MANLIO DINUCCI
GUERRA NUCLEAR
O DIA ANTERIOR
De Hiroshima até hoje:
Quem e como nos conduzem à catástrofe
3.5 O inquinamento radioactivo dos testes e das instalações nucleares
Outra herança mortal que é deixada às gerações futuras é a radioactividade produzida pelos testes nucleares. Ente 1945 e 1991, foram efectuados, oficialmente, 2.024 explosões experimentais, das quais 528 na atmosfera e 1.496 subterrâneas: os EUA efectuaram 1.030 (215 na atmosfera e 807 subterrâneas; a URSS, 715 (219 na atmosfera e 496 subterrâneas); a França 204 (50 na atmosfera e 154 subterrâneas); a Grã-Bretanha 45 (21 na atmosfera e 24 subterrâneas); a China 38 (23 na atmosfera e 15 subterrâneas). Juntam-se a estas, os dois «testes» na atmosfera, efectuados pelos EUA sobre Hiroshima e Nagasaki, em 1945.
Os primeiros a ser expostos às radiações são os militares que participam nos testes. Nos Estados Unidos, são enviados mais 200.000 nos polígonos onde se efectuam, entre 1945 e 1962, as explosões nucleares atmosféricas. Nesse momento quase ninguém dá conta do período em que é exposto e, também, porque os comandos garantem que, com as indumentárias de protecção de que dispõem, não correm nenhum risco. Só anos depois, ao ficarem doentes e, muitos, morrendo de cancro por causa das radiações absorvidas, é que se dão conta de terem sido usados como cobaias humanas, nos exercícios de guerra nuclear.
«Tinham nos dito que estávamos a 3.750 jardas (3.429 metros) do ground zero, conta um dos soldados que, em Junho de 1957, participou no teste nuclear Priscilla, em Camp Desert Rock, no Nevada. «No clarão da alvorada podíamos ver distintamente, preso a uma grande bola travada, um pequeno objecto a cerca de 700 pés (cerca de 200 metros) do solo. Quando é iniciada a contagem decrescente, disseram-nos para nos ajoelharmos na trincheira, com as costas voltadas para o ponto da explosão, tendo os olhos bem fechados e premindo o antebraço sobre os óculos de protecção. No momento da detonação, cerca das seis da manhã, apesar de termos os olhos fechados e os óculos seguros, vi por uns instantes os ossos do antebraço que tinha premido contra os óculos. Depois de um ou dois segundos, a terra tremeu. Mas ainda estava tudo em silêncio. Depois, um rugido indescritível. Detritos de todos os géneros, arremessados pela explosão, voavam sobre a trincheira que, em parte, se tinha desfeito, enterrando alguns de nós. Depois de 20 ou 30 segundos, disseram para nos levantarmos e olharmos para a bola de fogo. Parecia em cima das nossas cabeças e ainda ardia. Depois fizeram-nos sair das trincheiras e avançar para o ground zero. Naquela época, pensavam que era possível combater uma guerra com tais armas. Só depois de alguns anos é que me dei conta que era uma loucura oficial, conduzir estes testes e doutrinar as tropas que participavam neles, para dizerem que tinha sido útil e também possível combater e vencer uma guerra nuclear».
Outro soldado que participou, em Julho de 1957, no mesmo polígono, no teste Shot Hood, com um engenho muito mais potente (80 kiloton), conta o que aconteceu quando, depois da deslumbrante explosão, lhe foi dito para se levantar: «Os meus olhos começaram a olhar para cima, sempre mais para cima, seguindo o espesso tronco de fumo e fogo ardente, na parte superior do grande cogumelo. Não consigo mover-me, se bem que tenha sido dada essa ordem. Então um sargento deu-me um pontapé no traseiro, gritando-me para eu andar. Tínhamos começado a caminhar em fila indiana em direcção ao ground zero, sempre com o olhar fixo, como hipnotizados, para aquela coluna de fumo e chamas que continuava a fervilhar sobre nós». O mesmo soldado, ao pensar naquele momento, escreve:« Então, eu tinha uma fé completa nas autoridades e jamais teria imaginado que me teriam metido em perigo numa situação de não combate. Claro que me enganava. O governo era descuidado com todos nós. A nossa verdadeira função, ali, era de fazer de manequins nas trincheiras. Mas para que diabo, devíamos tomar de assalto o ground zero, poucos minutos depois da explosão? O que é que restava lá para assaltar?»
Um marinheiro, que em Março de 1954 se encontra a bordo do contratorpedeiro Philip, a cerca de de 30 milhas (mais de 55 km) do atol de Bikini, também recorda a explosão de uma bomba de hidrogénio de 15 megaton:« Tinham-nos dito para não olharmos para a esfera de fogo porque, também àquela distância, poderíamos ficar com danos permanentes nos olhos. Quando é iniciada a contagem decrescente, nós, no convés, agachámos-nos sobre o lado direito, com a cabeça entre os braços e os olhos fechados. No momento da explosão, a luz da alvorada transformou-se numa luz deslumbrante, como um sol do pino do verão. A seguir, depois de alguns minutos, Podemos ver o que o homem tinha feito. A bomba de hidrogénio tinha criado o espectáculo mais aterrorizador que os olhos humanos jamais tinham visto. Tínhamos a visão do Apócalipse. Pudemos ver a onda de choque que se aproximava, movendo-se através da água, varrendo em direcção às nuvens, vaporizando-as. Ninguém da equipagem falava, estava um silêncio religioso, enquanto víamos a nuvem atómica em ebulição que ascendia ao céu. Recordo de ter-me dirigido ao meu superior, perguntando-lhe como alguém poderia pensar em iniciar outra guerra. Não me respondeu, apenas abanou a cabeça lentamente.»
Nos anos seguintes aos testes nucleares, o governo quase nunca reconhece que os tumores contraídos pelos soldados são devidos às radiações absorvidas. Um dos «veteranos atómicos» escreve: «Ao longo dos anos, tive de passar por várias intervenções cirúrgicas para remover as células cancerosas do rosto, do peito e dos braços.Tentei obter uma compensação, mas foi-me sempre negada». Outro escreve: «Em minha opinião, foi gasto um montão de dólares, retirados dos impostos, para redigir estudos enganosos e convencer que os testes não eram perigosos para a nossa vida e, para o que é mais importante, para a nossa saúde.»
Os testes do Nevada, também, semearam a morte entre os civis. As nuvens radioactivas das explosões espalharam-se numa vasta área elíptica, abrangendo o Utah, o Idaho, Montana e zonas ainda mais longínquas, provocando no decurso dos anos, pelo menos, 15.000 casos mortais de cancro e 20.000 não mortais.
3.5 O inquinamento radioactivo dos testes e das instalações nucleares – Parte 2
A morrer devido aos testes nucleares também estão as divas de Hollywood. Em 1954, a firma cinematográfica, RKO decide realizar um filme sobre Gengis Khan, The Conqueror, dirigido por Dick Powell e interpretado por John Wayne e Susan Hayward. Na impossibilidade de filmá-lo na Mongólia, sendo o período da guerra fria, o grupo de artistas vai para o deserto do Utah, a pouco mais de 150 km do polígono do Nevada onde ocorrem testes nucleares. Permanecem aí durante três meses e, regressando a Hollywood, levam do Utah, 60 toneladas de areia do deserto para tornar mais realísticas, as cenas a filmadas nos estúdios. Nos anos seguintes, 91 dos 220 membros da troupe são atingidos por vários carcinomas. Mesmo que a causa não seja oficialmente reconhecida, o Departamento de Biologia da Universidade de Utah conclui, depois de ter estudado o caso, que a causa a provocar na troupe uma tão alta incidência de mortes pelo cancro não podia ser outra senão o fallout dos testes nucleares do Nevada.
Só em 5 de Agosto de 1963, pois que desde 1945 são efectuadas, na totalidade, 528 explosões nucleares na atmosfera, os EUA, a União Soviética e a Grã-Bretanha assinam o Tratado de Interdição Parcial de Ensaios Nucleares (Partial Test Ban Treaty) que proíbe as explosões nucleares na atmosfera, no Espaço Exterior e nas profundezas marítimas. Mas, a radioactividade tinha-se espalhado na atmosfera terrestre: só os testes realizados no polígono do Nevada, entre 1951 e 1963, lançam 12 biliões de curie, uma radioactividade equivalente a cerca de 150 vezes à que foi provocada pela catástrofe nuclear de Chernobyl, em 1986.
Em cerca de metade dos testes subterrâneos, verificam-se emissões de radioactividade, mas numa medida muito menor, se comparadas às das explosões na atmosfera. Segundo um estudo efectuado pelo US Congressional Office of Technological Assessment, em 1989, 126 explosões nucleares subterrâneas, efectuadas no polígono do Nevada, entre 1970 e 1988, provocam um lançamento de radioactividade na atmosfera, quer imediatamente, quer nas semanas seguintes, devido ao gás que, ao espalhar-se, atravessa as rochas porosas e as cavidades subterrâneas, atingindo a superfície mesmo em zonas distantes.
Juntam-se a estas, as emissões radioactivas ds instalações nucleares militares: nas americanas, segundo o mesmo Departamento de Energia, verificam-se cerca de 10.000 casos de contaminação activa do solo, das faldas aquíferas e dos edifícios. Nas instalações de tratamento de Savannah River, Hanford e Ineel, reservatórios contendo 300 milhões de litros de escórias altamente radioactivas, filtram no solo cerca de 3,8 milhões.
Só na área onde está situado o maior complexo para o fabrico de armas nucleares, a Hanford Nuclear Reservation, mais de 20.000 crianças estão expostas ao iodo-131, um isótopo radioactivo que provoca o cancro da tiróide. Dado que a radioactividade tem efeitos a longo prazo, prevê-se, a seguir aos testes e às fugas radioactivas, pelo menos outros 120.000 casos de cancro de tiróide, dos quais cerca de 6.000 mortais. É a Hiroshima dos Estados Unidos.
Ainda mais desastrosas são as consequências dos testes nucleares soviéticos. Na região de Semipalatinsk, no Casaquistão, de 1949 a 1989 efectuam-se 459 explosões nucleares – das quais, 87 na atmosfera, 26 ao nível do solo, 346 subterrâneas – com uma potência total equivalente a 1.100 bombas de Hiroshima. Os habitantes não são advertidos do perigo, nem protegidos com medidas preventivas adequadas. Cerca de 1 milhão e meio de pessoas são atingidas pela queda da radioactividade e dos gases radioactivos que se escapam durante os testes subterrâneos. A mortalidade infantil é 10% superior à media nacional; a incidência de doenças do sangue é de 30%; e casos de atraso mental, é 200%. A incidência de casos de cancro, que em 1980 é de 158 para 100.000 habitantes, aumenta um terço em 10%. Entre 1980 e 1990, as mortes por cancro de pulmão triplicam; as de cancro do intestino, aumentam oito vezes mais.
Nas instalações soviéticas, sobretudo nas «três cidades de plutónio» (Cheyabinsk-65, Tomsk-7, Krasnoyarsk – 26), onde se produz a matéria prima para as armas nucleares, verificam-se autênticos desastres. O mais grave teve lugar em Chelyabinsk. De 1949 a 1956, as descargas radioactivas do complexo de Mayak são lançadas no rio Techa, do qual se abastecem de água, 24 aldeias. Em 1957, nas instalações de Kyshtym, explode um depósito de escórias altamente radioactivas, contaminando um território habitado por 250.000 pessoas, do qual é evacuado uma mínima parte. Dez anos depois, em 1967, quando a seca drena o Lago Karachai, no qual o complexo de Mayak lança as descargas radioactivas de 1951, uma tempestade de vento espalha a poeira radioactiva sobre um território habitado por meio milhão de pessoas.
Na região de Chelyabinsk, devido à radioactividade, 90 % das crianças contrai doenças crónicas e a duração de vida é de 50 a 55 anos. É a Hiroshima soviética, que faz mais vítimas do que as provocadas pelos bombardeamentos nucleares das cidades japonesas.
A radioactividade produzida pelos testes nucleares (sobretudo atmosféricos), dos acidentes em que estão envolvidas armas nucleares e as emissões das instalações nucleares militares, compromete a saúde de milhões de pessoas. Não se sabe com exactidão o número, pois o segredo militar reina soberano. Segundo uma das estimativas, as pessoas atingidas pelos efeitos das radiações serão 15 milhões e os mortos mais de meio milhão. No entanto, sabe-se que os efeitos das radiações continuarão a transmitir-se, de geração em geração, provocando outros milhões de mortos. Depois de Hiroshima e Nagasaki, a Bomba continua a matar.
3.6 A ligação entre o nuclear militar e civil
Já em 1943, no decurso do projecto Manhattan, descobre-se que o reactor nuclear, com que se produz o plutónio para a bomba de Nagasaki, produz energia térmica que poderia ser convertida em energia eléctrica. Torna-se evidente aos generais e aos governantes, a vantagem de construir centrais nucleares civis que, enquanto produzem energia eléctrica, podem fornecer plutónio e outros materiais físseis para uso militar e, ao mesmo tempo, amortizar os custos através da energia eléctrica produzida.
Paradigmático, é o facto, de que o anúncio do futuro nascimento da indústria nuclear ter sido feito, imediatamente após o primeiro uso militar de energia nuclear, com o bombardeamento de Hiroshima: «A energia atómica – escreve o Presidente Truman na Declaração de 6 de Agosto de 1945 – poderia, no futuro, fornecer a energia que agora provém do carvão, do petróleo e da água, mas que no estado actual não pode ser produzida numa base comercialmente competitiva». A primeira energia electronuclear surge produzida experimentalmente nos Estados Unidos, em 1951 e, três anos depois, também na União Soviética.
Em 8 de Dezembro de 1953, o Presidente dos Estados Unidos, Dwight D. Eisenhower pronuncia, na Assembleia Geral das Nações Unidas, o discurso «Átomos para a Paz». Antes de tudo, ele salienta que «o arsenal de bombas atómicas dos Estados Unidos, o qual aumenta mais a cada dia e supera, muitas vezes, o equivalente a todas as bombas e a todos os projécteis, aviões e canhões em todos os teatros bélicos, durante todos os anos da Segunda Guerra Mundial». Mas, acrescenta, «o terrível segredo e os aterradores instrumentos da potência atómica não pertencem só a nós.» De facto, a União Soviética realizou a sua primeira explosão nuclear experimental em 1949, e a Grã-Bretanha em 1952.
Embora os Estados Unidos tenham «acumulado uma grande vantagem quantitativa» nos armamentos nucleares, afirma Eisenhower, «o conhecimento agora possuído por alguns países será finalmente partilhado por outros, talvez por todos os outros», isto é, é possível que muitos outros países adquiram a capacidade de construir armas nucleares. Em seguida, ele propõe construir uma agência internacional, sob a égide das Nações Unidas, para o uso pacífico da energia atómica, em particular para «fornecer energia eléctrica abundante, às áreas do mundo esfomeadas de energia». Assim, todos os povos «poderão ver que, nesta era iluminada, todas as grandes Potências da Terra, seja do Leste ou do Ocidente, estão mais interessadas nas aspirações humanas do que na construção de armamento de guerra».
Fundamentada nesta proposta que, também é aceite pela União Soviética, é constituída em 1957 a International Atomic Energy Agency (IAEA), organização autónoma inter-governamental, sob a égide das Nações Unidas, à qual aderem, sucessivamente, 168 Estados. Segundo o Estatuto, aprovado em 1956, a sua tarefa principal é «encorajar e ajudar a pesquisa da energia atómica para fins pacíficos, o seu desenvolvimento e as aplicações práticas, à escala mundial». Depois da conclusão do Tratado de Não-Proliferação das Armas Nucleares, em 1968, a IAEA assume também a tarefa de «verificar que os Estados não nucleares, aderentes ao TNP, obedeçam às obrigações da não-proliferação».
Enquanto é constituída a IAEA, entra em funcionamento, em Calder Hall, na Grã Bretanha, em Outubro de 1956, a primeira central electronuclear do mundo. A primeira central americana fica pronta a funcionar, em Dezembro de 1957, em Shippingport (Pennsylvania). Também essa, como a de Calder Hall, enquanto fornece electricidade, produz plutónio para as bombas nucleares. O mesmo acontece em França, onde o primeiro reactor electronuclear que começa a funcionar em Marcoule, em 1959.
O desenvolvimento indiscutível da industria electronuclear começa nos anos sessenta. Em seguida, nos anos setenta e oitenta, a indústria electronuclear atinge o máximo desenvolvimento: tornam-se operacionais, neste período, 105 reactores nos Estados Unidos, 52 em França, 47 na União Soviética, 37 no Japão, 28 na Alemanha,19 no Canadá, 17 na Grã Bretanha, 12 no Japão, 9 respectivamente na Espanha e na Coreia do Sul, 7 na Bélgica, 5 na Checoslováquia, Índia e Bulgária, 4 na Hungria, Finlândia e Suiça; 2 na África do Sul e Argentina; 1 no Brasil, México, Itália, Holanda, Jugoslávia e Paquistão.
A indústria eletronuclear nasce, portanto, como uma consequência tecnológica do nuclear militar e serve, por sua vez, para o desenvolvimento deste último, permitindo produzir, às grandes potências nucleares, quantidades crescentes de plutónio e de outros materiais físseis, e de amortizar, parcialmente, os custos através da venda da energia eléctrica e de centrais electronucleares completas. Cria-e assim um mercado internacional do sector nuclear, dominado no Ocidente por um oligopólio de multinacionais como a Westinghouse, a General Electric, a Union Carbide. Deste modo, outros países estão capacitados para produzir plutónio e urânio enriquecido, cuja quantidade real pode ser facilmente subtraída ao controlo dos inspectores do IAEA: de facto, basta declarar uma produção inferior à efectiva, sobrestimando as perdas tidas nas instalações de reprocessamento do combustível dos reactores nucleares. Além disso, no ciclo de exploração do urânio, não existe uma linha nítida de demarcação entre o uso civil e o uso militar dos materiais físseis.
Uma vez extraído na mina, o Urânio 238 é enriquecido, e torna-se em U 235 numa instalação especial: 60% para reactores rápidos actuais, mais de 90% para armas nucleares (mesmo que baste exceder 20% para construir uma bomba nuclear rudimentar). Com o urânio enriquecido a 3-4%, são fabricadas as barras de combustível para os reactores térmicos. Estas são montadas e instaladas nos reactores, dos quais constituem o núcleo, permanecendo 2-3 anos. O combustível usado nas centrais electronucleares, ainda fortemente radioactivo, forma as escórias que são, em parte, transferidas para uma fábrica de tratamento, onde são extraídos os elementos utilizáveis: o Urânio 235 e o Plutónio 239. Entretanto, o urânio extraído volta para a instalação de enriquecimento ou para a fábrica de elementos combustíveis para reactores térmicos. O Pu 239 é recolhido num depósito.
Parte deste plutónio é utilizada, juntamente com o urânio enriquecido a 60%, para fabricar as barras de combustível para os reactores rápidos. Nos reactores auto fertilizantes rápidos, que usam como combustível o plutónio, produzindo mais material fissionável do que aquele que consomem, o urânio (U 238) transforma-se, por sua vez, em Pu 239, que vai aumentar o depósito de plutónio. Para o fabrico de armas nucleares é usado o Pu 239, proveniente do depósito de plutónio, e o U 235, proveniente da fábrica de enriquecimento. O plutónio para as armas nucleares é fornecido também pelos reactores térmicos militares que, utilizando barras de combustível metálico, produzem uma quantidade maior do que os reactores normais, que utilizam barras de óxido de urânio, mas sempre inferior à dos reactores auto fertilizantes rápidos.
Esta é a ligação estreita entre o nuclear civil e militar a favorecer a proliferação das armas nucleares. Sublinha-o, em 1976, Victor Gilinsky, membro da comissão americana que lança as concessões para a construção das centrais nucleares: ««Pelo que diz respeito ao plutónio produzido nos reactores, de facto, é possível utilizá-lo para a realização de bombas atómicas em sistemas tão diversos de desenvolvimento tecnológico. Por outras palavras, países menos desenvolvidos do que os principais países industrializados, desenvolvem programas de energia nuclear e estão a ponto de realizar bombas atómicas de qualidade não desprezível». Quando Gilinsky lança este aviso, a China e a Índia já começaram a construir armas nucleares e o Paquistão prepara-se para fazê-lo.
N.da T: Relação das centrais nucleares actuais e do seu estado
Centrales nucleares en Abu Dhabi
- Centrales nucleares en Alemania
- Centrales nucleares en Argentina
- Centrales nucleares en Armenia
- Centrales nucleares en Bélgica
- Centrales nucleares en Brasil
- Centrales nucleares en Bulgaria
- Centrales nucleares en Canadá
- Centrales nucleares en China, continente
- Centrales nucleares en Eslovenia
- Centrales nucleares en España
- Centrales nucleares en Estados Unidos
- Centrales nucleares en Federación de Rusia
- Centrales nucleares en Finlandia
- Centrales nucleares en Francia
- Centrales nucleares en Hungría
- Centrales nucleares en India
- Centrales nucleares en Irán
- Centrales nucleares en Italia
- Centrales nucleares en Japón
- Centrales nucleares en Kazajstán
- Centrales nucleares en Lituania
- Centrales nucleares en México
- Centrales nucleares en Países Bajos
- Centrales nucleares en Pakistán
- Centrales nucleares en Reino Unido
- Centrales nucleares en República Checa
- Centrales nucleares en República Eslovaca
- Centrales nucleares en RO Corea (del Sur)
- Centrales nucleares en Rumania
- Centrales nucleares en Sudáfrica
- Centrales nucleares en Suecia
- Centrales nucleares en Suiza
- Centrales nucleares en Taiwán
- Centrales nucleares en Ucrania
3.7 Acidentes nas centrais nucleares
Central Nuclear americana The Three Mile Island
Ao período da proliferação junta-se o do impacto ambiental das instalações nucleares. No seu funcionamento normal, elas emitem radioactividade em pequenas quantidades, dado que os sistemas de filtragem não podem eliminar toda a radioactividade do ar e da água, que são continuamente aspiradas e expulsas. Todavia, como demonstram várias pesquisas epidemiológicas, mesmo pequenas doses de radioactividade podem causar, a longo prazo, graves danos nos seres vivos, sobretudo formas cancerígenas e malformações genéticas. Muito maiores do que as das centrais são as emissões das fábricas de enriquecimento e reprocessamento do combustível nuclear, que descarregam em grande parte, na atmosfera, gases radioactivos. Contaminam não só a zona circundante, pois que os radionuclídios emitidos por uma central ou uma outra instalação nuclear, podem ser transportados a grandes distâncias pelos ventos e tornar a cair no solo através da chuva, entrando no ciclo alimentar e fixando-se nos organismos dos seres vivos.
As maiores fugas de radioactividade são provocadas por frequentes deteriorações e acidentes. Não obstante todas as garantias fornecidas sobre a segurança das instalações, a história da indústria electronuclear está constelada de milhares de acidentes. Os mais graves verificaram-se, em 1979, em Three Mile Island, na Pennsylvania,(USA) e, em 1986, em Chernobyl, na Ucrânia (URSS).A de Three Mile Island, acontece em 28 de Março de 1979, em seguida a uma falha mecânica agravada por erros humanos. Às 4 da manhã, as bombas do sistema de alimentação, destinadas a fornecer água aos geradores de vapor, bloqueiam-se acidentalmente, no momento em que o reactor trabalha a 97% da potência instalada. No reservatório de refrigeração, a temperatura eleva-se de súbito, provocando um forte aumento de pressão. Neste ponto, abre-se uma válvula de segurança, que permite o escoamento do vapor e da água do reservatório e, ao mesmo tempo, no reactor, a fissão nuclear pára automaticamente. No entanto, permanece um calor residual, produzido pelo material radioactivo em decadência, que deve ser eliminado para evitar o sobreaquecimento do núcleo do reactor, contendo as barras de combustível nuclear. Um sujeito da sala de controlo, certifica-se que as bombas de emergência entrem regularmente em funcionamento; não se apercebe, no entanto, de duas luzes, as quais assinalam que, depois do fecho de duas válvulas, a água não chega aos geradores de vapor. Entretanto, tendo ficado aberta a válvula de segurança, o sistema de refrigeração continua a perder água. Numa sucessão de ordens, contra ordens e grandes erros, a situação torna-se gravíssima: às 06:54, verifica-se uma forte emissão de vapor radioactivo no exterior da central e, facto ainda mais grave, no coração do reactor forma-se uma bola de hidrogénio que corre o risco de explodir, provocando a catástrofe: a fusão do núcleo.
Os responsáveis da central, que pertencem à empresa Met Edison e a autoridade, fazem tudo para esconder o acidente, cuja notícia escapa só porque um colaborador de uma estasção radiofónica local, intercepta por acodo, com a sua aparalhagem CB, uma comunicção dos bombeiros. Quando,às 13:50, se escuta na sala abarrotada de controlo, um rumor surdo provocado pela explosão do hidrogénio, no coração do reactor, os dirigentes explicam que é só o bater de uma ponte levadiça da instalação de arejamento («para não provocar o pânico», dirão depois). Entretanto, aumenta no exterior a radioactividade, acrescida do facto de que a direcção da central, faz descarregar no rio, sem comunicar nada às autoridades, um milhão e meio de litros de água radioactiva acumulada no interior da central. Espalha-se a notícia da possível explosão do núcleo do reactor, o governador faz evacuar 3.500 crianças e mulhers grávidas e pede aos habitantes para se fecharem em casa. Mas o pânico espalha-se e outras 100 mil pessoas fogem. A América está com a respiração suspenssa até 2 de Abril quando, miraculosamente, a bolha de hidrogénio do reactor é reabsorvida, evitando a explosão.
As consequências para a saúde do acidente de Three Mile Island nunca foram oficialmente reconhecidas. Segundo as autoridades, os indícios epidemiológicos, efectuados nos anos seguintes, não evidenciaram nenhum aumento de tumores e de leucemia devido às radiações. Por outro lado, numerosos pesquisadores privados, afirmam o contrário. «Diversas centenas de pessoas, no momento do acidente, acusaram náuseas, vómitos, queda de cabelo e irritações cutâneas, e muitas disseram que os seus animais domésticos morreram ou mostraram sinais de exposição às radiações», afirma um estudo publicado em 1997, pelos pesquisadores da Universidade da Carolina do Norte, os quais sublinham «ter encontrado, depois de 1979, um impressionante aumento da incidência de casos de cancro na zona sotavento, referente à central de Three Mile Island». Os pedidos de compensação, apresentados por 2.000 habitantes da zona, acompanhados de atestados médicos, foram rejeitados, em 1996, pelo juiz do tribunal da comarca distrital.
Central Nuclear Soviética de Chernobil
Ainda mais desastroso é o acidente que acontece em Chernobil, em Abril de 1986. Apenas dois meses antes, o Ministro da Energia da República Ucraniana, assegurava: «As probabilidades de um acidente no núcleo da central, são de 1 para 10.000. Temos aqui, em Chernobil, para cada reactor, três sistemas de protecção que operam de modo independente, uns dos outros. Também o ambiente exterior está protegido: os edifícios são selados hermeticamente e existem três sistemas de purificação das escórias tóxicas, que excluem qualquer descarga na atmosfera». «O Homem e a Natureza estão completamente seguros». – garantia o Director da central – «Mas, se acontecesse o impossível, o controlo automático dos sistemas de segurança desligavam o reactor, no espaço de poucos segundos».
O acidente verifica-se às 01:23h, do dia 26 de Abril de 1986, enquanto os trabalhadores conduzem uma experiência de rotina num dos quatro reactores: um RBMK-1000 https://pt.wikipedia.org/wiki/RBMK de mil megawatt, adaptação para uso civil de um reactor militar, projectado para produzir material físsil para armas nucleares. Em três segundos, sem que houvesse tempo de activar os sistema de segurança, a produção de energia do núcleo elava-se 100 vezes acima do nível máximo normal, fazendo subir enormemente a temperatura. Duas explosões atravessam a placa de metal de 2.000 toneladas, que sela a parte de cima do reactor e destroem o edifício, lançando no ar os fragmentos incandescentes e altamente radioactivos do núcleo.
«Tudo acontece como num conto de fadas desconhecido» – conta sucessivamente, uma mulher de Chernobil https://ricerca.repubblica.it/repubblica/archivio/repubblica/1986/05/06 No céu, a grande altura, apareceram de improviso, a girar, estrelas enormes que pareciam acender-se e depois, momentaneamente, despenhavam-se, caindo, como um gigantesco fogo de artifício. Ficámos fascinados a ver aquele espectáculo insólito e belíssimo, e chamamos as crianças para que elas também o desfrutassem. Depois as estrelas desapareceram e apenas permaneceu uma fuga de fumo que, ocasionalmente, se coloria de fogo. Depois fomos dormir com a esperança de que, na noite seguinte, o fenómeno se repetisse. No dia seguinte, o espectáculo da noite anterior foi o tema de todas as conversas. E quando chegou a noite, muitos habitantes de Cernobil tornaram a contemplar o céu. Mas o espectáculo não se repete, a não ser algum brilho que, de vez em quando, aparece no horizonte. No domingo quase tínhamos esquecido, quando os primeiros rumores, vagos e confusos, alcançaram Chernobil. Diziam que tinha havido uma falha no reactor, mas que não era grave e que se estava a providenciar a sua eliminação. Visto que as autoridades locais estavam silenciosas, pareceu que fosse de proporções limitadas. O alarme estalou na segunda-feira. As crianças voltaram da escola antes do habitual e disseram que lhes tinha sido recomendado para não saírem de casa, para lavar os cabelos e mudar de roupa. Encontrei o meu marido em casa. Disse-me que tinha sido comunicado aos operários da sua fábrica para se prepararem para sair de Chernobil com as suas famílias.Só naquele momento, tivemos a sensação clara de uma catástrofe».
A catástrofe de Chernobil provoca o lançamento de uma radioactividade equivalente a 200 vezes a totalidade lançada pelas bombas de Hiroshima e Nagasaki. Na Ucrânia, Rússia e Bielorússia, contamina uma área total de mais de 160.000 km2, habitada por cerca de 9 milhões de habitantes. A núvem radioactiva espalhou-se, em grande parte, na Europa Central e Oriental e, também, na Europa Ocidental, abrangendo a Itália Setentrional e Central.
As consequências para a saúde são agravadas pelo facto de que, as autoridades soviéticas, quer centrais, quer locais, esperarem mais de dois dias antes de dar, ao meio dia de 28 de Abril, o anúncio oficial do desastre. Ao mesmo tempo as autoridades dos EUA revelam que a CIA estava ao corrente, em 26 de Abril, do acidente na central nuclear. Esta demora impede a evacuação imediata dos habitantes e atrasa a adopção de medidas de urgência, na área atingida pela núvem radioactiva, contribuindo para aumentar o número de vítimas.
Nos dias e semanas seguintes à explosão do reactor, cerca de 13.000 crianças da região de Chernobil, respiram ar contendo níveis elevados de iodo 131, um isótopo radioactivo que se acumula na tiróide: como consequência, a incidência de tumores na tiróide das crianças, aumenta cerca de 10 veses. Na Bielorússia, cuja fronteira dista 50 km de Chernobil, o cancro da tiróide manifesta-se com uma frequência 285 vezes maior do que antes. Mais de 800.000 crianças e adolescentes, na Bielorússia e na Ucrânia, arriscam contrair a mesma doença que, de 1986 a 1995 já matou 600 dos seus conterrâneos e, por esse motivo, são tidas sob controlo médico apertado. O número de mortos por causa da contaminação radioactiva é indeterminado: as estimativas vão de 30 mil a mais de 300 mil. Segundo algumas estimativas governamentais, as mortes ligadas à catástrofe nuclear foram, num espaço de dez anos, 180 mil na Ucrânia e 120 mil na Bielorússia. As pessoas atingidas, mais ou menos, gravemente – avalia a UNESCO – são 4.900.000.Particularmente expostos às consequências ds radiações estão os bombeiros que apagam o incêndio do reactor, pois sabem quais são os riscos, e os 800 mil militares, operários e técnicos que efectuam os trabalhos de descontaminação e de construção do «sarcófago», a estrutura de betão armado e aço, construída em volta dos restos radioactivos do reactor que explodiu, compreendendo mais de 400 quilogramas de plutónio e 100 toneladas de combustível nuclear. Segundo uma avaliação confiável, morrem cerca de 10 mil, enquanto muitos outros, provavelmente mais de 250 mil, foram atingidos por doenças do aparelho reprodutor, entre as quais a esterilidade e anomalias dos espermatozoides. A experiência dos efeitos ds radiações, a longo prazo, baseada em grande parte em exames clínicos dos sobreviventes de Hiroshima e Nagasaki, leva a pensar que o número de vítimas do acidente de Chernobil continuará a crescer nos próximos decénios.
Aos danos físicos provocados pela catástrofe de Chernobil, junta-se o «síndroma dos deslocados». Muitos dos habitantes, constrangidos a abandonar os lugares em que nasceram e viveram, são atingidos por formas agudas de stress psicológico e fisiológico, semelhantes aos que atingiram muitos habitantes de Hiroshima e Nagasaki, depois do bombardeamento atómico. Tal síndroma – agravado pela perda de familiares e amigos, do constante temor de ficar doente de cancro devido às radiações e há dificuldade de adaptação a um outro tipo de vida – provoca preturbações psíquicas e estados depressivos que conduzem ao alcoolismo. Muitos, não podendo suportar viver o resto da vida nas condições de deslocados, voltam nos anos seguintes, às suas casas, mesmo sabendo os riscos que correm: num raio de 30 quilómetros em volta da da central, está sepultada, em cerca de 800 fossas revestidas de argila, uma enorme quantidade (mais de um bilião de metros cúbicos) de material tornado radioactivo pela explosão do reactor. Ao drama destas pessoas, junta-se a tragédia de famílias inteiras, originárias de outras zonas que, não tendo habitações, vão ocupar as casas de Chernobil que permaneceram vazias. Este é o trágico balanço, ainda em aberto, da catástrofe de Chernobil.
3.8 Os movimentos anti-nucleares durante a guerra fria
O primeiro movimento a favor do desarmamento nuclear é o dos Partigiani della Pace. No congresso constituído, ocorrido em Paris, em Abril de 1949, participam 2.287 delegados de 72 países. Não estão presentes os delegados japoneses, porque as autoridades dos Estados Unidos impediram-nos de sair do país, e os dos países de Leste, da União Soviética e da China, os quais, depois da França lhes ter negados os vistos de entrada, foram forçados a reunir-se em Praga. No seu manifesto constitutivo, o congresso pede «a interdição da arma atómica e de todos os meios de destruição de massa dos seres humanos» e o «controlo internacional efectivo para a utilização da energia atómica para fins exclusivamente pacíficos».
Promovem este movimento, apoiado pela União Soviética e pelos partidos comunistas e socialistas de todo o mundo, o físico, Frédéric Joliot-Curie, que mantém o relatório inicial, no primeiro congresso mundial e Albert Einstein, os pintores Pablo Picasso (que pinta o manifesto do congresso com a famosa «Pomba da Paz») e Henri Matisse, o escritores Jorge Amado e Pablo Neruda. Da delegação italiana ao primeiro congresso, orientada por Pietro Nenni, fazem parte os escritores Elio Vittorini e Natalia Ginzburg, o poeta Salvatore Quasimodo, o pintor Renato Guttuso.
Em Março de 1950, a Comissão do Congresso Mundial dos Partidários da Paz, composto de 150 delegados de todo o mundo, lança em Estocolmo, o Apelo para a interdição da arma atómica. «Nós exigimos a proibição absoluta da arma atómica, arma de intimidação e extermínio em massa das populações. Exigimos a realização de um controlo rigoroso internacional para assegurar a aplicação desta decisão. Consideramos que o governo que, primeiro, utilizar contra qualquer país a arma atómica, cometerá um crime contra a Humanidade e deverá ser considerado um criminoso de guerra. Apelamos para todos os homens de boa vontade, de todo o mundo, a subscrever este apelo.» O Apelo é assinado, em poucos meses, por mais de 500 milhões de pessoas de todos os continentes. Em Itália, subscreveram-no quase 17 milhões de pessoas, ou seja, 35% da população.
A meio dos anos cinquenta – enquanto o movimento dos Partidários da Paz se dissolve, a par e passo, com a manifestação dos primeiros sinais de «desanuviamento», expressão, na realidade, situação de impasse entre os EUA e a URSS – entram em campo os cientistas com o Manifesto lançado em Julho de 1955, em Londres, por Bertand Russel e Albert Einstein. «A opinião pública e também muitos homens em cargos de autoridade – advertem – não se deram conta de quais seriam as implicações de uma guerra com bombas nucleares. […]As maiores autoridades na matéria concordam em afirmar que uma guerra com bombas H, poderia por fim à raça humana. O Manifesto – assinado além de Bertrand Russell e Einstein, por outros nove cientistas, entre os quais Frédéric Joliot-Curie, Linus Pauling e Joseph Rotblat – apela aos cientistas e à opinião pública mundial para pressionarem os seus governos para que resolvam com meios pacíficos as suas disputas, dado que uma nova guerra mundial seria combatida com armas nucleares e ameaçaria a existência de toda a Humanidade.
Linus Pauling, o cientista americano (Prémio Nobel da Química 1954), que recusou o convite de Oppenheimer para trabalhar no Projecto Manhattan, tornou-se um dos protagonistas da batalha anti-nuclear, empenho pelo qual receberá, em 1962, o Prémio Nobel da Paz. Joseph Rotblat – o único cientista que abandonou o Projecto Manhattan depois da confirmação, em Novembro de 1944, que a Alemanha nazi não tinha conseguido construir a bomba atómica – funda, em 1957, as Pugwash Conferences on Science and World Affairs, um forum de cientistas que se batem pela abolição das armas nucleares e pela solução pacífica dos conflitos internacionais. Quase meio século depois, em 1995, Rotblat e o Pugwash receberam o Prémio Nobel da Paz «pelos esforços tidos para diminuir o papel desenvolvido pelas armas nucleares na política internacional e, a longo prazo, terminar tais armas».
Em 1958, o mesmo Rotblat e outro, fundam em Londres a Campaign for Nuclear Disarmament (CND), onde participam, juntamente com cientistas, organizações religiosas e ambientalistas, militantes do partido Labour e comunistas, escritores, artistas e milhares de outros pacifistas. Ao mesmo tempo, em 1957, forma-se nos Estados Unidos o National Committee for a Sane Nuclear Policy (SANE), que empreende uma série de iniciativas para o desarmamento e controlo das armas.
Na União Soviética e nos países da Europa Central e Oriental, operam as Comissões da Paz, organizações para-institucionais, em colaboração com o Conselho Mundial da Paz que, da sua sede em Helsínquia, promove encontros e campanhas para o desarmamento, em que participam também organizações pacifistas dos Estados Unidos e da Europa Ocidental.
A pesquisa sobre as armas nucleares e sobre as políticas de desarmamento é levada a diversos institutos que se formam neste período; entre outros , a Educational Foundation for Nuclear Science que, constituída nos Estados Unidos, em 1949, publica o Bulletin of Atomic Scientists; o Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI), instituído em 1966, pelo parlamento sueco com o estatuto de fundação independente; o Center for Defense Information (CDI), fundado em Washington, em 1972, por antigas alta patentes americanas, sobretudo, da Marinha.
Em 1971 nasce o Green Peace, organização internacional que faz da abolição do nuclear um dos eixos de suporte do seu programa e das suas campanhas contínuas.
Em 1980 dois médicos, o americano, Bernard Lown, e o soviético, Evgueni Chazov, fundam a International Physicians for the Prevention of Nuclear War (IOPNW), à qual aderem cerca de 200 mil médicos de todos os continentes. A secção italiana é presidida pelo Prémio Nobel da Medicina, Daniel Bovet. Em 1985, a IPPNW recebe o Prémio Nobel da Paz pelo «considerável serviço desenvolvido a favor da Humanidade, divulgando uma informação autorizada e criando uma consciência sobre as consequências catastróficas da guerra atómica».
Apesar do esforço contínuo destes movimentos, a luta contra as armas nucleares não consegue imputar-se como uma posição das massas. As coisas mudam quando o confronto nuclear entre as duas super potências envolve directamente também a Europa. Entre 1976 e 1980, a URSS distribui no seu próprio território os RT-21M/SS-20 Saber: são mísseis balísticos de alcance médio, com ogiva nuclear simples, o MIRV (3 ogivas por míssil), muito precisos. Baseados no facto de que, do território soviético, possam atingir a Europa Ocidental, a NATO decide, em 1979, distribuir na Europa, a partir de 1983, mísseis nucleares americanos de alcance médio: 108 mísseis balísticos Pershing 2 , na Alemanha, e 464 mísseis de cruzeiro (Cruise), lançados de terra (GLCM), distribuídos na Grã Bretanha (160), Itália (112), Alemanha Ocidental (96), Bélgica (48) e Países Baixos (48).
Em Itália, a meio dos anos oitenta, além das 112 ogivas nucleares dos mísseis de cruzeiro, instalados em Comiso, chegam outras armas nucleares americanas. Segundo uma estimativa confiável, essas armas compreendiam 250 bombas para serem lançadas por aviões, 50 ogivas em mísseis terra-terra Lance, de curto alcance (120 km), 70 mísseis terra-ar Nike-Hercules de alcance curto (140 km), 22 munições de demolição atómica, 40 projecteis de artilharia de 203 mm e 15 de 155 mm, 65 bombas de profundidade, 50 ogivas para mísseis anti-submersíveis. No total, quase 700 armas nucleares, das quais uma parte de «chave dupla», ou seja, utilizáveis pelas Forças Armadas italianas sob decisão dos EUA.
A estas juntam-se as armas nucleares da Sexta Frota Americana, cujo quartel general é em Gaeta, e as dos submarinos americanos de ataque nuclear, cuja base se encontra em La Maddalena. Aqui é deslocada a nave-apoio, o USS Simon Lake, com mais 50.000 peças de substituição para as reparações e tudo o que serve para tornar a fornecer os submarinos, estando compreendidas as armas nucleares.
A Europa Ocidental encontra-se, assim, na primeira linha do confronto nuclear entre as duas super potências. A pouco mais de 10 minutos de lançamento, os Pershing 2 americanos estabelecidos na Alemanha, podem atingir as bases e as cidades soviéticas, incluindo Moscovo, com as suas ogivas nucleares de hidrogénio de 50 Kiloton. Ao mesmo tempo, os mísseis de cruzeiro implantados em Comiso e noutras bases europeias, voando à velocidade subsónica (880 km/h)a uma altitude de poucas dezenas de metros, ao longo do contorno do terreno, podem fugir aos radares e atingir as cidades soviéticas com as suas ogivas nucleares de 200 kiloton. À sua volta, os SS-20, distribuídos no território soviético podem atingir, a pouco mais de 10 minutos do lançamento, as bases e as cidades da Europa ocidental com uma ogiva nuclear de 1 megaton ou três de 150 kiloton.
Contra os «euromísseis» desenvolve-se, a nível internacional, um movimento de massas, que se inicia em Itália, em Dezembro de 1979, depois do Governo Spadolini (DC, PLI, PSDI) aprovar a instalação dos Cruise no território nacional e, em Agosto de 1981, o governo Spadolini (DC, PSI, PSDI, PRI, PLI) anunciar oficialmente a escolha de Comiso, como sendo a base para a sua instalação. Depois de uma série de iniciativas, entre as quais a Marcha Perugia-Assisi, ocorre em Roma, em 24 de Outubro de 1981, a primeira grande manifestação com a participação de meio milhão de pessoas. Grandes manifestações contra a instalação dos «euromísseis» desenvolvem-se, sempre em Outubro, em Bonn, Milão, Oslo, Bruxelas, Paris, Veneza; em Novembro, em Madrid, Atenas, Amesterdão; em Dezembro, em Berna, Copenhaga, Barcelona. Em frente às bases americanas de Greenham Common, em Inglaterra, onde foram instalados os mísseis Cruise, as mulheres estabeleceram um campo permanente para a paz, que se torna o símbolo da resistência feminina.
No movimento em Itália, desenvolvem um papel dominante, os partidos da esquerda: o PCI que, embora em fase declinante, ainda tem uma grande força de mobilização, organização e propaganda; o PdUP e o DP. Na primeira fila da luta contra a construção das bases de mísseis de Comiso e dos interesses mafiosos ligados a elas, está o Secretário regional, Pio La Torre, que é assassinado por este motivo, juntamente com a sua colaboradora, Rosario Di Salvo, em 30 de Abril de 1982, em Palermo. A direcção do PCI, enquanto de um lado apoia o movimento contra a instalação dos mísseis em Comiso, por outro lado, condiciona-o grandemente às suas escolhas políticas. O movimento, na sua expressão nacional, mantém-se assim, para a maior parte, no plano de um pacifismo genérico, pedindo a todos o desarmamento, sem colocar objectivos políticos específicos, em primeiro lugar, nos confrontos com o governo italiano, por exemplo, um apelo a um referendo sobre a instalação dos mísseis em Comiso. As sucessivas manifestações nacionais (5 de Junho de 1982 e 19 de Março de 1983) têm uma participação decrescente.
No entanto, ao mesmo tempo, começam a formar-se várias agregações autónomas: a Liga dos Objectores de Consciência, o Movimento Internacional de Reconciliação, a Liga para o Desarmamento Unilateral, Bem-aventurados os Construtores da Paz, Luta pela Paz e numerosas comissões locais, a partir da CUDIP de Comiso, fundada pelo antigo parlamentar. Giacomo Cagnes. Fortemente empenhado, é o Movimento Católico Internacional para a Pax Christi, em Itália sob a presidência do Monsenhor Luigi Bettazzi e, depois, de Don Tonino Bello. Na primeira fila das iniciativas do desarmamento está o Padre Ernesto Balducci, que promove a revista Testimonianze, as conferências «Se queres a Paz, prepara a Paz» e, subsequentemente, funda a Edizioni Cultura della Pace. Em 1982, forma-se a Unione Scienziati per il Disarmo (USPID), com o objectivo de fornecer informações e análises sobre o controlo dos armamentos e o desarmamento.
Em Comiso, no Verão de 1982, acontece o IMAC (International Meeting Against Cruise), um campo internacional para a paz que põe em contacto os pacifistas italianos com os de outros países europeus. Os participantes deste encontro pacífico, organizado pelo IMAC à volta da base de Comiso, são violentamente desalojados pela polícia em 8 de Agosto de 1983. Uma última manifestação notável ocorre em Roma, na véspera da chegada dos mísseis a Comiso, em 22 de Outubro de 1983. Participam um milhão de pessoas, mas agora, o movimento está numa fase de diminuição, se bem que vários dos seus componentes continuaram a empenhar-se na luta contra os mísseis em Comiso.
Nos anos oitenta vê-se formar ainda, um outro movimento: as organizações contra o nuclear civil. A primeira manifestação nacional, promovida pela Lega Ambiente, acontece em Roma, em 20 de Abril de 1985, contra o plano nuclear do governo Craxi 8DEC, PSI, PRI, PSDI, PLI). Mas é em 1986, depois da catástrofe de Chernobil, que o movimento toma lanço: na manifestação nacional, que tem lugar em Roma, em 10 de Maio de 1986, há uma participação maciça de jovens. Sempre em Maio, inicia-se a campanha para três referendos revogados. Também a CGIL não participa, não obstante, muitas delas apontando para impedir a existência do nuclear em Itália. Ela é promovida por Verdi, FGCI, DP e outros, mas não pelo PCI. A CGIL também não participa, embora muitas solicitações da base sejam favoráveis à opção anti-nuclear. Em pouco tempo são recolhidas um milhão de assinaturas. Nesta altura, até o PCI se declara favorável à saída do nuclear, se bem que de maneira não completa. Ao mesmo tempo, convergem no movimento, forças pacifistas empenhadas na luta contra o nuclear militar. Centenas de cidades e comunidades, na primeira metade dos anos oitenta, declaram o próprio território «zona desnuclearizada», proibindo, simbolicamente, as instalações de armas e centrais nucleares. Quando, em 8 e 9 Novembro de 1987 acontece o referendo, a frente anti-nuclear obtém uma vitória avassaladora. Um mês depois, em 8 de Dezembro, os EUA e a URSS assinam o Tratado INF, que elimina, entre outras armas, os mísseis distribuídos em Comiso. Os dois objectivos pelos quais os movimentos anti-nucleares se tinham batido, no decorrer dos anos oitenta, são assim realizados. No entanto, a vitória contém a semente da derrota: a ilusão de que agora o perigo nuclear é evitado.Significativamente, a assembleia nacional das Instituições Locais Desnuclearizadas decide, em Outubro de 1986, constituir a Coordenação Nacional das Instituições Locais para a Paz (denominação assumida em 1991), que elimina do próprio estatuto, qualquer alusão ao nuclear.
Capítulo 4
AS GUERRAS DEPOIS DA GUERRA FRIA
4.1 O mundo numa encruzilhada
Na segunda metade dos anos oitenta, o clima da guerra fria começa a mudar. O primeiro sinal do degelo é o Tratado sobre as Forças Nucleares Intermédias (INF Treaty), assinado em Washington, em 8 de Dezembro de 1987: baseados no mesmo, os EUA empenham-se em eliminar, entre outros, os mísseis balísticos Pershing II, instalados na Alemanha Ocidental e os misseis de cruzeiro, lançados de terra, instalados na Grã Bretanha, Itália, Alemanha Ocidental, Bélgica e Países Baixos; a União Soviética compromete-se a eliminar os misseis balísticos SS-20, instalados no seu próprio território. Em Maio de 1991, são eliminados, no total, 2.692 mísseis desta categoria.
O Tratado INF é o primeiro acordo que estabelece não só um ‘plafond’ à instalação de uma categoria específica de mísseis nucleares, mas a eliminação de todos os mísseis de tal categoria. O limite do tratado consiste no facto de que, elimina os mísseis nucleares de alcance intermédio e curto, lançados de terra, mas não dos que são lançados do mar e do ar, que ficam no seus postos, nos navios, submarinos e aviões.
Este resultado importante é devido, substancialmente, à «ofensiva de desarmamento» lançada pela União Soviética de Gorbacev: em 15 de Janeiro de 1986, propõe não só eliminar os mísseis soviéticos e americanos de alcance médio (o que é feito sucessivamente), mas de estabelecer um programa global, em três fases, para a proibição da armas nucleares em 2000. Washington não considera factível a proposta soviética, confirma-o Colin Powell que, depois de ter sido, de 1987 a 1989, conselheiro do Presidente para a Segurança Nacional, ocupa, em 1993, o cargo de Presidente do Estado Maior Conjunto/Chairman of the Joint Chiefs of Staff, o mais alto nível da hierarquia militar. Num breve ensaio na revista Foreign Affairs, Powell refere: «Quando era Conselheiro do Presidente Reagan para a Segurança Nacional, ele e o Presidente Mikhail Gorbacev encontraram-se cinquenta vezes em três anos, e eu estive presente em três destas ocasiões.O líder soviético falava de revolução pacífica, falava de paz mundial. Quanto mais falava e mais escutávamos, mais compreendíamos. Recordo uma reunião na qual a minha reacção não pode ser exprimidas senão com estas palavras: «Meu Deus, faça isso seriamente!». Em Washington sabem, portanto, que ele quer verdadeiramente o desarmamento, que ele quer, de facto, a eliminação completa das armas nucleares. Mas sabem, também, que o processo da perestroika, posto em movimento por Gorbacev em 1986, provocou uma reacção em cadeia que está não só a desagregar o Pacto de Varsóvia, mas a própria União Soviética.
A «Queda do Muro de Berlim», em 9 de Novembro de 1989, assinala o início do fim. No dia 1 de Julho de 1991, dissolve-se o Pacto de Varsóvia: os seis países da Europa Central e Oriental que faziam parte dele, não são mais aliados da URSS. No dia 26 de Dezembro de 1991, dissolve-se a própria União Soviética: em vez de um único Estado, formam-se 15 Estados. O desaparecimento da URSS e do seu bloco de alianças cria, na região europeia e centro-asiática, uma situação geopolítica inteiramente nova. Simultaneamente, a desagregação da URSS e a profunda crise política e económica que aflige a Rússia assinalam o fim da super potência capaz de rivalizar com a americana.
Nesta altura, o mundo está numa encruzilhada. A decisão de qual dos dois caminhos escolher e seguir está substancialmente nas mãos de Washington: de um lado está a possibilidade de iniciar um verdadeiro processo de desarmamento, começando por estabelecer, consoante as linhas da proposta de Gorbachev, um programa destinado à eliminação completa das armas nucleares, que, se lançado conjuntamente por Washington e Moscovo, poderia envolver, também, as outras potências nucleares; do outro lado, está a possibilidade de aproveitar o desaparecimento da super potência rival para aumentar a superioridade estratégica, incluindo a superioridade nuclear, dos Estados Unidos da América, que permaneceu a única super potência na cena mundial. Sem um instante de hesitação, Washington tomou o segundo caminho.
«O Presidente Bush pegou nesta segunda mudança histórica», conta Colin Powell, no Foreign Affairs. «O Presidente, coadjuvado pelos seus Conselheiros e pelo Secretário da Defesa, traçaram uma nova estratégia da segurança nacional e construíram uma estratégia militar para sustentá-la. Em seguida, em Agosto de 1990, enquanto o Presidente Bush fazia o seu primeiro anuncio público sobre a nova maneira da América enfrentar a questão da segurança nacional, Saddam Hussein atacou o Kuwait. A sua brutal agressão fez com que puséssemos em prática a nova estratégia, exactamente no momento em que começávamos a publicá-la. Todos os americanos poderiam assim, ver a nossa estratégia validada pela guerra».
Tradutora: Maria Luísa de Vasconcellos
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