Factores múltiplos tornam a Líbia importante aos olhos dos Estados Unidos e das potências europeias. Acima de tudo são as reservas petrolíferas – as maiores de África, preciosas pela boa qualidade e baixo custo de extracção – e as de gás natural. Depois de Washington abolir as sanções em 2003, em troca do compromisso de Gaddafi de não produzir armas nucleares nem outras armas de destruição em massa, as grandes companhias petrolíferas americanas e europeias afluem à Líbia com grande expectativa, permanecendo, no entanto, desiludidas. O governo líbio concede licenças de exploração às companhias estrangeiras que deixam à companhia estatal líbia (National Oil Corporation of Lybia, NOC) a percentagem mais alta dos lucros: dada a forte competição, a mesma chega a 90%. Além do mais a NOC requer, nos contratos, que as companhias estrangeiras recrutem pessoal líbio, mesmo para os cargos dirigentes.
Mais do que o ouro negro, os Estados Unidos e as potências europeias visam o ouro branco líbio: a imensa reserva de água fóssil do aquífero núbio (estimado em 150.000 km2), que se estende sob a Líbia,Egipto, Sudão e Chade. As possibilidades de desenvolvimento que o mesmo oferece foram demonstadas pelo governo líbio, construindo uma rede de aquedutos com 4 mil quilómetros de extensão para transportar a água extraída em profundidade de 1.300 poços no deserto, até às cidades costeiras e o oasis al Khufrah, tornando férteis terras desertas. A estas reservas hídricas, em perspectiva, mais preciosas do que as petrolíferas, querem deitar a mão – através de privatizações impostas pelo FMI – as multinacionais da água, que controlam quase metade do mercado mundial de água privatizada. Para os USA e para a NATO é importante a posição geográfica da Líbia, na intersecção entre o Mediterrâneo, a África e o Médio Oriente. Recorde-se que o rei Idris, em 1953, tinha concedido aos ingleses o uso de bases aéreas, navais e terrestres em Cirenaica e Tripolitania. Um acordo análogo foi concluído em 1954, com os Estados Unidos, que tinham obtido o uso da base de Uheelus Field, às portas de Tripoli. A mesma tinha-se tornado a principal base aérea americana do Mediterrâneo. Abolida a monarquia, a República líbia tinha forçado, em 1970, as forças americanas e britânicas a evacuar as bases militares e, no ano seguinte, tinha nacionalizado as propriedades da British Petrolum e obrigado as outras companhias a pagar ao Estado líbio taxas de lucro muito mais elevadas.
Na mira dos Estados Unidos e das potências europeias estão, também, os fundos soberanos, os capitais que o Estado líbio investiu no estrangeiro. Geridos pela Lybian Investment Authority (LIA), são estimados em cerca de 70 biliões de dólares, que montam a mais de 150 se forem incluídos os investimentos estrangeiros do Banco Central e de outros organismos. Desde que foi constituída, em 2006, a LIA efectuou em cinco anos, investimentos em mais de cem sociedades norte africanas, asiáticas, europeias norte e sul americanas:holding/capitais, banca, propriedades imobiliárias, indústrias, companhias petrolíferas e outras. Em África, a Líbia efectuou investimentos em mais de 25 países, 22 dos quais na África sub-Sahariana, programando aumentá-los, sobretudo, nos sectores dos minérios, manufacturas, turismo e telecomunicações. Os investimentos líbios foram decisivos para a realização da RASCOM (Regional African Satellite Communications Organization) que, entrando em órbita, em Agosto de 2010, permite que os países africanos comecem a tornar-se independentes das redes de satélites americanas e europeias, com uma poupança anual de centenas de milhões de dólares.
Ainda mais importantes foram os investimentos líbios na realização de três organismos financeiros lançados pela União Africana: a Banca Africana de Investimento, com sede em Tripoli; o Fundo Monetário Africano, com sede em Yaoundé (Camarões); a Banca Central Africana, com sede em Abuja (Nigéria). O desenvolvimento destes organismos poderia permitir aos países africanos subtrair-se, pelo menos em parte, ao controlo do Banco Mundial e do Fundo Monetário Internacional, instrumentos de domínio neocolonial, enfraquecendo o dólar e o franco CFA (a moeda que os 14 países africanos, que constituíam as antigas colónias francesas, são obrigados a usar).
Na véspera da guerra de 2011, os Estados Unidos e as potências europeias «congelam», ou seja, sequestram os fundos soberanos líbios, infligindo um golpe mortal em todo o projecto. Os emails de Hillary Clinton (Secretária de Estado da Administração Obama, em 2011),vindos à luz sucessivamente, depois de 2016, confirmam qual foi o verdadeiro objectivo da guerra: impedir o plano de Gaddafi de usar os fundos soberanos líbios para criar organismos financeiros autónomos da União Africana e uma moeda africana em alternativa ao dólar e ao Franco CFA. É Hillary Clinton – como documentará em seguida o New York Times – que faz o Presidente Obama assinar «um documento que autoriza uma operação secreta e o fornecimento de armas aos rebeldes».
São financiados e armados os sectores tribais hostis ao governo de Tripoli e a grupos islâmicos até há poucos meses considerados terroristas. Ao mesmo tempo, são infiltrados na Líbia, forças especiais, entre as quais, milhares de comandos catares, facilmente, camufláveis. A totalidade da operação procede inteiramente dos Estados Unidos, primeiro através do Comando África, depois através da NATO sob comando USA.
Em 19 de Março de 2011 começa o bombardeamento aéreo e naval da Líbia. Em sete meses, a aviação USA/NATO efectua 30.000 missões, das quais, 10.000 de ataque, com o emprego de 40.000 bombas e mísseis. A Itália participa nesta guerra com as suas bases e forças militares, rompendo o Tratado de Amizade, Parceria e Cooperação entre os dois países.
Para a guerra da Líbia, a Itália coloca à disposição das forças USA/NATO, 7 bases aéreas (Trapani, Gioia del Colle, Sigonella, Decimomannu, Aviano, Amendola e Pantelleria), assegurando assistência técnica e aprovisionamentos. A Força Aérea Italiana participa na guerra efectuando 1,128 missões, com caças bombardeiros Tornado, F-16 Falcon, Eurofighter 2000, AMX, drones Predator B e aviões cisterna Boeing KB-767 e KC130J. A Marinha Italiana é envolvida na guerra, em várias frentes: desde operações de embargo naval, até actividades de patrulhamento e abastecimento.
Com a guerra USA/NATO, de 2011, é demolido o Estado líbio e assassinado o próprio Gaddafi, atribuindo a imprensa a uma «revolução inspiradora» que os USA se dizem orgulhosos de apoiar. Criando «uma aliança sem igual contra a tiraniae a favor da liberdade», é demolido aquele Estado que, na costa Sul do Mediterrâneo, em frente à Itália, manteve «altos níveis de crescimento económico» (como documenta o próprio Banco Mundial), com um aumento médio do PIB de 7,5% ao ano, e registava «indicadores elevados de desenvolvimento humano», entre os quais o acesso universal à instrução primária e secundária, e para 46%, o acesso à educação de nível universitário.
Apesar da disparidade, o padrão de vida da população líbia era notavelmente mais elevado do que o dos outros países africanos. Isto mesmo é testemunhado pelo facto de que mais de dois milhões de imigrantes, na maioria africanos, encontrarem trabalho na Líbia.
A seguir, também são afectados pela guerra, os imigrantes da África sub-sahariana que, perseguidos sob acusação de terem colaborado com Gaddafi, são presos e obrigados a fugir. Muitos, movidos pelo desespero, tentam a travessia do Mediterrâneo em direcção à Europa. Os que perdem a vida são também vítimas da guerra com a qual a NATO destruiu o Estado Líbio.
A seguir:
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