Ramin Mazaheri – 25 de janeiro de 2024 – [Traduzido e publicado aqui com a permissão do autor]
De 11% para 53% - uma piora de 382% nas normas sociais - requer nossa discussão
Converse com empresários honestos e eles admitirão: se cobrar do seu cliente mais de 30% de lucro, você o estará enganando.
Lembre-se de que você só pode cobrar 30% por aqueles poucos produtos/serviços em que você tem uma vantagem real. Certamente, você está fornecendo alguns produtos/serviços com uma margem de lucro de apenas 3%, ou a preço de custo, ou até mesmo com prejuízo, apenas para manter o cliente retornando ou entrando.
Portanto, não é como se você estivesse cobrando 30% em todos os produtos – se fizesse isso, seu cliente saberia rapidamente que está sendo enganado e levaria o negócio para outro lugar. Portanto, sua margem de lucro média não é de 30%, mas sim de 11%.
E, de acordo com um relatório recente, durante os 40 anos anteriores à Covid, os lucros corporativos foram responsáveis por exatamente isso: 11% da inflação. Isso faz sentido, pois a regra geral nos negócios é que a margem de lucro padrão é de 10%.
No entanto, de acordo com a manchete, o mesmo estudo constatou que o aumento dos lucros das empresas nos Estados Unidos no segundo e terceiro trimestres de 2023 foi responsável por impressionantes 53% da inflação.
Os números brutos mostram um enorme salto na obtenção de lucros pós-pandemia: Em dezembro, o Bureau of Economic Analysis dos EUA relatou US$ 3,3 trilhões em lucros corporativos no terceiro trimestre de 2023, o que representa 50% a mais do que os US$ 2,2 trilhões do terceiro trimestre de 2017 em lucros trimestrais.
11% a 53% – uma piora de 382% nas normas sociais – requer nossa discussão
No momento, estou fazendo uma reportagem dos Estados Unidos e isso está me levando a todos os tipos de lugares. A diferença nos preços dos mantimentos em cidades pequenas é muito menor do que nos subúrbios da cidade. Os preços dos alimentos lá e na cidade em si deixam a gente sem saber o que fazer, e isso mesmo se você estiver em uma parte pobre da cidade.
Eu diria que pareço um velho reclamão, mas o fato é que o preço dos alimentos – o bem mais básico, ainda mais importante do que a gasolina para os americanos que gostam de carros (que precisam de carros) – é simplesmente impressionante aqui, e isso é incrivelmente agravante, sempre e sempre.
Meu único consolo para os americanos é: Vocês deveriam ver os preços em Paris! (Definitivamente, fiquem longe das áreas turísticas).
Essa acusação contundente de comportamento corporativo foi divulgada por menos de um punhado de mídias tradicionais… que são de propriedade das empresas, é claro. Portanto, é importante não apenas tomar conhecimento desse relatório, mas também passar algum tempo refletindo sobre ele.
Acho que a principal conclusão que devemos tirar desse fato – um enorme colapso em quase uma geração e meia de moral empresarial tradicional – é o quanto as elites ocidentais se tornaram drasticamente mais “caninas” desde 2020.
Não foi o lojista, o trabalhador autônomo ou o prestador de serviços comum que aumentou seus lucros em 53%, mas as corporações que ultrapassaram esse limite social de “lucrar, mas de forma razoável”. Quando você tem que olhar na cara de alguém, pode ser da natureza humana dizer: “Ok, vou parar nos 30%”, mas as corporações sem rosto não têm esse inibidor.
No entanto, as empresas são definitivamente compostas por pessoas com rosto, e está claro que a classe corporativa de elite obviamente deu uma guinada desde 2020 – o boxe com as regras do Marquês de Queensbury foi substituído por um esporte sangrento de artes marciais mistas horrível, cruel e míope.
Essa metáfora e essa linguagem alarmista não estão fora de cogitação – estou fazendo o possível para refletir sobre essas mudanças geracionais de forma razoável. Em minhas reportagens em 2020, eu constantemente censurava meus irmãos jornalistas por terem feito a coisa mais irresponsável que os jornalistas poderiam ter feito quando a pandemia começou: inflamar a histeria e as preocupações em vez de tentar manter a calma de uma sociedade muito preocupada de forma responsável. (Qualquer pessoa que examinasse as coisas objetivamente via desde o início que a Covid estava atacando quase que totalmente os idosos e os doentes, e não os jovens ou a pessoa comum, mas… enfim).
As elites ocidentais fracassaram em 2020 – e desde então – criaram um desespero palpável
Portanto, nossa principal conclusão é que as elites ocidentais estão ainda mais ferozes após 2020, mas por quê?
Minha resposta é: 2020 reduziu drasticamente a fé das elites ocidentais em sua própria capacidade de gerenciar a sociedade, e elas estão “aproveitando enquanto é bom” porque temem que não seja bom por muito tempo.
O fato de 53% da inflação ser resultado de lucros corporativos quase três anos depois é prova do desespero das elites – não confunda isso com arrogância. Estamos falando de pessoas que jogaram fora uma geração e meia de padrões morais, afinal de contas – uma expansão de 382% da ganância deve ser impulsionada pelo medo.
Muitos dizem que 2020 foi como uma “guerra”, e a guerra muda a moralidade. A guerra é muito parecida com uma revolução, e a última sempre produz a primeira.
As jogadas fracassadas das elites em 2020 – os bloqueios contestados, a mudança na forma como a votação presidencial foi conduzida, os protestos descaradamente manipulados e descartados por George Floyd, o susto histérico e pró-establishment do Trumpismo – podem ter apenas abalado sua confiança, mas temos que incluir o que aconteceu desde então: Trump provavelmente ainda ganhará a Casa Branca, as pessoas estão tão desiludidas com Biden que ele é surpreendentemente o presidente menos popular desde 1948, as forças armadas ocidentais perderam irremediavelmente seu brilho junto com o leste da Ucrânia, a política monetária ocidental está tão desacreditada que o Bitcoin é agora o 11º maior ativo do mundo, os palestinos ousaram se levantar em desafio e ninguém pode impedir que o homem mais rico do mundo transmita tanto o sofrimento da Palestina quanto suas vitórias da criação mais infame do Ocidente. Todos esses são fracassos impressionantes.
O desespero da elite ocidental reside no fato de que suas respostas para o que podemos chamar de construção de uma nação – manter uma sociedade estável; o ato humano universal de boa governança – simplesmente não funcionam. A disfuncional União Europeia é o melhor exemplo de como o Ocidente não consegue construir uma nação nem mesmo em sua própria cultura, muito menos no Afeganistão ou no Iraque. O problema são os princípios do liberalismo, fundamentalmente dominados pelo 1%, é claro.
Portanto, 53% é o reflexo de uma elite ocidental que está agarrando o máximo que pode carregar enquanto ainda pode.
Lembrete: Nem todo mundo pensa, sente e governa como os americanos
Felizmente.
Em 2020, escrevi sobre como o Irã – com seu sistema de saúde barato – foi capaz de enviar centenas de milhares de voluntários para vasculhar os bairros e informar as pessoas (principalmente os idosos) sobre os problemas da Covid, mas como a falta de um sistema de saúde acessível tornou essa abnegação financeiramente impossível para o americano médio, cuja boa vontade cívica teria sido igualmente disposta e generosa. Quase quatro anos depois, enquanto os lucros corporativos egoístas estão destruindo o Ocidente, Teerã acaba de ser classificada pela The Economist como a 172ª cidade global mais barata entre 173. (Quão mais baixa ela seria se não houvesse as sanções ocidentais que induzem os custos? 173ª, eu acho….)
As pessoas que dizem que você deve esperar uma contrarrevolução no Irã a qualquer momento não sabem que meio quilo de pão custa US$ 0,07, que a gasolina custa US$ 0,03 o litro (a mais barata do mundo) e que manter o preço do frango baixo é um objeto de obsessão constante e de várias décadas para os políticos iranianos. Será que algumas pessoas acham que os iranianos são tão analfabetos politicamente que [acreditariam] um golpe liberal democrata vai realmente fornecer gasolina mais barata? A desavergonhada manipulação de preços do Ocidente é simplesmente impossível em uma economia de inspiração socialista em que o Estado é o proprietário e condutor majoritário – e, muito mais do que mera islamofobia, é por isso que o Ocidente tem punhais apontados para o Irã.
O Irã não tem problemas com a democracia liberal porque teve uma revolução inspirada na democracia socialista para dispensá-la. O Ocidente, no entanto, está pedindo que você acredite que, mesmo com uma margem de lucro de 53%, a democracia liberal não está se excluindo do mercado ideológico.
A Era dos Barões Ladrões do Ocidente começou quase que precisamente com a queda da Comuna de Paris em 1871 (o termo apareceu pela primeira vez apenas sete meses antes na revista The Atlantic) e com a restauração armada e verdadeiramente traiçoeira da Democracia Liberal na França por meio da Terceira República. La Belle Époque durou 43 anos e não parou até a Primeira Guerra Mundial, também conhecida como a Guerra para Impedir o Socialismo. Obviamente, o Ocidente está agora no final da Segunda Era dos Barões Ladrões – o termo americano comum “Era Dourada II” (termo cunhado por Mark Twain, cuja ironia não passa despercebida para a maioria) já é usado há quatro décadas.
Mas não há válvula de segurança colonial/fronteiriça como no século XIX; não há recurso ao nacionalismo falso e racista como na Primeira Guerra Mundial; não há desvio de “pelo menos a democracia liberal não é tão ruim quanto o fascismo” como na Segunda Guerra Mundial; não há recurso às guerras histéricas anticomunistas como durante a Guerra Fria; e não há “observe como construímos uma nação tão bem agora que não temos adversários ideológicos” da era unipolar.
O Ocidente pós-2020 – é assim que eles “constroem uma nação”, e isso é atroz.
Pergunte a qualquer pessoa no Ocidente: eles estão exaustos após 2020
Não é como se Joe Biden ou o Partido Democrata estivessem oferecendo algo remotamente próximo a um “New Deal”, ou uma revolução comunista, ou qualquer coisa para tentar acabar com a Segunda Era dos Barões Ladrões. As elites ocidentais não têm outra solução a não ser o medo da extrema direita, a repressão violenta de grupos obviamente esquerdistas e patrióticos como os Coletes Amarelos e o início de guerras na Ucrânia, na Palestina e agora também no Iêmen.
Os capitalistas e os liberais democratas obstinados têm muitas mentiras para lhe vender sobre os motivos da inflação atual, mas elas estão bem abaixo do custo mental necessário para lê-las.
O primeiro é esquecer que a inflação dos EUA atingiu mais de 4% em abril de 2021, dez meses antes do início do conflito na Ucrânia. O mais recente é que a inflação está sendo atribuída ao bloqueio naval do Iêmen a Israel.
No meio disso tudo estão os perpétuos lambe-botas dos ricos – seguidores da escola de economia austríaca – que nos dizem que literalmente nem “parte” da inflação é causada pelos lucros das empresas. (Eles até recorrem a esses termos absolutos totalmente absurdos – acho que “quanto maior a mentira, mais crível” é a lógica deles…) Para esses ideólogos cegos, vale a pena voltar à cobertura do The Guardian sobre o estudo que originalmente motivou este artigo: “Os autores do relatório vasculharam as chamadas de lucros das empresas e encontraram executivos se gabando aos acionistas sobre manter os preços altos e ampliar as margens de lucro à medida que os custos dos insumos diminuem.”
Não sei como Putin, os Houthis ou os bancos centrais ocidentais são responsáveis pela “inflação reduzida”. O gigante francês dos supermercados, Carrefour, finalmente expulsou a Pepsi, depois de meses de humilhação pública para que mudasse seu comportamento, devido ao encolhimento dos tamanhos dos produtos sem uma redução de preço proporcional.
E não sei o que mais, além de uma redução de 382% nos padrões morais, é responsável pela “porcaria” – uma percepção generalizada da redução da qualidade de bens e serviços. É claro que, quando a inflação está altíssima, mas os salários não, seria preciso ser um economista austríaco para continuar insistindo que os trabalhadores com salários baixos precisam se esforçar para atender a um cliente ou chefe.
Sei que o termo atual da moda, “greedflation“, é mais uma bobagem da mídia convencional criada para fazer tudo, menos contar as verdades óbvias do capitalismo de estilo ocidental.
2020 mudou alguma coisa no Ocidente – a disfunção e o desespero são palpáveis, assim como o pavor existencial causado por sua falta desesperada de soluções. Quão pior está a situação? Trezentos e oitenta e dois por cento pior é um número tão bom quanto qualquer outro.
Mas pode ser que a contagem seja insuficiente?
Ramin Mazaheri é o principal correspondente da PressTV em Paris e vive na França desde 2009. Foi repórter de um jornal diário nos EUA e fez reportagens no Irã, em Cuba, no Egito, na Tunísia, na Coreia do Sul e em outros lugares. Seu último livro é France’s Yellow Vests: France’s Yellow Vests: Western Repression of the West’s Best Values”. Ele também é autor de “Socialism’s Ignored Success: Iranian Islamic Socialism”, bem como “I’ll Ruin Everything You Are: Ending Western Propaganda on Red China“, que também está disponível em chinês simplificado e tradicional. Qualquer repostagem ou republicação de qualquer um de meus artigos é aprovada e apreciada. Ele usa o Twitter em @RaminMazaheri2 e escreve em substack.com/@raminmazaheri
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