Quantum Bird para Comunidad Saker Latinoamérica
Depois de abordar uma série de temas desafiadores e atuais, o presidente da Federação Russa, Vladmir Putin, em sua extensa e detalhada intervenção na XVIII Reunião do Clube de Discussões Valdai, em Sochi, explicou que:
Já mencionei que, ao moldar nossas abordagens, seremos guiados por um conservadorismo saudável. Isso foi há alguns anos, quando as paixões na arena internacional ainda não estavam tão altas quanto agora, embora, é claro, possamos dizer que as nuvens já estavam se formando. Agora, quando o mundo passa por uma ruptura estrutural, a importância do conservadorismo razoável como base para um curso político disparou – precisamente por causa da multiplicação de riscos e perigos e da fragilidade da realidade que nos rodeia.
Essa abordagem conservadora não é sobre um tradicionalismo ignorante, um medo da mudança ou um jogo de restrição, muito menos sobre se retirar para nossa própria concha. Trata-se principalmente de confiar em uma tradição comprovada pelo tempo, a preservação e o crescimento da população, uma avaliação realista de si mesmo e dos outros, um alinhamento preciso de prioridades, uma correlação de necessidade e possibilidade, uma formulação prudente de objetivos e uma fundamental rejeição do extremismo como método.
A fala de Putin, que mereceu análises atentas por todo o espectro geopolítico global, passou relativamente ignorada pelas mídias corporativa e alternativa nativas. O que é bastante preocupante, visto a pertinência das observações do presidente. Ainda assim, o teor de algumas discussões em grupos populares do Telegram, orientados à esquerda ou à direita no espectro ideológico, sugerem que a declaração pode ter sido amplamente mal entendida.
Para os interessados, Pepe Escobar e Andrei Raevsky escreveram excelentes análises do discurso inteiro, de perspectivas geopolítica e doméstica, respectivamente. Este texto examina exclusivamente o trecho citado acima, de um viés mais próximo ao público brasileiro. O impacto do pós-modernismo no panorama cultural e filosófico ocidental não é nenhum segredo. Bem menos discutido, porém, é a relação entre a política, os valores e os costumes e a metodologia de pensamento pós-modernista, que notoriamente privilegia o discurso e o subjetivismo, muitas vezes, radicalmente destacados da realidade objetiva.
Portanto, é nesta relação que estão os ingredientes cruciais para entender a fala de Putin e sua relação à conjuntura política e cultural brasileira. Nos últimos anos, o relativismo cognitivo, outro ingrediente notoriamente pós-modernista, propiciou o aparecimento de doutrinas políticas supostamente liberais, que reformam desde a noção de estado à parâmetros de identidade individual. Como explicou muito bem Putin, características outrora consensuais, tais como gêneros biológicos, identidades culturais, expressões idiomáticas, a importância da família e da natalidade foram reformuladas.
Este cenário de mudanças está longe de ser estático. Nem mesmo é estático por partes, com mudanças seguidas por períodos de estabilidade. De fato, é a fluidez com a qual valores e definições mudam que consiste em sua característica mais marcante. A recorrência das mudanças é outro fator. Juntos, estes aspectos têm produzido uma massa de indivíduos confusos sobre os mais variados aspectos de suas existências: seus gêneros, identidades raciais, perfil ideológico etc. Não surpreende que, uma vez sujeito a esse turbilhão de mudanças, o indivíduo perca suas referências. O resultado é, por um lado, uma anomia difusa, e por outro, uma agitação social amorfa. Ambos favorecem a proliferação de extremismos que fomentam fragmentação e instabilidade política.
No Brasil de 2021, por exemplo, o espectro político é polarizado entre um pseudo-nacional-conservadorismo extremista, representado pelo presidente atual e apoiado por setores militares e igrejas pentecostais de reputação duvidosa, e uma esquerda predominantemente liberal, interessada principalmente no identitarismo e na replicação local das pautas woke estadunidenses. Nas instituições políticas, discute-se costumes, privilégios para minorias identitárias, (não) vacinação contra a COVID-19, enquanto os ativos do país estão sendo liquidados, em meio à mais completa corrupção, sem qualquer mobilização popular ou mínimo debate público a respeito. Vale a pena relembrar que, não muito tempo atrás, a pauta política era dominada pelo punitivismo de esquerda e de direita.
Desnecessário dizer que um país com uma população anômica, sem referências claras e um norte civilizatório preciso, torna-se terreno fértil para intervenção de atores estrangeiros, via guerras híbridas e cognitivas, revoluções coloridas, e outros esforços que sempre resultam em caos social, devastação econômica e mudança de regime. O conservadorismo saudável, ao qual se referiu Putin, faria muito bem ao Brasil neste momento, pois negaria, a nível estrutural, as oportunidades para os desenvolvimentos que degradaram severamente a vida no país, sem suprimir ou prejudicar os esforços para a consolidação de uma nação segura e próspera para seu povo.
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