Alastair Crooke – 12 de junho de 2022 – [Traduzido por Vila Mandinga]
Essa semana, Berlusconi escreveu em Il Giornale que o ocidente está isolado – consequência da monomania ocidental em torno da Ucrânia: “A resposta do Ocidente [à Ucrânia] foi unânime – mas o que entendemos por ‘Ocidente’? EUA, Europa e alguns países na área do Pacífico com laços tradicionais com os EUA, dentre os quais Austrália e Japão. E dos demais países do mundo? Quase nada.”
Está certíssimo. A disputa pela Ucrânia é luta intraeuropeia pela identidade que começa na Queda de Roma.
É compreensível que estados do Oriente Médio queiram pôr-se de lado, como espectadores, mas não significa que conseguirão escapar de se converterem em ‘dano colateral’, nessa eurocolisão. Porque é o que acontecerá.
Essencialmente, na fúria para ferir a Rússia, o Establishment ocidental pôs de pernas para cima o delicado equilíbrio interno da estrutura financeira globalista. Impulsivamente, sem pensar, ‘liberaram’ para flutuar o preço de commodities – de comida a energia e terras raras – como se fossem coisas que tivessem valor próprio inerente.
Em vez de ser a base colateral suprimida da gorda pirâmide de “ativos” com valor de moeda fiduciária que a inflação come ano após ano, as commodities, não os dólares ou euros fiduciários, estão-se valorizando como a moeda para a qual o ‘mundo dos espectadores’ é atraído, como caminho alternativo para o comércio.
Claro, a raiz disso tudo não é ‘só a Ucrânia’. Há dois outros fatores chaves ativos: primeiro, a noção da ‘economia Krugman’ de que governos devem ‘emitir para gastar’. ‘Crescer o olho’ sobre o gasto do governo já fez disparar a inflação (pré-Ucrânia), e atualmente chacoalha a credibilidade desse ‘dinheiro fiat’, que ‘chega de helicóptero’ já em depreciação – que nada vale.
O segundo fator é a adesão da elite ocidental a uma ‘transição global’ (i.e. fuga em disparada) para longe dos combustíveis fósseis. Por que? Porque ao ouvir declarações irreparavelmente absolutas, como ‘a ciência comprova’, você dá-se conta de que está lidando com um culto, não com alguma ciência. Formalizada em termos absolutos, a ‘informação’ nada traz de científico ou de perspectiva mais ampla que possa qualificar a metanarrativa.
A Europa já vinha mais atropelando que superando os obstáculos para a tal ‘transição’. A Ucrânia só ‘presta’, mesmo, como estimulante para ‘desmamar’ (atenção à linguagem carregada) a Europa, da dependência da energia russa.
Mas, como se já não houvesse fogo suficiente sob o caldeirão dos preços das commodities, a Europa então se superou, ao pregar que se proibissem compras de energia russa – com o que aumentou ainda mais o fogo, o que fez transbordar as panelas ferventes, literalmente. Os preços explodiram, e os europeus pagarão ainda mais caro pelo suprimento de energia substituta, mesmo que se tenha provado que seria impossível proibir tudo, completamente.
OK. Uma coisa, para Europa e EUA, é dizer que a inflação que virá, a contração da indústria que resultará; a emergência alimentar que será agravada; e as dores da fome que se espalharão pela sociedade, valem a pena.
Essa tal ‘reafirmação da Ordem Liberal que advirá de se salvar a Ucrânia’ – mesmo sob risco de provocar o colapso econômico da Europa – está plenamente justificada, porque o que interessa é humilhar Putin a qualquer custo. Mas por que os estados do Oriente Médio, que não são produtores de commodities pagam também o mesmo preço extremo pela vaidade da Europa?
Como Berlusconi deixou implícito, aqueles estados não veem necessariamente Putin ou a Rússia como seus inimigos. Muitos até veem a Rússia como aliada potencial. – Mas fato é que Oriente Médio, África e América Latina com certeza não são casados com a tal ‘Ordem’ ordenada e comandada pelos EUA, não têm fichas jogadas nessa briga de gatos intraeuropeia.
Pois o futuro dessas sociedades lá está como ‘escrito na parede’ – no Sri Lanka e no Paquistão. O Paquistão já está condenado a pagar dívida externa de mais de $21 bilhões no próximo ano fiscal. Também luta contra inflação extensiva no preço dos alimentos e interrupções na cadeia de suprimento, com o governo tentando importar pelo menos 3 milhões de toneladas de trigo e 4 milhões de toneladas de óleo de cozinha, para aliviar o desabastecimento.
Ao mesmo tempo, cerca de 40 mil fábricas em Karachi estão ameaçadas de fechar, por causa dos preços da energia elétrica que não param de subir, tornando a operação praticamente impossível. As Elites paralisadas, obcecadas com sua agenda ‘de transição’, parecem ter-se esquecido do truísmo que ensina que energia – seja qual for, humana e fóssil – e recursos materiais são, efetivamente, a Economia. E alguém ver a crise, então, mais como oportunidade – por dolorosa que seja – para acelerar transição.
Agora, um Establishment ocidental desesperado parece decidido a buscar uma ‘longa guerra de atrito’, militarizada, por procuração, que mate o maior número possível de adversários, para enfraquecer a Rússia. Muito provavelmente e desgraçadamente, essa estratégia matará milhões, de fome.
O diretor executivo do Programa Mundial de Alimentos (World Food Program) alertou que, em pouco tempo, 49 milhões de seres humanos em 43 países estarão na iminência de morrer de fome.
A calamidade da falta de comida, como a inflação, não é causada pela Ucrânia, embora, evidentemente, agrava a situação que um dos maiores produtores de trigo do mundo esteja envolvido num conflito militar. A calamidade da falta de comida está mais diretamente relacionada a fatores ‘da transição’ (‘esverdear’ a produção de comida), e a mudança estrutural nas economias neoliberais (que ‘deslocalizou’ para outros países a produção de alimentos).
A perversidade de toda a dor que assolará o mundo advém da mais brutal negligência: a Europa não examinou detidamente sua estratégia de sanções antes de a pôr em execução – confiava absolutamente em que a Rússia colapsaria quase instantaneamente. Ministérios de Relações Exteriores que traçaram os planos nunca supuseram que a Rússia não entrasse em colapso econômico. Muito menos cogitaram que a economia russa rapidamente se estabilizaria (como aconteceu).
E os ‘estrategistas’ não examinaram o efeito da guerra por procuração, militarizada, contra a Rússia, sobre a opinião pública. Presumiram, sem pensar duas vezes, que as forças armadas russas estariam tão abaladas que seriam derrotadas ‘com certeza’. Jamais discutiram a possibilidade de a Rússia firmar cada vez mais sua posição, conforme avançava a operação militar. Deram por garantido, isso sim, que a opinião pública russa virar-se-ia contra Putin, conforme avançasse a ‘vitória’ das forças ocidentais, e que o presidente russo seria apeado do poder. A ideia de que a Rússia pudesse ser vitoriosa na Ucrânia foi vista no ocidente, como evidência de deslealdade – se não de traição.
Os líderes da União Europeia pagarão aos eleitores, por tamanhos graves erros de julgamento. E os eleitores, até lá, já saberão que toda a propaganda triunfalista jamais passou de artimanha para enganá-los, o que deve-se esperar que enfureça as massas. Desgraçadamente porém – e a conclusão é essa – as várias perversões do sistema econômico ocidental são estruturais. Nenhuma nova safra de governantes terá a bala de prata que ponha fim rapidamente a todo o mal que foi feito.
Fonte: https://english.almayadeen.net/articles/analysis/break-russia-to-save-liberal-order-as-bystanders-become-coll
Eu não compreendo porque os BRICS, não aumentão o bloco, convidando paìses como Argentina, Venezuela, Servia, Egito, Siria, Paquistão, Quênia, chile, Mexico, entre outros.