Por Ricardo Guerra para o Saker Latinoamérica e PLR – 11 de junho de 2022
No Brasil, cada vez mais áreas que deveriam ser utilizadas para o plantio de alimentos – visando garantir a segurança alimentar da população – são substituídas pela produção de commodities para a exportação:
- Monoculturas produzidas em grande escala, orientadas à especulação financeira – principalmente os derivativos financeiros a partir da bolsa de mercadorias e futuros;
- Cuja prioridade é exclusivamente a obtenção de lucros – e configura a base do modelo denominado de agronegócio.
Um modelo organizado apenas com o objetivo de obtenção maximiza de lucros:
- Que destrói ecossistemas auto-sustentáveis e inviabiliza as produções locais e a agricultura familiar sustentável;
- Influindo decisivamente na degradação da biodiversidade;
- Provocando o êxodo rural, a devastação ambiental, a fome e a inflação.
Levando em consideração o entendimento ético da criação, desenvolvimento e utilização do termo, o agronegócio não tem nada de tech (expressão usada em referência ao que é tecnológico) – e tampouco representa a “riqueza do Brasil”, conforme dizem suas campanhas publicitárias:
- A tecnologia utilizada no setor é direcionada exclusivamente aos lucros a qualquer custo, em nada sendo orientada para o uso em favor dos verdadeiros interesses dos trabalhadores e da humanidade em geral;
- E a tão propalada “riqueza”, apenas pode ser referida aos investidores das grandes corporações (em sua maioria transnacionais) que dominam o setor;
- Ou seja, enquanto a soja transgênica cresce substituindo, por exemplo, o plantio de feijão, batata e arroz, a população local tem menos acesso a alimentos e empobrece.
O fato de quase 1 bilhão de pessoas sofrerem de forma contundente com o problema da fome no nosso planeta, 1 entre cada 4 brasileiros estar vivenciando situação de insegurança alimentar moderada ou severa, e apenas 4 em cada dez famílias ter acesso pleno a alimentação no Brasil, expressa bem essa realidade – e indica que o problema da fome é uma questão política:
- Está diretamente relacionado à desigualdade social e à má distribuição de renda;
- Assim como à falta de planejamento estratégico e à utilização desse inadequado modelo de agricultura.
Sendo importante também compreender nesse cenário, que apesar do mundo produzir alimentos suficientes para alimentar toda a população, numa proporção de uma vez e meia para cada pessoa, ainda assim, não há menos fome.
O Brasil está seguindo na direção errada e a presente situação da (in)segurança alimentar e nutricional, que é uma desgraça para a humanidade, representa uma vergonha para o país onde o agronegócio é considerado motivo de “orgulho”:
- Um país no qual há abundância de terras cultiváveis e recursos hídricos em profusão;
- E a economia está posicionada entre as mais importantes do mundo.
Até mesmo para quem não quer enxergar, é impossível deixar de perceber que no rastro do agronegócio estão o uso de pesticidas, incêndios e desastres ecológicos, grilagem, concentração de terras e de riqueza, desemprego e trabalho escravo.
Dessa forma, com o avanço da indústria na cadeia alimentar nas mãos das corporações do agronegócio aumentou o número de desnutridos e o setor, para a maioria da população, na verdade é sinônimo de doenças, tragédias e pobreza – jamais de riqueza.
E mais. Além de não estabelecer relação com qualquer perspectiva orientada para a garantia da segurança alimentar para a nossa população, como o agronegócio no Brasil tem como base a produção e exportação de produtos em estado bruto (seja de origem agropecuária ou de extração mineral) – usados como matéria prima para a fabricação de outros produtos:
- A produção nacional na área se estabelece no eixo primário da economia;
- Não gerando valor agregado aos produtos aqui produzidos;
- Nem promovendo desenvolvimento de tecnologias de ponta e empregos com melhores qualificações e salários.
Além disso, a agricultura industrial é a principal responsável pelo desmatamento no Brasil, em particular das espécies nativas:
- Estimando-se que em sua decorrência sejam cortadas milhões de árvores por ano de áreas naturais;
- Incluindo as florestas tropicais.
Portanto, o agronegócio tem dizimado as nossas florestas para produzir óleo de palma, soja, pastagens, etc, e pelo menos metade do solo fértil brasileiro (cultivado) está sobrecarregado com culturas intensivas e produtos químicos, como os pesticidas – perdendo suas características naturais, tornando-se assim estéreis.
Devido à exaustão do solo, milhões de hectares de terra já foram e continuam a ser abandonados:
- Além de que, pela intensa necessidade de irrigação, a água utilizada para esse fim é retirada de outros locais – afetando ainda mais os sistemas naturais;
- Nesse contexto, a aquacultura tornou-se também um grave problema a ser observado – causando poluição, doenças nas populações de peixes, e destruindo habitats costeiros, como por exemplo os mangues.
A sociedade do consumo desenfreado e do desperdício, alicerçada na agricultura e pecuária industriais é insustentável:
- E a transição para uma nova sociedade (sustentável) — depende de uma experiência de convivência humana que garanta aos povos a oportunidade de construção de suas próprias variantes econômicas sem interferências externas;
- Orientadas para a ampliação dos benefícios sociais e dos benefícios ambientais – e não para o lucro.
A segurança alimentar da população e a defesa do ambiente implica necessariamente no combate à depredação capitalista e à ameaça de destruição do planeta, que coloca todas as espécies (inclusive a humana) sob risco.
Os agricultores familiares, apesar de não visibilizados, são imprescindíveis no processo de edificação da segurança alimentar do país:
- E enquanto o “popular” agronegócio está preocupado em exportar commodities e em como aumentar insaciavelmente seus lucros, destruindo empregos, vidas e o ambiente;
- O abastecimento do Brasil vai sendo feito por aqueles produtores que vendem na própria comunidade – entre vizinhos e nas feiras.
Embora “não percebida” e valorizada pelo Estado:
- A produção familiar tem impacto fundamental nas condições de vida das populações locais;
- E garante a comida na mesa das pessoas.
No entanto, equivocadamente a maior parte dos incentivos oficiais estão concentrados no setor agrícola industrial — setor que ameaça a biodiversidade do país e constantemente está associado aos desmatamentos e assassinatos de povos indígenas, ativistas e pequenos agricultores no campo.
Pouquíssimo crédito é disponibilizado aos pequenos agricultores:
- Os que realmente trabalham em prol da soberania alimentar;
- E produzem, em diversidade e qualidade, alimentos para a nossa população.
- O uso do fogo como instrumento para o avanço das “fronteiras” agrícolas e de garimpo é uma triste realidade;
- Realidade para a qual o Estado brasileiro, sob as diretrizes de um governo contrário aos verdadeiros interesses nacionais e às reais necessidades da população, vira os olhos;
- E até num projeto de poder de longo prazo (que vai perpetuar a condição do Brasil como colônia), usando o agronegócio como bandeira, eles estão trabalhando.
Desmascarar a falaciosa propaganda oficial em favor do agronegócio e denunciar toda essa situação, é nossa obrigação.
O Brasil não precisa de uma “agricultura pop”. O país tem é que estabelecer um planejamento estratégico para a área alimentar, implementar políticas públicas e o acesso ao crédito para o desenvolvimento da produção na agricultura familiar – fortalecer a produção de alimentos nas comunidades, gerando empregos e promovendo a distribuição de renda a partir dos mercados locais.
Esse é o caminho para que o Brasil possa ter um futuro com mais segurança alimentar e a garantia de respeito à biodiversidade e aos recursos naturais.
Ricardo Guerra é cronista anti-imperialista. Articulista da Gazeta Revolucionária, da Primera Línea Revolucionária América Latina, da Rádio Expressa e da Rádio Revolução Latino-americana.
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