Proletariado brasileiro foi derrotado pela democracia

8/11/2018, Lundi Matin#164

“Todas as vezes que a extrema direita chegou ao poder, só aconteceu porque, antes, a classe operária já havia sido derrotada.”
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No momento em que a eleição do infame Bolsonaro no Brasil suscita todas as gamas de indignação ou ‘midiática’ ou sincera, caímos, quase por acaso, nessa página chilena.

À parte a evidência de que não partilhamos a conclusão de que seja análise “marxista”, essa análise histórico-política visa a demonstrar que há algum tipo de continuidade entre a governança da esquerda burguesa e a governança da escória fascista. Às vezes é preciso fazer uma volta pelo Brasil, para melhor compreender nossa situação francesa.

“A direita nunca chegou ao poder político com o objetivo de derrotar a classe trabalhadora e impedi-la de fazer a revolução. Todas as vezes que a direita chegou ao poder, chegou porque, antes, a classe trabalhadora já havia sido derrotada. Por quem? Pela democracia. Pelo progressismo. Pela esquerda burguesa.

Se Bolsonaro ganhou as eleições, foi porque, antes da sua chegada ao poder, três governos sucessivos do Partido dos Trabalhadores encarregaram-se de esmagar até o mais mínimo vestígio de força própria e combatividade que houvesse na classe trabalhadora do Brasil.

Assim como Allende que, em 1970, já ao tomar posse, garantiu à burguesia chilena que seus interesses não seriam ameaçados, assim também Lula da Silva começou a governar em 2003, já prometendo aos grandes empresários e banqueiros internacionais que nenhum risco ameaçava seus interesses no Brasil.

Com efeito, Lula governou, de fato, para garantir o pagamento da dívida pública, garantindo também ao capital um piso mínimo de estabilidade fiscal que permitisse aos grandes investidores investir com segurança.

Nenhum dos governos do PT alterou coisa alguma nas condições da exploração social e de acumulação capitalista no Brasil. Muito pelo contrário, esses governos mantiveram uma “ampla negociação nacional” destinada a garantir que a exploração capitalista pudesse prosseguir sem contratempos.

Para cumprir essa promessa, durante seus três períodos de governo, o PT cooptou e pôs sob o seu controle a maioria das dirigencias sindicais e sociais, transformou líderes populares em ministros, consultores de mercado, administradores de fundos de pensão e de investimentos.

Simultaneamente, com vistas a preservar as bases do próprio poder, o PT pôs o próprio partido, colocou-se ele mesmo, sob controle das forças mais reacionárias do capital agrário, de empresários da indústria nacional e internacional, do sistema financeiro e da teocracia evangélica.

Ao mesmo tempo em que governava para os proprietários do Brasil, o PT conseguiu anestesiar o descontentamento social com uma calculada combinação de programas sociais e terror repressivo.

Quando Lula aceitou comandar a missão de ocupação do Haiti em 2004, não lhe bastou mostrar aos EUA que era aliado confiável para esmagar democraticamente o protesto social no continente. Ao levar o exército brasileiro para os bairros pobres do Haiti, o governo do PT proporcionou às tropas um laboratório para intervir nas favelas do Rio de Janeiro – como fez durante as agitações de massas populares contra a Copa do Mundo de futebol de 2014.

Durante os governos do PT, a produção de alimentos no Brasil diminuiu em mais de 35 %, com o consequente aumento dos preços cobrados à classe trabalhadora, devido às facilidades dadas às multinacionais agrícolas para introduzir monoculturas. 200 mil camponeses foram deslocados; e 4 milhões perderam as suas terras para grandes empresas agrícolas. Foi em governos do PT, não em governos fascistas, que o desflorestamento da Amazônia alcançou o “ponto de não retorno”.

Foi o governo de Dilma Rousseff, não algum governo fascista, que converteu as ações de bloqueios de estrada e de ocupação de terras, em crimes terroristas.

Foi nesses governos progressistas, não em algum governo fascista, que os esquadrões da morte semearam o terror entre os mais miseráveis e oprimidos dos miseráveis e oprimidos nas grandes cidades do Brasil.

Foi em governos social-democratas, não em governos de direita, que as prisões brasileiras bateram os recordes mundiais de superlotação e degradação das condições de “vida” dos presos.

Foi nesses governos de esquerda que a classe trabalhadora e os oprimidos do Brasil conheceram o limiar mais baixo da humilhação e da vergonha. O proletariado brasileiro foi derrotado pela democracia, não pela ditadura.

Nisso, aliás, não há qualquer novidade.

Mussolini chegou ao poder quando o proletariado italiano já havia sido derrotado pelas concessões eleitoreiras dos “partidos operários e populares”.

Hitler foi designado como chanceler pelo presidente Hindenburg, que recebera o apoio dos socialistas que viam nele um baluarte da democracia na luta contra o nazismo.

Em 1973, Allende, em vez de colocar nos ministérios-chave representantes dos trabalhadores, empossou militares nesses cargos, ao mesmo tempo em que partidos da Unidade Popular aprovavam uma lei de controle de armas, para desarmar a classe trabalhadora e entregá-la, de bandeja, às tropas de Pinochet.

Quinze anos depois, a Junta Militar organizou a ‘transição democrática’, cumprindo ao pé da letra a doutrina de Jaime Guzman – o mais democrático dos fascistas e o mais fascista dos democratas.

Como todos os fascistas, Bolsonaro chegou simplesmente para organizar os negócios de compra e venda, depois que a democracia já tirara de jogo o proletariado brasileiro, reduzido a nada.

Tenham isto em conta quando se puserem outra vez a choramingar por causa “da chegada do fascismo”. É tarde demais para choramingar.

Teriam de se ter posto aos gritos, gerado pânico, tomado as ruas com indignação e fúria, isso sim, quando a esquerda social-democrata desarmou o proletariado, viciou-o nas comodidades da vida de classe média, viciou-o no clorofórmio das ‘comunicações’ e em mentiras de todo tipo.

O chororô assustado que se ouve hoje por todos os lado é patético. Só prova que os que tanto gemem hoje realmente dormiram durante 16 anos, deixaram-se ficar num mundo imaginário, de olhos fechados, recusando a ver o sangue que lhes jorrava diante do nariz, e a merda em que afundavam pouco a pouco, ao som de eleições e carnaval.

Mas fato é que a chegada do fascismo nunca é tão ruim quanto parece à primeira vista. Pelo menos, é tempo para decantar e amadurecer, para tentar fazer melhor da próxima vez.”*******

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