Tanto quanto saiba, nenhuma das perguntas que escrevi no meu artigo anterior – 30 perguntas que os jornalistas deveriam fazer sobre o caso Skripal – foi respondida satisfatoriamente, pelo menos não não ocorreu no domínio público. No entanto, apesar dessas perguntas legítimas ainda não terem sido respondidas e, de muitos factos importantes sobre o caso ainda serem desconhecidos, esta conjuntura deu origem a uma grave crise internacional, com uma expulsão extraordinária de diplomatas russos em muitos países da União Europeia e, particularmente, nos Estados Unidos, no passado dia 26 de Março do corrente.
Chegou o momento de parar e pensar. Um homem e a sua filha foram envenenados na cidade de Salisbury, em 4 de Março. No entanto, apesar dos investigadores ainda não parecem saber como, quando ou onde é que essas pessoas foram envenenados, várias nações ocidentais usaram o incidente como pretexto para a expulsão coordenada de diplomatas a uma escala jamais testemunhada, nem mesmo durante o auge da Guerra Fria. Essas mesmas exclusões dos diplomatas são claramente anormais e muito perigosas.
No meu artigo anterior, salientei que não é minha intenção embrenhar-me nalgum tipo de teoria da conspiração neste blog. Acontece, simplesmente, que não tenho nenhuma teoria holística – da “conspiração” ou não – sobre quem efectuou esse ataque e continuo a manter a mente aberta. Mas visto que o Governo do meu país se precipitou a julgar, sem muitos dos factos deste caso estarem estabelecidos, e como esta ocorrência levou à maior deterioração das relações entre nações com armas nucleares, desde a Crise dos Mísseis de Cuba, parece-me que é mais importante do que nunca, continuar a fazer perguntas, na esperança de que lhes sejam dadas respostas.
E então quer estas indagações sejam ou não, significativas ou úteis, eis as 20 perguntas mais importantes que considero que os jornalistas deveriam estar fazer sobre este caso:
- Será que a polícia já identificou algum suspeito ou suspeitos neste caso?
- Em caso afirmativo, existe alguma prova que os ligue ao governo russo?
- Se ainda não identificou, como é possível determinar a culpabilidade, como fez o Governo britânico?
- Na sua declaração àCâmara dos Comuns, em 12 de Marçode 2018, a Primeira Ministra britânica, Theresa May, afirmou o seguinte:
“Agora está claro que o Sr. Skripal e a filha foram envenenados por um agente neurotóxico de categoria militar, de um tipo desenvolvido pela Rússia. Faz parte de um grupo de agentes neurotóxicos conhecidos como “Novichok”. Baseado na identificação positiva deste agente químico por peritos mundiais, no Laboratório de Ciência e Tecnologia de Defesa, em Porton Down ”[ destaque feito pelo autor].
No julgamento do Supremo Tribunal, em 22de Março, sobre a possibilidade de retirar amostras de sangue de Sergei e Yulia Skripal para exame pela Organização para a Proibição de Armas Químicas (OPAC/OPCW) – provas apresentadas por Porton Down ao tribunal (Secção 17) i) – foi declarado o seguinte:
“As amostras de sangue retiradas a Sergei Skripal e a Yulia Skripal foram analisadas e os resultados indicaram exposição a um agente neurotóxico ou a um composto relacionado. As amostras deram positivo para a presença de um agente neurotóxico da classe Novichok ou de um agente intimamente relacionado ”[destaque feito pelo autor].
Assim, a Primeira Ministra disse que Porton Down havia identificado positivamente a substância como sendo o agente neurotóxico Novichok. A declaração de Porton Down diz que os seus testes indicaram que era um agente Novichok ou um agente intimamente relacionado com ele. Será que estas duas declarações significam exactamente o mesmo?[destaque feito pelo autor].
- Por que é que as frases “composto relacionado” e “agente intimamente relacionado” foram acrescentadas à declaração dada por Porton Down, e será que é uma indicação de que os cientistas não estavam 100% certos de que a substância era um agente nervoso “Novichok”?
- Por que é que essas frases não foram incluídas na declaração da Primeira Ministra para a Câmara dos Comuns?
- Por que motivo é que a Primeira Ministra optou usar a palavra “Novichok” no seu discurso, em vezda palavra Foliant, que é o verdadeiro nome do programa iniciado pela União Soviética quando tentou desenvolver uma nova classe de armas químicas no país, nas décadas de 1970 e 1980?
- Quando o Secretário dos Negócios Estrangeiros, Boris Johnson,numa entrevista à Deutsche Welle foi questionado como é que os cientistas em Porton Down tinham descoberto tão rapidamente que o agente neurotóxico era da classe “Novichok” de armas químicas, foi-lhe igualmente perguntado se Porton Down possui amostras do mesmo. Eis como ele respondeu:
“Eles têm. E foram absolutamente categóricos e eu mesmo perguntei. Eu disse: “Tem a certeza?” E ele disse que não havia dúvida “[Ênfase feita pelo autor deste artigo)].
Se a declaração de Johnson está correcta e o Laboratório de Ciência e Tecnologia de Defesa (DSTL) em Porton Down, tem amostras de “Novichok” na sua posse, de onde é que elas vieram?
- Essas amostras foram produzidas em Porton Down?
- Há quanto tempo é que eles as tinham?
- Por que é que o DSTL não registou a posse dessas substâncias na OPCW, visto que é legalmente obrigado a fazê-lo de acordo com a Convenção de Armas Químicas (CWC)?
- Este reconhecimento feito pelosnr. Johnson não indica que os agentes “Novichoks” podem ser produzidos em instalações de armas químicas avançadas, como foram feitas de acordo com as suposições do OPWC no Irão, em 2016?
- Em caso afirmativo, como pode o Governo ter a certeza de que a substância utilizada para envenenar o Sr. Skripal e a sua filha foi fabricada ou produzida pela Rússia?
- Na suadeclaração à Câmara dos Comuns, na quarta-feira, 14 de Março, a Primeira Ministra britânica afirmou que só havia duas explicações plausíveis para o envenenamento do senhor Skripal e da sua filha:
“Ou foi um acto directo do Estado russo contra o nosso país, ou obviamente, o governo russo poderia ter perdido o controlo de um agente neurotóxico militar e permitido que ele caísse nas mãos de outros ”.
Além da verdadeira substância usada, haverá alguma evidência concreta que induziu o Governo a concluir que esses são os dois únicos cenários plausíveis?
- Em 26 de Março, vários países expulsaram diplomatas russos numa resposta aparente ao incidente em Salisbury. No entanto, neste momento, a OPCW ainda não havia investigado o caso, nem analisado amostras de sangue. Por que razão é que a decisão claramente coordenada de expulsar diplomatas, foi tomada antes da conclusão da investigação da OPCW?
- Será que essa atitude não colocou uma pressão enorme na OPCW para chegar à conclusão “certa”?
- Considera-se que a investigação da OPCW sobre a substância utilizada demorará pelo menos três semanas, enquanto a pesquisa de Porton Down demorou menos de uma semana a analisá-la. O que explica esta diferença?
- Será que a OPCW estará a usar as amostras de “Novichok” que Boris Johnson diz que são mantidas em Porton Down para comparar com as amostras de sangue do Sr. Skripal e da filha?
- Se não for o caso, em que base é que essa comparação será feita, uma vez que a primeira síntese conhecida de um “Novichok” foi feita pelo Irão, em 2016?
- Se a OPAQ/OPCW descobrir que a substância é realmente um “Novichok”, será prova suficiente para estabelecer quem realizou o ataque aos Skripal ou – visto que outros países têm, claramente, a capacidade de produzir tais substâncias – seriam necessárias mais provas?
Maria Luísa de Vasconcellos
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