Sergei V. Lavrov – 05 de maio de 2023
Como é tradição, o mês de maio na Rússia é marcado pelas amplas comemorações do aniversário da Grande Vitória. A derrota da Alemanha nazi – feito ao qual o nosso país deu um contributo decisivo, com o apoio dos nossos Aliados – abriu caminho à ordem internacional do pós-guerra, tendo como estrutura jurídica a Carta das Nações Unidas. A Organização das Nações Unidas (ONU), uma personificação do verdadeiro multilateralismo, assumiu um papel central de coordenação na política global.
Por quase 80 anos desde a sua criação, a ONU realizou a missão mais importante que lhe foi confiada por seus fundadores. O entendimento compartilhado entre os cinco membros permanentes do Conselho de Segurança sobre a supremacia dos propósitos e princípios da Carta da ONU que garante a segurança global há décadas, criando assim as condições necessárias para uma cooperação verdadeiramente multilateral, que são regidas por normas de Direito Internacional universalmente reconhecidas.
Agora, o sistema centrado na ONU está passando por uma crise profunda, cuja causa principal foi provocada pela decisão de alguns membros da ONU de substituir o Direito Internacional e a Carta da ONU por uma “ordem internacional baseada em regras”. Essas misteriosas “regras” nunca foram objeto de consultas internacionais transparentes, nem foram expostas à atenção de todos. É claro que elas estão sendo construídas pelo caminho e usadas para contrariar os processos naturais de formação e fortalecimento de novos centros independentes de desenvolvimento, que são uma manifestação real do multilateralismo.
Além disso, estamos vendo tentativas de conter os novos centros mundiais por meio de medidas unilaterais ilegítimas, como bloquear o acesso a tecnologias modernas e serviços financeiros, forçar a saída das cadeias de suprimentos, confiscar propriedades, destruir a infraestrutura crítica dos concorrentes e manipular normas e procedimentos universalmente aceitos. Essas ações levaram à fragmentação do comércio global e ao colapso dos mecanismos de mercado. Eles paralisaram a OMC e finalmente transformaram o FMI, sem o menor disfarce, em uma ferramenta para atingir os objetivos dos Estados Unidos e seus aliados, inclusive objetivos militares.
Em uma tentativa desesperada de afirmar seu domínio punindo qualquer um que os desobedecesse, os Estados Unidos tentaram descarrilar a globalização – um processo que havia sido exaltado como a maior virtude da humanidade, servindo ao sistema econômico global multilateral por anos.
Washington e outras capitais ocidentais subordinadas aos EUA estão aplicando suas “regras” sempre que precisam justificar seus passos ilegítimos contra países que elaboram suas políticas de acordo com o Direito Internacional e se recusam a servir aos interesses egoístas do “bilhão de ouro”. Eles colocam na lista negra qualquer dissidente, considerando quem não está com eles estão agindo contra eles.
Nossos colegas ocidentais há muito se sentem desconfortáveis em manter conversações em formatos universais, como a ONU. Para fornecer uma base ideológica para sua política de minar o multilateralismo, o tema das “democracias” unidas contra as “autocracias” foi colocado em circulação. Além das “cúpulas pela democracia”, cujos membros são designados pelo autoproclamado hegemon, estão sendo criados outros “clubes dos escolhidos” que operam em burla da ONU.
Summits for Democracy, Alliance for Multilateralism, Global Partnership for Artificial Intelligence, Global Media Freedom Coalition e Paris Call for Trust and Security in Cyberspace – esses e outros projetos não inclusivos foram concebidos para minar as negociações sobre questões relevantes realizadas sob os auspícios da ONU, e impor conceitos e decisões não consensuais que beneficiam o Ocidente coletivo. Primeiro, eles concordam em algo secretamente como um pequeno grupo e depois apresentam seus acordos como “a posição da comunidade internacional”.
Sejamos realistas: ninguém autorizou a minoria ocidental a falar em nome de toda a humanidade. Eles devem se comportar decentemente e respeitar todos os membros da comunidade internacional, sem exceção.
Ao impor uma “ordem baseada em regras”, seus idealizadores rejeitam arrogantemente o princípio fundamental subjacente à Carta da ONU, que é a igualdade soberana dos Estados. A declaração “orgulhosa” do chefe da diplomacia da UE, Josep Borrell, de que a Europa é um “jardim” e o resto do mundo uma “selva” personifica a sua visão de mundo de ser excepcional. Também citarei a Declaração Conjunta OTAN-UE de 10 de janeiro de 2023, que afirma: “O Ocidente unido usará todas as ferramentas econômicas, financeiras, políticas e militares disponíveis para a OTAN e a UE para garantir os interesses de nosso bilhão.”
O Ocidente coletivo decidiu reformular os processos de multilateralismo no nível regional para atender às suas necessidades. Recentemente, os Estados Unidos pediram o renascimento da Doutrina Monroe e desejaram que os países latino-americanos reduzissem seus laços com a Federação Russa e a República Popular da China. No entanto, isso enfrentou resistência dos países da região, que resolveram fortalecer suas próprias estruturas multilaterais, principalmente a Comunidade de Estados Latino-Americanos e Caribenhos (CELAC), mantendo seu direito legítimo de se estabelecer como um pilar do mundo multipolar. A Rússia apoia totalmente aspirações justas desse tipo.
Os Estados Unidos e seus aliados mobilizaram forças significativas para minar o multilateralismo na região da Ásia-Pacífico, onde um sistema de cooperação econômica e de segurança aberto, bem-sucedido e centrado na ASEAN [Associação das Nações do Sudeste Asiático – nota da tradutora] vem tomando forma há décadas. Esse sistema os ajudou a desenvolver abordagens de consenso adequadas aos 10 membros da ASEAN e seus parceiros de diálogo, incluindo Rússia, China, Estados Unidos, Índia, Japão, Austrália e República da Coreia, garantindo assim um multilateralismo inclusivo genuíno. Washington, então, avançou sua Estratégia Indo-Pacífica em um esforço para quebrar essa arquitetura estabelecida.
Na cúpula do ano passado em Madrid, a OTAN, que não se cansa de convencer a todos do seu “amor à paz” e do carácter exclusivamente defensivo dos seus programas de defesa, emitiu uma declaração sobre a sua responsabilidade global e segurança indivisível na região euro-atlântica, bem como na chamada região indo-pacífica. Isso significa que as fronteiras da OTAN como organização defensiva estão sendo movidas para as regiões costeiras ocidentais do Pacífico. Essa política orientada para o bloco, que está erodindo o multilateralismo centrado na ASEAN, manifesta-se na criação da aliança militar AUKUS [pacto de segurança entre Austrália, Reino Unido e EUA – nota da tradutora], com Tóquio, Seul e vários países da ASEAN sendo atraídos para ela. Os Estados Unidos estão liderando o esforço para desenvolver mecanismos para interferir na segurança marítima em um movimento para garantir os interesses unilaterais do Ocidente na região do Mar da China Meridional. Josep Borrell, a quem me referi anteriormente, prometeu enviar forças navais da UE para aquela região. Ninguém esconde o fato de que essa estratégia Indo-Pacífica visa conter a China e isolar a Rússia. É assim que nossos colegas ocidentais interpretam o conceito de “multilateralismo efetivo” na região da Ásia-Pacífico.
Assim que a Organização do Tratado de Varsóvia foi dissolvida e a União Soviética desapareceu da arena política, muitos nutriram a esperança de que o princípio do genuíno multilateralismo, sem linhas divisórias na área euro-atlântica, pudesse ser trazido à vida. No entanto, em vez de aproveitar o potencial da OSCE [Organização para a Segurança e Cooperação na Europa – nota da tradutora] de forma igualitária e coletiva, os países ocidentais não apenas preservaram a OTAN, mas, apesar de suas firmes promessas em contrário, também seguiram uma política descarada de colocar áreas vizinhas sob seu controle, incluindo aquelas que sempre foram e serão de interesse vital para a Rússia. Como disse o então secretário de Estado dos EUA, James Baker, em conversa com o presidente George H. W. Bush: a OSCE é a principal ameaça à OTAN.
Fica-se com a impressão de que hoje tanto a ONU quanto as disposições da Carta da ONU representam uma ameaça às ambições globais de Washington.
A Rússia tentou pacientemente chegar a acordos multilaterais mutuamente benéficos com base no princípio da segurança indivisível, que foi solenemente declarado ao mais alto nível, isto é, nos documentos das cúpulas da OSCE em 1999 e 2010. Eles são formulados nos termos mais claros possíveis – de forma aberta e inequívoca – que nenhuma nação fortalecerá sua segurança às custas da segurança de outras e que nenhum país, ou grupo de países, ou organização será investido da responsabilidade preeminente de manter a paz na região da OSCE, ou tratar qualquer parte da região da OSCE como sua esfera de influência.
A OTAN pouco se importou com os compromissos assumidos pelos presidentes e primeiros-ministros de seus países membros e passou a agir justamente em contradição com suas promessas ao anunciar seu “direito” de se comportar da maneira que bem entendesse. O exemplo mais flagrante disso foi o bombardeio ilegítimo da Iugoslávia em 1999, inclusive com projéteis de urânio empobrecido, que mais tarde levou a um aumento de pacientes com condições oncológicas, tanto entre os sérvios quanto entre os membros do serviço da OTAN. Joe Biden era senador na época e declarou oficialmente, com algum orgulho, que pessoalmente insistira em bombardear Belgrado e destruir todas as pontes sobre o rio Drina. Hoje, o embaixador dos EUA na Sérvia, Christopher Hill, usou a mídia de massa para pedir aos sérvios que virassem a página e “esquecessem suas lamúrias”.
Quanto a “esquecer seus lamentos”, os Estados Unidos têm uma vasta experiência em seu currículo. O Japão há muito tem sido vergonhosamente reticente sobre quem de fato bombardeou Hiroshima e Nagasaki. Os livros escolares não o mencionam. Falando em uma recente reunião do G7, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, lamentou de forma demonstrativa o sofrimento das vítimas desses atentados, mas manteve silêncio sobre quem estava por trás deles.
Essas são as “regras”. E ninguém tem permissão para discutir com eles.
Desde a Segunda Guerra Mundial, Washington realizou dezenas de operações militares criminosas imprudentes, sem sequer tentar assegurar a legitimidade multilateral. Por que se preocupar quando suas “regras” são desconhecidas de todos?
A vergonhosa invasão do Iraque pela coalizão liderada pelos EUA em 2003 foi realizada em violação da Carta da ONU, assim como a agressão contra a Líbia em 2011. Ambas levaram à destruição do Estado de cada país, centenas de milhares de vidas perdidas e terrorismo desenfreado.
A intervenção dos EUA nos assuntos internos dos países pós-soviéticos é nada menos que uma flagrante violação da Carta da ONU. “Revoluções coloridas” foram planejadas na Geórgia e no Quirguistão, e um golpe sangrento foi encenado em Kiev em fevereiro de 2014. As tentativas de tomar o poder pela força na Bielorrússia em 2020 foram parte integrante dessa abordagem.
Os anglo-saxões no comando do Ocidente não apenas justificam essas aventuras sem lei, mas também as exibem como uma política para “promover a democracia”, ao mesmo tempo em que o fazem de acordo com seu próprio conjunto de regras, como reconhecer a independência de Kosovo sem referendo, mas recusando-se a reconhecer a independência da Crimeia, embora um referendo tenha sido de fato realizado. De acordo com o secretário de Relações Exteriores britânico, James Cleverly, as Falklands/Malvinas não são um problema porque um referendo foi realizado lá. Isso é hilário.
A fim de evitar padrões duplos, pedimos a todos que sigam os acordos de consenso que foram alcançados como parte da Declaração de Princípios do Direito Internacional da ONU de 1970, que continua em vigor até hoje.
Ela declara claramente a necessidade de respeitar a soberania e a integridade territorial dos Estados que “se comportam de acordo com o princípio da igualdade de direitos e da autodeterminação dos povos acima descrito e, portanto, possuem um governo que representa todo o povo pertencente ao território.” Qualquer observador imparcial pode ver claramente que o regime nazista de Kiev não pode de forma alguma ser considerado um governo que representa os moradores dos territórios que se recusaram a aceitar os resultados do sangrento golpe de fevereiro de 2014, contra o qual os golpistas desencadearam sua guerra. É igualmente claro que Pristina não pode pretender representar os interesses dos sérvios do Kosovo, a quem a UE prometeu autonomia, da mesma forma que Berlim e Paris prometeram um estatuto especial para o Donbass. Estamos bem cientes de como essas promessas se cumpriram no final.
Em sua mensagem para a segunda Cúpula para a Democracia em 29 de março de 2023, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse o seguinte: “A democracia flui da Carta das Nações Unidas. Sua invocação inicial de ‘Nós, os Povos’ reflete a fonte fundamental da autoridade legítima: o consentimento dos governados”. Vou enfatizar a palavra “consentimento” mais uma vez.
Esforços multilaterais foram feitos para impedir a eclosão da guerra no leste da Ucrânia como resultado do golpe do governo. Esses esforços para uma solução pacífica foram incorporados na Resolução 2202 do Conselho de Segurança da ONU que aprovou por unanimidade os acordos de Minsk. Kiev e seus manipuladores ocidentais atropelaram todos esses acordos. Eles até admitiram cinicamente com um toque de orgulho que nunca planejaram cumpri-los, mas apenas queriam ganhar tempo para inundar a Ucrânia com armas para usar contra a Rússia. Ao fazê-lo, anunciaram publicamente a violação de um compromisso multilateral dos membros da ONU de acordo com a Carta da ONU, que exige que todos os países membros cumpram as resoluções do Conselho de Segurança.
Nossos esforços consistentes para evitar esse confronto, incluindo propostas feitas pelo presidente Vladimir Putin em dezembro de 2021 para chegar a um acordo sobre garantias mútuas multilaterais de segurança, foram rejeitadas com altivez. Disseram-nos que ninguém pode impedir a OTAN de “abraçar” a Ucrânia.
Nos anos que se seguiram ao golpe, e apesar de nossas fortes exigências, ninguém entre os superintendentes ocidentais de Kiev freou Pyotr Poroshenko, Vladimir Zelensky ou Verkhovna Rada da Ucrânia quando a língua, a educação, a mídia e, em geral, as tradições culturais e religiosas russas foram constantemente destruídas pela legislação. Isso foi feito em violação direta da Constituição da Ucrânia e das convenções universais sobre os direitos das minorias étnicas.
Paralelamente, o regime de Kiev foi introduzindo a teoria e a prática do nazismo na vida cotidiana e adotando leis relacionadas. O regime de Kiev descaradamente organizou procissões chamativas à luz de tochas sob as bandeiras das divisões da SS no centro da capital e em outras cidades. O Ocidente calou-se e esfregou as mãos com satisfação. Esses desenvolvimentos encaixam-se perfeitamente nos planos dos EUA de colocar em uso o regime abertamente racista de Kiev, que Washington criou na esperança de enfraquecer a Rússia em geral. Fazia parte do curso estratégico dos EUA para afastar seus rivais e minar qualquer cenário que implicasse a afirmação de um multilateralismo justo nos assuntos globais.
Todos sabem disso, embora nem todos falem disso abertamente: a verdadeira questão não é a Ucrânia, mas sim o futuro das relações internacionais. Elas serão forjadas em um consenso sustentável, baseado no equilíbrio de interesses? Ou serão reduzidas a um avanço agressivo e explosivo da hegemonia?
A questão da Ucrânia não pode ser considerada fora de seu contexto geopolítico. Reiteramos que multilateralismo implica respeito à Carta da ONU e a todos os seus princípios interligados. A Rússia elaborou claramente os objetivos de sua Operação Militar Especial, que são remover as ameaças à sua segurança instigadas pela OTAN há vários anos e diretamente nas fronteiras da Rússia, e proteger as pessoas que foram despojadas de seus direitos estabelecidos em convenções multilaterais. A Rússia quer protegê-las das ameaças públicas e diretas de Kiev de aniquilá-las e bani-las da terra onde seus ancestrais viveram por séculos. Temos sido francos sobre o quê e por quem estamos lutando.
Em meio à histeria alimentada pelos EUA e pela UE, fico tentado a perguntar-lhes em resposta: o que Washington e a OTAN fizeram na Iugoslávia, no Iraque e na Líbia? Houve alguma ameaça à sua segurança, cultura, religião ou idiomas? Por quais regulamentos multilaterais eles foram guiados quando declararam a independência de Kosovo em violação aos princípios da OCSE ou quando destruíram os estáveis e economicamente ricos Iraque e Líbia, países localizados a 10.000 milhas de distância das costas dos Estados Unidos?
As tentativas descaradas dos países ocidentais de colocar as secretarias da ONU e outras organizações internacionais sob seu controle são uma ameaça ao sistema multilateral. O Ocidente sempre teve uma vantagem quantitativa em termos de pessoal, mas até recentemente o Secretariado da ONU tentou permanecer neutro. Hoje, esse desequilíbrio tornou-se crônico, enquanto os funcionários da Secretaria cada vez mais se permitem um comportamento politicamente motivado, que é impróprio para titulares de cargos internacionais. O secretário-geral da ONU, António Guterres, deve garantir que sua equipe atenda aos padrões de imparcialidade de acordo com o artigo 100 da Carta da ONU. Também exortamos os altos funcionários da Secretaria a serem guiados pela necessidade de ajudar os países membros a encontrar maneiras de chegar a um consenso e a um equilíbrio de interesses, em vez de fazer o jogo dos conceitos neoliberais. Caso contrário, em vez de uma agenda multilateral, veremos uma lacuna cada vez maior entre os países do “bilhão de ouro” e a Maioria Global.
Falando em multilateralismo, não podemos nos limitar ao contexto internacional. Da mesma forma, não podemos ignorar o contexto internacional quando falamos de democracia. Não deve haver padrões duplos. O multilateralismo e a democracia devem ser respeitados tanto dentro dos países membros quanto em suas relações mútuas. Todos sabem que, ao impor sua compreensão da democracia a outras nações, o Ocidente opõe-se à democratização das relações internacionais baseada no respeito à igualdade soberana dos Estados. Hoje, juntamente com seus esforços para promover suas “regras” na arena internacional, o Ocidente também está sufocando o multilateralismo e a democracia em casa, pois usa ferramentas cada vez mais repressivas para reprimir a dissidência, da mesma forma que o criminoso regime de Kiev está fazendo com o apoio de seus professores – os Estados Unidos e seus aliados.
Assim como nos anos da Guerra Fria, a humanidade se aproximou de uma linha na areia outrora perigosa, e talvez ainda mais perigosa agora. A situação é ainda agravada pela perda de fé no multilateralismo, enquanto a agressão financeira e econômica do Ocidente está destruindo os benefícios da globalização, e enquanto Washington e seus aliados estão abandonando a diplomacia e exigindo que as coisas sejam resolvidas “no campo de batalha”. Tudo isso está acontecendo dentro dos muros da ONU, um órgão que foi criado para prevenir os horrores da guerra. As vozes das forças responsáveis e sensatas e os apelos à sabedoria política e ao renascimento da cultura do diálogo são abafados por aqueles que se propõem a minar os princípios fundamentais da comunicação entre os países. Todos devemos retornar às nossas raízes e cumprir os propósitos e princípios da Carta da ONU em toda a sua diversidade e interconexão.
Nesta conjuntura, o multilateralismo genuíno exige que a ONU se adapte aos desenvolvimentos objetivos no processo de formação de uma arquitetura multipolar das relações internacionais. É imperativo acelerar a reforma do Conselho de Segurança, expandindo a representação de países da Ásia, África e América Latina. A super-representação desordenada do Ocidente no órgão principal da ONU mina o princípio do multilateralismo.
A Venezuela liderou a criação do Grupo de Amigos em Defesa da Carta das Nações Unidas. Convidamos todos os países que respeitam a Carta a aderir. Também é importante usar o potencial construtivo fornecido pelo BRICS e pela SCO [Organização para Cooperação de Xangai]. A EAEU [União Econômica EuroAsiática], o CIS e o CSTO [Organização do Tratado de Segurança Coletiva – notas da tradutora] estão todos dispostos a contribuir. Defendemos o aproveitamento do potencial das associações regionais do Sul Global. O G20 também pode ser instrumental na manutenção do multilateralismo se seus participantes ocidentais pararem de distrair seus colegas dos itens prioritários de sua agenda na esperança de minimizar sua responsabilidade pelas crises que se acumulam na economia global.
É nosso dever comum preservar as Nações Unidas como o epítome duramente conquistado do multilateralismo e da coordenação da política internacional. A chave do sucesso está no trabalho conjunto, renunciando a pretensões de excepcionalismo e – reitero – respeitando a igualdade soberana dos Estados. Isso é o que todos nós assinamos quando ratificamos a Carta da ONU.
Em 2021, o presidente russo, Vladimir Putin, sugeriu a convocação de uma cúpula dos membros permanentes do Conselho de Segurança da ONU [China, Rússia, França, Reino Unido e EUA – nota da tradutora]. Os líderes da China e da França apoiaram essa iniciativa, mas, infelizmente, ela não foi concretizada. Esta questão está diretamente relacionada com o multilateralismo – não porque as cinco potências tenham certos privilégios sobre as demais, mas precisamente por causa de sua responsabilidade especial sob a Carta da ONU de preservar a paz e a segurança internacionais. Isso é exatamente o que exigem os imperativos do sistema centrado na ONU, que está desmoronando diante de nossos olhos como resultado das ações do Ocidente.
A preocupação com essa situação pode ser cada vez mais ouvida em múltiplas iniciativas e ideias dos países do Sul Global, desde o Leste e Sudeste Asiático, o mundo árabe e muçulmano em sua totalidade, até a África e a América Latina. Apreciamos seu desejo sincero de garantir a solução dos problemas atuais por meio de um trabalho coletivo honesto, visando um equilíbrio de interesses baseado na igualdade soberana dos Estados e na segurança indivisível. Continuaremos a forjar uma cooperação produtiva com eles em nome da melhoria da situação internacional, ao mesmo tempo em que avançamos na comunicação entre os países com base nos princípios do verdadeiro multilateralismo, Direito Internacional, verdade e justiça.
Fonte: https://eng.globalaffairs.ru/articles/genuine-multilateralism
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