Sem guerra nuclear na Europa!

Devemos nos libertar da tutela dos EUA. Reimpressão exclusiva do livro “Ami, é hora de partir!”

Por Oscar Lafontaine em 18 de fevereiro de 2023

Se estamos lutando por uma Europa pacífica e queremos ficar fora dos conflitos entre as potências nucleares, então precisamos da libertação da Europa da tutela militar dos EUA por meio de uma política independente de segurança e defesa. Este objetivo deve ser nossa principal prioridade. Reimpressão exclusiva do livro “Ami, é hora de partir! ― Apelo para a autoafirmação da Europa”. [NT: Ami é como os alemães costumam chamar os americanos em geral e principalmente aqueles estacionados nas inúmeras bases militares espalhadas pelo país]

Devagar e sempre, o clima na Alemanha está mudando. Dia a dia, cada vez menos pessoas estão dispostas a se juntar ao belicismo em andamento com tanta facilidade. Eles tomam conhecimento sobre o grande sofrimento que está sendo causado na Ucrânia e ouvem as demandas diárias do presidente da CDU, Merz, do político do FDP Strack-Zimmermann e do parlamentar verde Hofreiter para que mais e mais armas sejam entregues à Ucrânia.

Infelizmente, o chanceler social-democrata Olaf Scholz, após uma hesitação inicial, repetidamente cede e entrega. Nossa ministra das Relações Exteriores Annalena Baerbock deu um tiro pela culatra novamente quando justificou sua exigência de que a Ucrânia fosse equipada com mais armas e tanques “Leopard” dizendo que as armas alemãs salvariam vidas. Aqui faltam as palavras.

Os mais velhos ainda se lembram de que o ataque de Hitler à União Soviética custou a vida de 27 milhões de pessoas, incluindo muitos milhões de russos e ucranianos.

Em 27 de janeiro de 2014, o sobrevivente de 95 anos do cerco de Leningrado, Daniil Granin, lembrou aos membros do Bundestag alemão a inscrição de um soldado russo nas paredes do Reichstag: “Alemanha, viemos até você para que você não precise mais “vir até nós” (1). E agora devemos entregar armas novamente, para que os assassinatos na Ucrânia continuem sem fim, os russos sejam mortos com armas alemãs e a Ucrânia vença a guerra contra a Rússia?

Os versados não acreditam que a Rússia seja a única culpada. Você se lembra da promessa feita a Gorbachev de não expandir a OTAN para o leste. Você sabe que em 2014 os EUA orquestraram e financiaram um golpe no Maidan para instalar um governo fantoche que forçaria a eventual admissão da Ucrânia na OTAN. Para os linha-dura em Washington, a ideia de poder instalar mísseis na fronteira Ucrânia-Rússia depois das bases de mísseis na Polônia e na Romênia era muito tentadora.

Impossível de não lembrar neste contexto é o conto de fadas vergonhoso dos EUA de que os mísseis estão estacionados nos países da Europa Oriental para interceptar mísseis iranianos. E, claro, a imprensa de propaganda ocidental imprimiu essas declarações estúpidas sem questioná-las, muito menos criticá-las. O Pentágono pode espalhar qualquer mentira ― a mídia ocidental as engolirá.

Mísseis sem aviso prévio são algo como uma faca no pescoço do inimigo. Eles são a ameaça crível de eliminar a liderança política do inimigo e os centros de comando militar de uma só vez. “Não é aquele que primeiro pega em armas que instiga o desastre, mas aquele que o impõe”, escreveu o florentino Nicolo Maquiavel há 500 anos.

A política de détente cunhada por Willy Brandt, que nos trouxe paz e segurança durante décadas, foi gradualmente abandonada (2). Desde que assumiu o cargo, o Governo do Semáforo apoiou sem reservas as políticas agressivas dos Estados Unidos.

Um pacote de sanções após o outro foi decidido para punir Putin. A guerra econômica sancionada contra a Rússia começou o mais tardar em 2017, muito antes de o exército russo invadir a Ucrânia. O Senado e o Congresso em Washington aprovaram uma legislação destinada a reduzir a influência russa na Europa e na Eurásia. Em 2018, os EUA focaram no Nord Stream 2 (3). Foi estipulado legalmente que as decisões de sanções dos EUA seriam de direito internacional no futuro e as violações delas seriam processadas de acordo com a lei civil e criminal dos EUA.

A cláusula 257 dessa lei afirmava que seu objetivo era priorizar a exportação de recursos energéticos dos EUA em detrimento de outros fluxos de exportação, a fim de criar novos empregos nos EUA. Já em dezembro de 2017, democratas e republicanos ameaçaram a empresa suíça Allsees, que instalou os dutos do Nord Stream 2, com destruição se não parassem de trabalhar no gasoduto em 48 horas. A empresa cedeu. Afinal, o chanceler austríaco na época, Christian Kern, teve a coragem de rotular essas leis americanas como uma “violação flagrante do direito internacional” (4). Um corajoso chanceler alemão teria chamado a explosão do Nord Stream 2 de uma declaração de guerra à Alemanha.

Muitos alemães agora estão percebendo que essas sanções são principalmente um tiro no pé. Claro, a economia russa está sofrendo e está tendo dificuldades crescentes, mas aqui os preços da energia estão disparando. Muitas pessoas não podem mais pagar seus custos de aquecimento e preços de eletricidade e não sabem o que fazer a seguir. A economia alemã teme uma onda de falências e pede ao governo que encontre uma solução. Mas ― e muito poucos se atrevem a dizer: sem matérias-primas e suprimentos de energia russos, não seremos capazes de manter nossa prosperidade. Mais e mais pessoas ficarão pobres e inúmeras empresas fecharão. O desemprego vai aumentar.

A Coalizão do Semáforo está arruinando a economia alemã à olhos vistos. É por isso que este governo é o mais estúpido que tivemos desde o surgimento da República Federal da Alemanha.

A seguir, gostaria de mostrar maneiras de sair dessa situação catastrófica. Para isso, é necessário que tenhamos clareza sobre por que estamos nessa situação em primeiro lugar. Já mencionei uma razão importante: a política de détente foi abandonada e substituída por uma política de confronto. Este é um desenvolvimento surpreendente em um país que teve excelentes experiências com a Ostpolitik de Willy Brandt.

Estudei física quando era jovem, então usamos o seguinte método: você monta uma teoria e depois faz um experimento. A experiência confirmará ou refutará a teoria. A teoria de que a paz na Europa só pode ser garantida de forma permanente através do desarmamento e da reaproximação foi confirmada durante décadas pela “política experimental de détente”, porque não havia guerra na Europa naquela época. Mas no cenário político e mediático alemão de hoje, quase ninguém parece saber disso.

O afastamento da política de détente de Brandt começou há 30 anos, quando Mikhail Gorbachev deixou a arena política e os linha-dura em Washington acreditaram que os frutos do colapso da União Soviética poderiam agora ser colhidos. Os EUA quebraram todas as suas promessas e expandiram a OTAN para o leste, embora políticos americanos como George Kennan tenham chamado essa expansão para o leste como o maior erro da política externa dos EUA após a guerra (5). Segundo o diplomata norte-americano, o alargamento a leste conduzirá ao militarismo e ao nacionalismo. Raramente as consequências de políticas erradas foram previstas com tanta precisão.

Se agora há políticos mais jovens na República Federal, sobretudo a atual ministra das Relações Exteriores, Annalena Baerbock, que pensam que a atual política de entrega de armas à Ucrânia levará à paz, então esse é um erro imperdoável. Esta política de confronto levará à destruição da Ucrânia e muitos milhares de mortes e pode resultar em uma terceira guerra mundial. Devemos, portanto, desistir imediatamente e retornar à política de détente.

Oscar Lafontaine Ami, é hora de partir!: Apelo à autoafirmação da Europa

Fontes e Notas:

  1. Bundestag alemão: “Discurso de Daniil Granin”, 27 de janeiro de 2014, online em: https://www.bundestag.de/parlament/geschichte/gastredner/rede_granin-261326
    (2) O texto é uma versão ampliada de um discurso que Oskar Lafontaine proferiu em 17 de setembro de 2022 como parte do 34º Pleisweiler Talks NachDenkSeiten. O tema foi: “Fim da política de détente? Se queres a paz, tens de te libertar dos EUA”, que pode ser consultado online em: https://www.nachdenkseiten.de/?p=88304
    (3) Dossiê Atlantik-Brücke: “A espiral de sanções dos EUA contra o Nord Stream 2”, em: Atlantik-Brücke, 2 de novembro de 2020, online em: https://www.atlantik-bruecke.org/die-sanktionsspirale-der-usa-gegen-nord-stream-2/
    (4) Ministério das Relações Exteriores: “Ministro das Relações Exteriores Gabriel e Chanceler Austríaco Kern sobre as sanções do Senado dos EUA contra a Rússia”, 15 de junho de 2017, online em: https://www.auswaertiges-amt.de/de/newsroom/170615-kern-russia/290664
    (5) George Kennan, “A Fateful Error”, em: New York Times, 5 de fevereiro de 1997, online em: https://www.nytimes.com/1997/02/05/opinion/a-fateful-error.html

Fonte: https://www.rubikon.news/artikel/kein-nuclear-war-in-europa


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