O jogo da espera: como os EUA sabotam a segurança energética do Líbano

Hassan Illaik – 15 de junho de 2023

Em entrevista exclusiva ao The Cradle, o ministro da Energia do Líbano, Walid Fayyad, aborda o dilema da escassez de energia no país: receba o petróleo iraniano e arrisque as sanções dos EUA, ou espere indefinidamente por uma iniciativa intencionalmente adiada encabeçada pelos EUA.

  “Por quase 30 anos, as autoridades libanesas falharam em administrar adequadamente a empresa estatal de eletricidade, Électricité du Liban (EDL), resultando em apagões generalizados. As décadas de políticas insustentáveis e negligência fundamental, resultado da captura de recursos do Estado pela elite, suposta corrupção e interesses escusos fizeram com que o setor entrasse em colapso total em 2021 em meio à crise econômica em curso, deixando o país sem energia durante a maior parte do dia.” 
– Human Rights Watch, março de 2023

Mais de 600 dias se passaram desde que a Embaixadora dos EUA em Beirute, Dorothy Shea, prometeu entregar uma solução muito necessária para a terrível crise de eletricidade do Líbano, que forçou a maioria da população a depender de caros geradores privados para suas necessidades básicas de vida.

A oferta por telefone da embaixadora veio em 19 de agosto de 2021, poucas horas depois que o secretário-geral do Hezbollah, Hassan Nasrallah, quebrou o cerco liderado pelos Estados Unidos ao Líbano, anunciando a chegada iminente de diesel iraniano ao país.

A resposta de Shea a Nasrallah foi anunciar uma iniciativa ambiciosa, financiada pelo Banco Mundial, que exigia o transporte de gás egípcio e eletricidade jordaniana – via território sírio – para o Líbano.

No entanto, como costuma acontecer com as promessas dos Estados Unidos, a Casa Branca agora se recusa a fornecer isenções de sanções aos quatro países árabes. Washington afirma que ajudar o Líbano a receber energia através do território sírio minará as sanções da Lei César [Caesar Act] dos EUA contra a Síria.

Para entender as nuances desse jogo de espera sem fim, o The Cradle procurou o ministro de Energia do Líbano, Walid Fayyad, para obter alguns insights. Em uma entrevista exclusiva, Fayyad lança luz sobre a intrincada teia de circunstâncias que impedem o Líbano de garantir os tão necessários recursos energéticos do Egito e da Jordânia, e não menos importante, a cumplicidade dos EUA em minar a segurança energética do Líbano.

Crédito da foto: The Cradle

The Cradle: O que está impedindo atualmente a conclusão do acordo para transmitir eletricidade da Jordânia e bombear gás egípcio para usinas libanesas, via Síria?

Walid Fayyad: Antes da minha nomeação como Ministro da Energia, tive uma reunião com o Presidente Michel Aoun. Ele me informou que a crise de falta de energia no Líbano seria finalmente resolvida e que o Banco Mundial estava pronto para financiar um projeto para trazer eletricidade e gás da Jordânia e do Egito para o Líbano.

A embaixadora dos EUA em Beirute anunciou algo semelhante anteriormente. Eu acreditava que tal projeto estratégico árabe, com apoio americano, era a solução lógica para a crise. Apresentou-se uma oportunidade de ouro para o Líbano e acredito que devemos aproveitá-la, pois conta com o apoio de todas as partes envolvidas.

The Cradle: Por que você percebe essa solução como “lógica”?

Walid Fayyad: É simples. Econômica, geográfica e politicamente, esta é uma solução muito lógica. A relação com a Síria é histórica e profunda. Quanto ao Egito, é um grande país árabe que busca consistentemente fortalecer as relações árabes.

The Cradle: Existe alguma relação entre o anúncio feito pela embaixadora dos EUA em Beirute, expressando o apoio de seu país ao projeto, e a declaração de Sayyed Nasrallah, no mesmo dia, sobre a chegada de carregamentos de diesel iraniano ao Líbano?

Walid Fayyad: Pode haver um link. É possível que o anúncio da embaixadora tenha sido uma reação ao discurso de Sayyed Nasrallah.

The Cradle: O que está atualmente impedindo a conclusão do projeto?

Walid Fayyad: O principal obstáculo está relacionado à passagem de gás e eletricidade pela Síria, o que dá direito a uma taxa de trânsito. Chegamos a um acordo com Damasco e informamos aos EUA e ao Banco Mundial que a Síria não cobrará taxas, mas receberá 8% do gás que passará por seu território. Os americanos não se opuseram a isso.

The Cradle: Todos concordaram com essa proposta?

Walid Fayyad: Sim, os americanos, o Banco Mundial, a Jordânia, o Egito e a Síria receberam bem a proposta.

The Cradle: Quem confirmou que os americanos concordaram com a taxa de 8% para a Síria?

Walid Fayyad: Apresentei a proposta para acomodar todas as partes. A embaixadora dos EUA em Beirute e o enviado presidencial dos EUA para assuntos de energia, Amos Hochstein, [empresário, diplomata, lobista norte-americano e Coordenador Presidencial Especial para Infraestrutura Global e Segurança Energética do presidente Biden – nota da tradutora]concordaram com isso.

The Cradle: Ambos lhe deram luz verde para prosseguir?

Walid Fayyad: Sim, eles deram a aprovação inicial e disseram que não entra em conflito com as sanções americanas, pois não inclui o pagamento de dinheiro à Síria. A aprovação final ficou pendente até que fossem conhecidos os demais detalhes sobre as empresas envolvidas no contrato, e certificando-se de que não há nomes listados na lista de sanções dos EUA.

The Cradle: O atraso na aprovação do Banco Mundial para financiar o projeto é devido ao atraso do Ministério da Energia libanês em nomear membros da Autoridade Reguladora de Eletricidade?

Walid Fayyad: Não, não havia nenhuma exigência para nomear membros da Autoridade Reguladora de Eletricidade. O nosso acordo com o Banco Mundial era lançar o processo de recrutamento, com um período de 18 meses para a sua nomeação, e depois mais 18 meses para ativar o trabalho da Autoridade, e temos feito isso.

Na primavera de 2022, uma reunião do Conselho Executivo do Banco Mundial foi realizada em Washington e houve opiniões diferentes. Alguns exigiram reformas não apenas no setor de energia, mas em todos os setores. O Banco Mundial nos garantiu que quer prosseguir com o projeto, mas há forças que o estão obstruindo e precisamos monitorar alguns desenvolvimentos no Líbano.

The Cradle: Os EUA estão impedindo o Banco Mundial de financiar o projeto?

Walid Fayyad: No início, os Estados Unidos apoiaram o projeto, segundo a embaixadora. Contudo, em algum momento, houve ambiguidade, especialmente no que diz respeito à emissão de permissões dos EUA para isentar o Egito e a Jordânia de sanções.

Esta isenção deveria ter sido emitida antes do acordo libanês com o Banco Mundial, ou vice-versa. No verão de 2022, a embaixadora começou a mencionar a necessidade de cumprir os requisitos do Banco Mundial, que não foram previamente discutidos ou acordados com o Ministério da Energia.

The Cradle: Não é possível discutir todos esses detalhes e chegar a um acordo?

Walid Fayyad: Quando houver uma intenção genuína de chegar a uma solução, veremos o progresso. Inicialmente, o ímpeto era grande, depois começou a diminuir.

The Cradle: Os americanos são os responsáveis pela paralisação do projeto?

Walid Fayyad: Eles afirmam que o Banco Mundial é o obstáculo, mas sei que são parceiros importantes e têm uma influência significativa.

The Cradle: Por que o ímpeto de Washington diminuiu?

Walid Fayyad: Por causa de uma diferença de opinião no Congresso sobre se a Síria deveria se beneficiar do gás que passará por seu território.

The Cradle: Se os EUA pretendem impor sanções a Damasco, por que permitiriam que a Síria se beneficiasse desse projeto, mesmo que fosse apenas em 8%? E quanto ao Líbano, você acredita que não é do interesse dos americanos ver o país atingir seus objetivos políticos?

Walid Fayyad: Não posso dizer com certeza, mas não vejo o adiamento do projeto como sendo do interesse nem dos americanos nem dos partidos libaneses que apoiam uma orientação ocidental. Pelo contrário, vejo uma popularidade em declínio na busca de uma abordagem ocidental.

The Cradle: Síria, Jordânia e Egito estão tecnicamente preparados para o projeto?

Walid Fayyad: O lado sírio está pronto. Assim que o gás egípcio chegar à Síria, será usado para gerar energia, e a Síria enviará a mesma quantidade de gás sírio para o Líbano, após a dedução de 8% das taxas de trânsito.

The Cradle: Você possui uma estimativa das perdas que o Líbano teria evitado se o projeto tivesse seguido seu caminho até à implementação?

Walid Fayyad: Pagamos quase US$ 1 bilhão por 700 megawatts. O gás egípcio e a eletricidade jordaniana nos permitirão obter 700 megawatts por US$ 500 milhões. Ou seja, a economia que será alcançada é de US$ 500 milhões anuais.

Além disso, aumentar as horas de fornecimento de energia reduz o custo da energia elétrica em todos os setores e reduz o uso de geradores, reduzindo assim o custo de produção e os preços das commodities.

The Cradle: Durante as negociações do ano passado para demarcar as fronteiras marítimas do sul do Líbano, houve uma discussão sobre a entrada de gás e eletricidade?

Walid Fayyad: As conversas sobre trazer gás egípcio começaram antes das negociações. Perguntei a Amos Hochstein sobre isso e, embora ele negasse que houvesse uma ligação entre os dois, ele disse que a demarcação poderia ajudar a implementar o projeto.

The Cradle: E quanto aos relatórios de uma oferta iraniana para dar ao Líbano quantidades gratuitas de petróleo para produzir eletricidade por pelo menos 6 meses?

Walid Fayyad: Enviamos uma delegação a Teerã para estudar as especificações e os iranianos confirmaram que estão prontos para nos fornecer tudo o que precisamos. Os iranianos iriam nos fornecer $ 350 milhões em óleo diesel, o que nos forneceria 4 horas de energia elétrica diariamente. Teríamos conseguido garantir 10 horas de eletricidade por dia, se garantíssemos petróleo do Iraque e do Irã e gás do Egito.

The Cradle: Os americanos pressionaram você a rejeitar a oferta iraniana?

Walid Fayyad: Perguntei à embaixadora dos EUA se as sanções se aplicavam a esta oferta e ela me disse: “Deixe o assunto para o primeiro-ministro Najib Mikati”. Mais tarde, ele anunciou que o Líbano não poderia aceitar a oferta iraniana por causa das sanções dos EUA.

The Cradle: Podemos inferir que os EUA estão impedindo a colaboração do Líbano com seus aliados para adquirir energia?

Walid Fayyad: Sim, em termos da oferta iraniana, isso ficou evidente. Quanto ao Egito, os EUA o apoiam desde agosto de 2021, mas o Cairo exige garantias por escrito de Washington. Infelizmente, essas garantias não foram finalizadas até agora.

Fonte: https://thecradle.co/article-view/25968/the-waiting-game-how-the-us-sabotages-lebanons-energy-security


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