário de Estado dos EUA para assunto da ásia Meridional e Central, Donald Lu, convocou Asad Majeed, embaixador paquistanês em Washington, para alertar das consequências em caso de manutenção de Khan no poder.
- 7 de abril – A Suprema Corte do Paquistão reverte a decisão de dissolução da Assembleia Nacional.
- 9 de abril – A Assembleia Nacional do Paquistão aprova o voto de desconfiança com 174 votos a favor num conjunto de 342 assentos e Imran Khan é deposto como Primeiro Ministro.
- 10 de abril – Shahbaz Sharif prestou juramento como 23 Primeiro Ministro do Paquistão. Protestos massivos eclodem em todo o Paquistão.
- 11 de abril – Shahbaz Sharif é eleito Primeiro Ministro do Paquistão. Diversos países importantes dão as boas vindas ao novo governo.
- 13 de abril – Jalsa ocorre em Peshawar com a presença de Imran Khan e de uma massiva presença da população. Ocorre a renúncia de 125 parlamentares do PTI na Assembleia Nacional.
https://twitter.com/QasimKhanSuri/status/1514540345404510214
- 14 de abril – Declarações do exército paquistanês que apoiou a ida de Khan à Rússia, mas se afastando do mesmo em relação a afirmação sobre a conspiração imperialista para derrubá-lo do poder.
- 15 de abril – Militantes do PTI organizam o espaço para a próxima jalsa em Carachi
Comício de Carachi
Como os leitores podem ter percebido, as recentes manifestações populares que estão acontecendo no Paquistão estão sendo organizadas pelo PTI de Khan. Ao que tudo indica, o partido é bem organizado e capilarizado junto à população. Para esse comício houve uma ampla campanha antecipada para organizar a divulgação midiática, fator este criticado pelo partido que se sentiu censurado em suas demonstrações pela grande mídia.
Adiciona-se a melhoria na infraestrutura de transmissão in loco e um forte uso das redes sociais ocidentais, a exemplo do twitter, como plataforma de disputa e visibilidade. Como veremos nos inúmeros links a seguir, foi uma demonstração pacífica e com alto grau de organização, o que pode servir de lição para o que chamamos de partidos políticos no ocidente.
Diversas lideranças do PTI falaram ao público, tais como Mubeen Jatoi, Secretário Geral do Partido, Faisal Vawda, ex ministro de Recursos Hídricos no governo Khan, Sair Ur Rahman, membro do PTI de Carachi, Arsalan Ghumman, Secretário de Informação do PTI no distrito de Sindh e Aftab Sddiqui ex Ministro de Assuntos Marítimos, empresário no ramo da construção e Secretário Adjunto do PTI.
Ao fim, Khan discursou por cerca de uma hora. Com alguns cortes disponíveis em inglês é reforçada a defesa que seu governo foi derrubado por orquestração de interesses estrangeiros e que promete intensificar a luta pela via popular para pedir novas eleições para o pleito de Primeiro Ministro do Paquistão.
Vamos a algumas imagens e vídeos sobre o comício em Carachi:
Preparação da jalsa
https://twitter.com/MasumSiddiqui/status/1514958581183000576
https://twitter.com/MasumSiddiqui/status/1514961989562425347
Equipe da mídia Social do PTI
https://twitter.com/MasumSiddiqui/status/1515454776292483074
Além do comício em Carachi, houve protestos e demonstrações em diversas cidades no Paquistão e outros países:
https://twitter.com/agentjay2009/status/1515543362954317824
https://twitter.com/PTISPOfficial/status/1515440772392362003
https://twitter.com/ptiofficialCP/status/1515441287830331392
https://twitter.com/Kemiyagr/status/1515364844370812933
https://twitter.com/PTIofficial/status/1515373864989216770
https://twitter.com/InsafPK/status/1515387587283898369
https://twitter.com/Hammad_Azhar/status/1515400778034425865
https://twitter.com/PTIofficial/status/1515439270504321025
https://twitter.com/PTIofficial/status/1515463746537279492
https://twitter.com/PTIofficial/status/1515583634190786563
https://twitter.com/adeelraja/status/1515391146691805187
https://twitter.com/SmtSialkot/status/1515588010187890689
A presença de familiares e crianças e uma marca nos comícios:
https://twitter.com/imharoonafaq/status/1515465323088068612
https://twitter.com/MeherBanoQ/status/1515480876120956928/photo/1
https://twitter.com/ZahidNabiGill/status/1515449520834113540
https://twitter.com/PTIofficial/status/1515453230397894657
Protesto pelo mundo:
França:
https://twitter.com/SAYousafzaiPTI/status/1515470498666356739
https://twitter.com/PTIofficial/status/1515485010396069888
Alemanha:
https://twitter.com/MianNaimatUlla4/status/1515500404703993859
https://twitter.com/adeelibr/status/1515333246208421905
Canadá:
https://twitter.com/PTIofficial/status/1515083226506743814
Índia
https://twitter.com/PTIOHyderabad/status/1515437074937176065
E aqui percebemos a mensagem de Imran Khan ao povo paquistanês, colocada em termos de soberania e respeito mútuo entre as diversas nações.
https://twitter.com/vcanews_uk/status/1515524102924259329
Como comentários finais, não podemos deixar de alertar ao leitor sobre o processo de intensificação de uma crise política sem precedentes no Paquistão. Como vem sendo alertado nos sitreps anteriores, a situação é muito delicada dada a fragilidade na qual as instituições se encontram nesse momento. Segundo o professor de Religião e Política Mundial da Universidade de Lahore, Junaid Ahmad, falando em entrevista a Aaron Mate do Garyzone, o baixo escalão das Forças Armadas paquistanesas se encontram em bloco a favor das mobilizações realizadas pelo PTI (Mass protests in Pakistan as ousted PM accuses US of regime change: https://www.youtube.com/watch?v=3jFNJtjm-wI).
Há denúncias sobre prováveis tentativas futuras de assassinato do ex-Primeiro Ministro (ver Vladimir Danilov. Is the US Planning to Assassinate Pakistan’s Imran Khan?: https://journal-neo.org/2022/04/06/is-the-us-planning-to-assassinate-pakistan-s-imran-khan/). Nos últimos dias houve uma escalada de conflito na fronteira com o Afeganistão. Esse processo pode levar a um isolamento regional do país e uma aumento ainda maior da crise política que o país vive. A situação também joga contra nas relações com outros países na região, da qual o Paquistão é dependente para acesso a recursos energéticos e trigo.
Não à toa, Imran Khan tirou sua carta da manga, fazendo uma declaração no comício de Carachi sobre o acordo proposto com a Rússia para importar gás e trigo com 30% de desconto em relação aos preços praticados no mercado. Logo depois, outras informações surgiram na mídia alternativa, apontando declarações de Imran Khan no sentido de acordos comerciais entre a rúpia paquistanesa e o rublo. Da mesma forma que um acordo com formato parecido já havia sido feito com a China em 2019 (yuan-rúpias paquistanesas) em torno de desenvolvimento tecnológico. Ao que tudo indica, Imran Khan estava na busca de desenvolver relações comerciais com menor dependência ao dólar.
Essas declarações feitas em meio a uma mobilização popular contra o governo recém empossado evidencia a expressão geopolítica ligada as tensões comerciais entre Estados Unidos e Rússia e China, que acabou por engolfar dois dos mais importantes países do sudeste asiático no plano de disputa da hegemonia entre o bloco do atlântico norte e o Euroasiático (ver: Andrew Korybko. It’s Crucial For Pakistan’s New Coalition Government To Clarify Its Ties With Russia https://voiceofeast.net/2022/04/17/its-crucial-for-pakistans-new-coalition-government-to-clarify-its-ties-with-russia/).
O novo governo paquistanês está tentando isolar Khan a partir da abertura das relações diplomáticas com a Índia, além de ter declarado que as relações estabelecidas anteriormente serão mantidas. Porém, há uma crescente desconfiança sobre qual a posição que o novo governo vai tomar, dada sua provável inclinação para uma maior proximidade com os interesses dos Estados Unidos.
De toda forma, não se pode desconhecer o fato surpreendente promovido pela reação da militância do PTI e da população em geral frente ao golpe parlamentar. Não é de hoje que a mídia liberal classifica Imran Khan como um típico líder ‘populista’ e conservador, ao mesmo tempo que possui oratória anticolonial, é defensor ferrenho de temas sensíveis, a exemplo da Palestina, e crítico à interferência estrangeira em países do Sul Global.
As infindáveis declarações de pessoas comuns nos comícios recentes em torno da defesa da soberania nacional e da liderança popular de Imran Khan é algo raro para os tempos atuais. Mostra uma evidente e rápida politização da população em torno de temas centrais num momento de mudanças tectônicas no planeta em direção a multipolaridade. O que estamos vendo no Paquistão é o acirramento da luta de classes que está sendo levado a cabo por um partido organicamente capilarizado nas massas paquistanesas.
Conforme o desenrolar desse momento político no país, atualizaremos os leitores da Comunidade Saker Latinoamerica.
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