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MANLIO DINUCCI
GUERRA NUCLEAR
O DIA ANTERIOR
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à catástrofe
Capítulo 3
O Barril de Pólvora Nuclear
3.1 Um Milhão de Hiroshimas
De 1945, o ano em que se inicia a corrida aos armamentos nucleares, até 1991, o ano em que a destruição da União Soviética assinala o fim da guerra fria, estão fabricadas no mundo cerca de 125.000 ogivas nucleares https://thebulletin.org/2013/september/global-nuclear-weapons-inventories-1945-2013 : destas, mais de 53% (mais de 65.000) dos EUA, 44% (55.000) da União Soviética. Das fábricas dos EUA saem, no período 1959-1961, 6.500 armas nucleares por ano, uma média de cerca de 25 por dia laboral. As fábricas soviéticas trabalham ao mesmo ritmo.
Cada uma das duas super potências apretacha-se, desta maneira, de um arsenal nuclear que lhe dá a capacidade de destruir a outra: é a estratégia da «mutúa destruição assegurada» (na sigla inglesa «MAD», «louco»).
Cerca de 3.500 armas nucleares são fabricadas globalmente pela França (1.260), Grã-Bretanha (1.250), China (600), Paquistão (100-120), Índia (90-100), Israel (80-400) e África do Sul (6).
A despesa é enorme e prossegue até depois da guerra fria. Estima-se que os EUA gastaram em armamento nuclear, no período de 1940-1996, mais de 5.800 biliões de dólares (referido ao valor constante do dólar em 1996). Se essa soma fosse constituída por notas de um dólar, amarradas em pacotes, podia-se construir um muro de dólares com a altura de 2,5 metros que circundava a Terra 100 vezes, sobre o Equador. Juntando as despesas com os armamentos nucleares da União Soviética/Federação Russa e dos outros países, podia-se, no mínimo, duplicar a altura do muro de dólares em volta da Terra.
Acumula-se assim no mundo um arsenal nuclear que, nos anos oitenta, atinge provavelmente os 15.000 megaton, equivalente a mais de um milhão de bombas de Hiroshima. É como se cada habitante do planeta estivesse sentado sobre 3 toneladas de TNT. A potência do arsenal nuclear supera 5.000 vezes a de todos os engenhos explosivos usados na Segunda Grande Guerra mundial.Cria-se, pela primeira vez na História, uma força destruidora que pode aniquilar da face da Terra, não uma, mas muitas vezes, a espécie humana e quase todas as outras formas de vida.
Para o fabrico das armas nuclares, são produzidas, durante a guerra fria, mais de 250 toneladas de plutónio: bastavam 150 kgs, oportunamente distribuídos, para provocar o cancro do pulmão a toda a população humana. Produzem-se, sempre para fins militares, 2.200 toneladas de urânio altamente enriquecido (HEU).
Uma herança mortal, que a corrida aos armamentos nucleares deixa às gerações futuras. O período de redução para metade (o tempo que ocorre para que a radioactividade se reduza à metade da inicial) é, para o plutónio, 24.000 anos. Isto significa que essas 2.200 toneladas de urânio enriquecido (HEU) permanecem perigosas durante 250.000 anos, um período de tempo correspondente a 10.000 gerações humanas.
3.2 A «maleta nuclear»
O perigo da situação explosiva deriva dos mesmos procedimentos do emprego das armas nucleares, definido no decurso da guerra fria.
Os mísseis balísticos intercontinentais, uma vez lançados, levam 3-5 minutos para acelerar na fase ascensional, 8-10 minutos para atingirem o apogeu fora da atmosfera, 20 minutos para percorrer o trajecto intermédio, durante o qual as ogivas nucleares se separam. Então, elas tornam a entrar na atmosfera, empregando 30 segundos, na fase terminal, para atingir os objectivos à velocidade de 28.000 km/h. Cerca de 30 minutos depois do lançamento, as ogivas explodem sobre os objectivos a mais de 10.000 km de distância.
Dado estes tempos muito curtos, o Presidente dos Estados Unidos, onde quer que vá, é acompanhado de um oficial que leva a «maleta nuclear». O oficial, que está sempre a poucos passos do presidente, tem de ter a patente «Yankee White», que é concedida depois de um rigorosíssimo exame à vida pessoal do candidato, dos familiares e dos amigos, que devem ser absolutamente imunes a qualquer influência estrangeira.
A «maleta nuclear» contém um rádio satélite que funciona continuamente e o SIOP (Single Integrated Operational Plan) Decision Book, um manual ilustrado com o plano de guerra nuclear e o procedimento para lançar os mísseis. Dado que o primeiro SIOP foi denominado em código, «Dropkick» – o pontapé de ricochete, no futebol americano, que faz passar a bola sobre a trave da baliza adversária – a «maleta nuclear» é chamada por brincadeira, «Football». O manual do «Football», explica ao Presidente, Comandante Chefe das Forças Armadas, quais são as opções para o ataque nuclear. Ele pode escolher um ou mais dos seguintes objectivos no país inimigo: as forças nucleares, as forças convencionais, a liderança militar e política, os centros económicos e industriais. Mas também há uma quinta opção: a de usar, numa crise regional, as armas nucleares contra um inimigo que ataca as Forças Armadas americanas com armas convencionais (não-nucleares).
O manual, redigido pelos Chefes do Estado Maior reunidos, o orgão militar supremo, permite ao Presidente não ser ele mesmo a lançar os mísseis, carregando em qualquer botão, mas de fazer-se identificar, transmitindo códigos especiais de modo a poder, eventualmente, partilhar a ordem de lançamento aos chefes militares. São estes que têm o verdadeiro controlo dos mísseis nucleares e o poder efectivo de lançá-los. O mesmo acontece nos outros países que possuem armas nucleares.
O tempo para decidir o lançamento dos mísseis nucleares, no caso de um ataque do inimigo ou presumido como tal, é tão breve que torna impossível uma decisão política ponderada. Menos de 30 minutos, quando os satélites militares assinalam o lançamento provável de mísseis balísticos intercontinentais da parte inimiga – e menos de 10 minutos, se a lançar está, ou aparenta estar, um submarino avizinhando-se da costa ou uma unidade em posição avançada, com mísseis balísticos de alcance intermédio – os responsáveis políticos dos países sob ataque, verdadeiro ou presumível, devem verificar se é um lançamento real e deliberado, ou um falso alarme ou mesmo um lançamento acidental e decidir lançar os seus próprios mísseis nucleares.
No entanto, são também as chefias militares a ter a palavra decisiva, porque, admitindo que haja tempo de ponderar a decisão, os responsáveis políticos são chamados a decidir com base na informação fornecida pelos militares. Estes, por sua vez, recebem-na dos sistemas automáticos, tipo radar e sensores de satélites.
Em tal situação, existe a possibilidade real de poder deflagrar uma guerra nuclear acidental, depois de um erro ou incidente. Demonstram-no milhares de falsos alarmes, alguns dos quais muito arriscados.
3.3 Os falsos alarmes de ataque nuclear
Na noite de 25 de Novembro de 1961, todas as comunicações entre a NORAD (Comando de Defesa Aérea Norte Americana) e o SAC (Comando aéreo Estratégico) interromperam-se devido a uma sobrecarga das linhas. Dado que poderia ser o início de um ataque soviético, o NORAD lança o alarme alfa, o nível máximo de alerta, preparando-se para dirigir contra a URSS os bombardeiros B-52 e lançar mísseis nucleares.
Na manhã de 9 de Novembro de 1979, salta um outro alarme nuclear, quando um oficial do NORAD, introduz, inadvertidamente, num computador ligado à rede radar, uma fita com um programa registado, usado nos exercícios contra um ataque soviético. Sobre os visores dos radares aparecem, então, bombardeiros e mísseis intercontinentais soviéticos a dirigir-se para os EUA.
Novo alarme nuclear no NORAD na noite de 3 de Junho de 1980, quando, devido a uma falha nos computadores, aparecem 4 algarismos que indicam o número de mísseis soviéticos a chegar, no lugar de um zero aparece um dois, assinalando a chegada dos dois primeiros e depois, duzentos mísseis.
Na noite de 26 de Setembro de 1983, surge outro alarme nuclear também na URSS. Naquele momento, o comando de um centro de controlo, perto de Moscovo, está o Tenente Coronel Stanislav Petrov, um analista que substitui um dos militares profissionais. Quando se acende uma luz vermelha, assinalando o lançamento de um míssil de uma base americana contra a URSS, Petrov e a sua equipa verificam a operacionalidade do sistema, o que é regular. De repente, acendem-se outras luzes vermelhas, indicando o lançamento de outros mísseis da mesma base. Segundo o protocolo, neste ponto, Petrov deveria dar o alarme às autoridades civis e militares, que tinham apenas 12 minutos para lançar o contra ataque nuclear. Em vez disso, considerando irreal um ataque americano proveniente de uma única base, comunica às referidas autoridades que se trata de um mau funcionamento do sistema de controlo soviético. O momento é dramático: tem de aguardar o escoar de meia hora a partir do presumível lançamento, para ter a confirmação se é, efectivamente, um falso alarme. O que provocou o sucedido, foi um reflexo de luzes sobre as nuvens, que um satélite tinha assinalado como sendo o brilho dos foguetões dos mísseis balísticos intercontinentais, lançados dos Estados Unidos contra a União Soviética.
Estes são apenas, alguns dos numerosos alarmes nucleares durante a guerra fria. As informações que possuem são incompletas, dado que as autoridades, mesmo quando são forçadas a admitir tais episódios, não fornecem pormenores. Então, na maior parte dos casos, não se sabe qual era o seu grau de perigo, nem como se chegou ao alarme cessado.
Outros riscos derivam do estado mental, mais do que dos governantes aparentemente sãos, dos militares que operam com armas nucleares. Nos EUA, entre 1973 e 1990, foram afastados 66.000 militares: 40% por abuso de álcool e drogas e 20% por problemas psiquiátricos. Certamente, verificaram-se casos análogos na União Soviética e em outros países com armamentos nucleares.
Nem mesmo é de descartar a possibilidade que alguém, das altas esferas militares, forneça deliberadamente informações falsas sobre um ataque inimigo, em acção ou iminente, para poder lançar um ataque nuclear.
Há também o risco de ameaça de usar armas nucleares, utilizada como bluff, ser interpretada pelo adversário como a intenção real de atacar. Neste campo, o record da inconsciência pertence ao Presidente Richard Nixon. Em 13 de Outubro de 1969, ele ordena o estado de alerta das forças nucleares americanas a escala mundial: é um bluff para fazer crer à URSS que os EUA estão a preparar-se para atacar o Vietnam do Norte com armas nucleares, para que Moscovo force Hanoi a interromper a ofensiva sobre o Vietnam do Sul e, desse modo, a guerra terminar, deixando o sul do país sob controlo dos americanos.
É o que Nixon define em segredo, como a «teoria do louco»: um estratagema para fazer crer aos adversários que ele é perigosamente imprevisível, pronto a alvoraçar-se, a golpear com uma força avassaladora, usando também, armas nucleares. Apenas sabem que se trata de um bluff (coisa que começará a vir à luz anos depois, no início de 1983), o conselheiro para a Segurança Nacional, Henry Kissinger, o seu ajudante, Alexander Haig e o Chefe do Staff da Casa Branca, Bob Haldeman.
Todos os outros, incluindo os responsáveis do Comando Aéreo Estratégico e dos outros comandos encarregados das armas nucleares, acreditavam que se tratava de um preparativo de guerra real contra a União Soviética. Eles colocaram as forças nucleares em alerta máximo, aumentando o número de bombardeiros tidos em vôo para estarem prontos para o ataque e, no dia 27 de Outubro de 1969, efectuam no Alaska um exercício de guerra nuclear, denominado «Giant Lance» (Lançamento gigantesco). Três dias depois, os serviços secretos americanos informam a Casa Branca que o estado de alerta das forças nucleares soviéticas atingiu o nível máximo. Só neste ponto, vendo o bluff falhar, é que o Presidente Nixon revoga o estado de alerta das forças nucleares dos EUA.
A seguir:
3.4 Os incidentes com armas nucleares
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
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