The Saker: Ataque dos mísseis EUA contra a Síria e consequências – Uma análise em vários níveis
11/4/2017, The Saker, The Vineyard of the Saker
Fonte: http://blogdoalok.blogspot.pt/2017/04/the-saker-ataque-dos-misseis-eua-contra.html
O mais recente ataque de mísseis cruzadores dos EUA contra a base aérea síria é evento de importância extrema em tantos níveis, que é importante examiná-los com algum detalhe. Tentarei fazer isso hoje, na esperança de lançar alguma luz sobre esse ataque, na verdade bizarro, mas que, apesar disso, terá consequências profundas. Antes, examinemos o que realmente aconteceu.
O pretexto:
Não creio que alguém creia seriamente que Assad ou qualquer outro no governo sírio realmente ordenou ataque com armas químicas contra seja lá quem fosse. Aceitar tal noção exige que se aceite como lógica a seguinte sequência: primeiro, Assad quer muito vencer a guerra do Daech que está em plena retirada. Então, EUA declaram que derrubar Assad deixou de ter prioridade (até aqui, só fatos verdadeiros). Então, Assad decide usar armas que não tem em seu arsenal. E Assad decide bombardear um local sem valor militar, povoado de criancinhas e câmeras. Na sequência, quando os russos exigem investigação completa, os norte-americanos atacam o mais depressa que conseguem, antes que a ideia da investigação se alastre e ganhe apoios. E agora, os norte-americanos testam a ideia de um possível papel dos russos nesse dito “ataque”. Francamente: se você acredita em qualquer coisa até aí, melhor parar de ler e voltar a assistir à TV. Para nós outros, há três possibilidades, a escolher:
- Ataque norte-americano clássico, do tipo “sob falsa bandeira” [ing. false flag];
- Ataque sírio a locação na qual se armazenava algum tipo de gás, talvez o trifluoreto de cloro(ing. chlorine), mas absolutamente não gás sarín. Essa opção depende de você acreditar em coincidências. Eu não acredito. A menos que:
- Os EUA tenham fornecido inteligência falsificada aos sírios, para levá-los a bombardear local onde os norte-americanos sabiam que havia estoques de gás tóxico.
O que é evidente é que os sírios não lançaram armas químicas a partir de aeronaves deles, e que nenhum gás químico foi jamais armazenado na base aérea de Shayrat. Não há imagens que mostrem cartuchos ou contêineres nos quais o gás tóxico pudesse ter sido transportado, até o choque que o liberaria na atmosfera. Quanto a gravações de radares dos EUA e outros, só mostram uma aeronave no céu, o rumo, a altitude e a velocidade. Não há como identificar arma química ou ataque químico, pelo radar.
Seja qual for sua alternativa preferida, o governo sírio é obviamente e autoevidentemente inocente da acusação de ter usado armas químicas. O mais provável, aí, é ataque sob falsa bandeira.
Além disso, é para registrar, os EUA no passado já consideraram ataque sob falsa bandeira precisamente como esse (tudo sobre esse plano,aqui e no Daily Mail) [Ontem, Wikileaks publicou plano de 1983 ; detalhado hoje também em ZeroHedge (NTs)].
O ataque:
Fontes russas e norte-americanas concordam, todas, quanto ao seguinte fato: duas embarcações da Marinha dos EUA dispararam 59 mísseis cruzadores Tomahawk contra a base aérea Al Shayrat, na Síria. Os EUA não tiveram qualquer contato sobre isso com os russos em nível político, mas por canais militares os EUA avisou a Rússia com duas horas de antecedência. Nesse ponto, os relatos começam a mostra diferenças.
Os norte-americanos dizem que todos os mísseis atingiram os alvos. Os russos dizem que só 23 mísseis cruzadores atingiram a base aérea. Sobre os demais mísseis “não há sinal deles”. Aqui, creio que não há como não aceitar que os norte-americanos mentem e os russos dizem a verdade: a pista principal está intacta (há vídeos e imagens de jornalistas russos que o provam), e só uma pista de taxiamento foi atingida. Além do mais, a Força Aérea Síria retomou suas operações na base menos de 24 horas depois do ataque. Fato: 36 mísseis cruzadores não chegaram ao alvo.
Indiscutível também que não havia munição química nessa base, dado que ninguém, nem os jornalistas sírios nem os russos tiveram de usar equipamento completo de proteção.
Os mísseis usados no ataque, os Tomahawks, podem servir-se de qualquer combinação de três sistemas de orientação: GPS, navegação inercial e mapeamento do terreno. Não há nem provas, nem mesmo matérias jornalísticas que digam que os russos dispararam um único míssil de defesa antiaérea. Na verdade, os russos assinaram um memorando com os EUA, pelo qual especificamente se comprometem a NÃO interferir em nenhum tipo de sobrevoo, tripulado ou não, sobre a Síria (EUA também se comprometeram correspondentemente). O míssil cruzador Tomahawk foi desenvolvido nos anos 1980s e nada leva a crer que os mísseis usados tivessem excedido o prazo ‘de validade’; há, isso sim, evidência de que foram construídos em 2014. O Tomahawk é conhecido por ser acurado e confiável. Não há de modo algum base para suspeitar que metade dos mísseis disparados teriam funcionado mal. Só encontro duas explicações possíveis para o que aconteceu aos 36 mísseis cruzadores que ninguém encontra:
Explicação A: Trump jamais quis atingir fortemente os sírios, e todo o ataque foi “puro show“; e a Marinha dos EUA destruiu deliberadamente aqueles mísseis sobre o Mediterrâneo. Assim, Trump poderia fazer-se de durão, sem infligir tal dano aos sírios que inviabilizaria qualquer projeto de colaboração com a Rússia. Não acredito nessa explicação e adiante explicarei por quê.
Explicação B: Os russos não poderiam, legalmente, derrubar mísseis dos EUA. Assim sendo, é errado assumir que aqueles mísseis voaram em rota diretamente do Mediterrâneo até os alvos (praticamente quase sobrevoando as posições dos radares russos). Os Tomahawk foram especificamente projetados e construídos para poder voar rotas tangenciais, em torno de alguns tipos de radar, e também podem ter muito baixa visibilidade ao radar [ing. very low RCS (radar visibility)], especialmente no setor frontal. Alguns daqueles mísseis voaram provavelmente suficientemente baixo, a ponto de não terem sido vistos pelos radares russos, a menos que os russos tivessem no ar um Sistema Embarcado de Alerta e Controle [ing. Airborne Warning and Control System, AWACS] (não sei se tinham). Mas, se os russos foram alertados sobre o ataque, tiveram tempo suficiente para preparar as estações de guerra eletrônica para “fritarem” e desabilitar por outras vias pelo menos parte dos mísseis cruzadores. Para mim, essa é a explicação correta.
Não sei se os russos não conseguiram incapacitar, destruir e confundir os 23 mísseis que chegaram à base, ou se tomaram a decisão política de deixar que menos da metade do total de mísseis cruzadores chegassem ao destino, para disfarçar o papel dos russos na destruição dos outros 36. Mas tenho certeza de que aqueles 36 mísseis cruzadores avançados não “desapareceram”.
Há duas razões pelas quais os russos podem ter decidido usar seus sistemas de guerra eletrônica [ing. electronic warfare, EW systems ], não os próprios mísseis: primeiro, para obterem “negabilidade plausível” (pelo menos para o grande público, não há dúvidas de que as unidades norte-americanas de inteligência de sinais detectaram a interferência dos russos (a menos que tenha acontecido em baixíssima potência e frequência muito alta e no interior distante, do território), e porque usar sistemas de guerra eletrônica permitiu aos russos manter seus mísseis de defesa reservados para proteger suas próprias forças. Os russos podem fazer tal coisa?
Examinem essa imagem, extraída de um website russo, que parece ter sido produzida pela empresa Kret, que produz alguns dos sistemas russos chaves da guerra eletrônica. Observem que à esquerda, logo abaixo do avião que transporta os AWACs, vê-se um míssil tipo Tomahawk dando meia volta para depois explodir no mar?
Pode-se apenas conjecturar sobre como a operação foi levada a cabo. Só sabemos que o míssil recebe um “falso alvo”, mas não faz diferença, para o que queremos aqui. O que interessa é que os russos basicamente fizeram ‘vazar’ a informação de que têm meios para desviar mísseis cruzadores, fazê-los dar meia volta. Há outras possibilidades, como raios de energia dirigida, que, basicamente, fritam, ou pelo menos confundem o rastreador de terreno ou os sistemas de navegação inercial. Houve quem sugerisse um “desligador” que desligaria todo o míssil. É possível. Mas, repito, nada disso interessa aos nossos propósitos. O que interessa é que os russos têm os meios para fritar, redirecionar ou destruir mísseis cruzadores dos EUA. Parece, isso sim, muito visivelmente, que, pela primeira vez esses sistemas foram usados em situação de combate real.
[Barra lateral: Os que se interessem por ver em ação um desses sistemas, encontram aqui um vídeo curto, feito pelos próprios russos, mostrando como esse sistema é instalado e operado:
Em termos de detalhes técnicos, aí está dito que esse sistema pode desnortear qualquer objeto embarcado a distâncias de até 200 200km]
Quero deixar registrado que os que digam que os sistemas de defesa aérea dos russos não funcionam não sabem do que estão falando. Não só a Rússia assinou acordo com os EUA pelo qual se compromete a não interferir nas operações de voo dos EUA; também é verdade que as defesas aéreas russas NÃO TÊM A MISSÃO de proteger o espaço aéreo sírio. Essa tarefa compete às forças sírias de defesa aérea. As defesas aéreas russa estão na Síria exclusivamente para proteger pessoal e equipamentos russos. Essa é a razão pela qual os russos jamais derrubaram aviões israelenses. E nem chega a ser surpresa, porque a força-tarefa russa na Síria nunca teve a missão de fechar o espaço aéreo sírio nem , e ainda muito menos, de começar uma guerra com EUA ou Israel.
Tudo isso contudo pode estar mudando. Agora, os russos já se retiraram do acordo com os EUA e, talvez ainda mais importante, declararam que os sírios carecem com muita urgência, de capacidades avançadas de defesas aéreas. Atualmente, os sírios operam bem poucos sistemas russos avançados de defesa aérea, a maioria dos quais é equipamento antigo.
Aspectos legais do ataque:
O ataque norte-americano aconteceu com violação direta da lei norte-americana, da lei internacional e da Carta da ONU. Primeiro, eu diria que há fortes provas legais de que o ataque dos EUA violou a Constituição dos EUA, a Lei dos Poderes de Guerra do Presidente e a Resolução sobre Autorização para Uso de Força Militar de 2001. Mas dado que realmente não me perturba esse aspecto do comportamento criminoso de Trump, sugiro que leiam duas análises dessa questão (aqui e aqui), cujo argumento resume-se ao seguinte: “é, é ilegal, mas todos os presidentes dos EUA fazem isso há tanto tempo que já foi criado um precedente legal o qual, uh… legaliza(ria) o que continua a ser ilegal”. Acho que esse tipo de “defesa” nem merece resposta ou contra-argumento. Passemos logo à lei internacional.
Muita gente pensa que crimes contra a humanidade ou genocídio seriam os crimes máximos ante a lei internacional. Errado. O crime máximo, o crime dos crimes é a agressão. Aqui está a conclusão do Tribunal de Nuremberg (9/12/1946), para esse tipo de crime:
“Iniciar uma guerra de agressão portanto é algo essencialmente perverso (…) iniciar uma guerra de agressão (…) não é só crime internacional: é o maior de todos os crimes internacionais, diferente dos demais porque contém nele mesmo a perversidade acumulada de todos os outros.”
Nesses termos, não há dúvidas de que, dando continuidade à longa e prestigiosa lista de outros presidentes dos EUA que também o foram, Donald Trump já é também criminoso de guerra. De fato, é “o maior de todos os criminosos de guerra”. Em apenas 77 dias ascendeu do nada ao estrelato entre criminosos de guerra. É tipo um recorde mundial.
Quanto à Carta da ONU, pelo menos quatro artigos (1, 2, 33, 39) proíbem o tipo de agressão que vemos hoje dos EUA contra a Síria.
Acho que não é necessário discutir todos os aspectos da ilegalidade do ataque dos EUA contra a Síria. Apenas destaco a suprema ironia de um país basicamente construído e governado por advogados (conte quantos deles estão no Congresso), tenha população tão totalmente indiferente ao fato de os representantes que os próprios cidadãos elegeram ajam de forma tão completamente ilegal. Tudo a que a maioria dos norte-americanos dá importância é o resultado da ilegalidade: se o ato ilegal leva à vitória, ninguém absolutamente nem pensa, na ilegalidade. Você não concorda? Então me diga: quantas demonstrações de pacifistas aconteceram nos EUA quando da agressão totalmente ilegal dos EUA contra a Iugoslávia? Pois é. Como eu disse. CQD.
Consequências políticas (internas)
Meu filho resumiu perfeitamente o efeito das ações de Trump: “os que o odiavam continuam odiando; e os que o apoiavam agora também o odeiam“. Uau! Como é que Trump e seus conselheiros não previram que aconteceria assim? Em vez de cumprir as suas numerosas promessas de campanha (e até os juramentos pessoais por Twitter) Trump decidiu de repente dar uma guinada de 180º e trair completamente tudo que dissera até a véspera e motivo pelo qual foi eleito. Não consigo pensar em ação mais idiota. Não consigo. Tenho de reconhecer que Trump já faz sombra ao [George] Dábliu [Bush]: o faz aparecer espertíssimo. E isso, até aqui, nem é tudo. Há coisa pior, muito pior.
O pior aspecto de toda essa ***** é o quanto ela expõe Trump como ser obscenamente imoral. Pensem bem: primeiro Trump traiu Flynn abjetamente. Em seguida, traiu Bannon.
[Barra lateral: No geral eu até gostava de Flynn. Bannon e nada, para mim, são o mesmo. Mas o fato é que não erammeus melhores amigos, eram os melhores amigos de Trump. E em vez de os defender, Trump os sacrificou aos neoconservadores sempre sedentos de sangue, na esperança de acalmá-los. Eis o que escrevi sobre essa traição estúpida e profundamente imoral, no dia em que aconteceu:
“Lembram-se a ocasião em que Obama nos revelou sua face verdadeira, quando hipocritamente denunciou seu pastor e amigo Rev. Jeremiah Wright Jr? Hoje, Trump nos mostrou sua verdadeira face. Em vez de recusar a renúncia de Flynn e em vez de despedir aqueles que ousaram engendrar essas acusações ridículas contra Flynn, Trump aceitou a renúncia. Isso só pode ser chamado de covardia abjeta, e é também estupidez espantosa, embutindo suicídio político, porque agora, Trump está só, completamente sozinho, encarando gente como Mattis e Pence – padrões de lutadores radicais da Guerra Fria, ideológicos até o cerne, gente que quer a guerra sem se importar com a realidade.”
O pior aspecto aí é que, ao trair gente sua à esquerda e à direita, Trump nos mostrou que não se pode confiar nele, que ele apunhalará qualquer um pelas costas, sem hesitar. Quem se arriscaria por um sujeito desses? Compare-se isso ao que faz Putin – “conhecido” por sempre defender os amigos e aliados, até quando tenham cometido erros! Essa é uma das razões pelas quais os anglo-sionistas não conseguem quebrar Putin, e só precisaram de um mês para neutralizar Trump: Putin é duro como titânio, Trump é macarrão cozido até o estado de mingau].
E agora Trump se traiu ELE MESMO, ao dar as costas a tudo que ele, ele pessoalmente, defendia até ontem. É momento quase Shakespeareano nos aspectos mais patéticos e mais trágicos!
Durante a campanha, Trump fez várias excelentes promessas, e realmente inspirou milhões de americanos a apoiá-lo. Pessoalmente, creio que era sincero naquelas intenções, e absolutamente não engulo a teoria do “foi tudo encenação”. Absolutamente não. Basta ver o pânico total dos neoconservadores quando se configurou a possibilidade de uma vitória de Trump: nada ali era encenado, o medo era muito real. Não, acho que Trump estava sendo sincero. Mas quando confrontado com a implacável oposição dos neoconservadores e do Estado Profundo dos EUA, Trump balançou e quebrou instantaneamente, porque visivelmente é homem sem espinha dorsal.
Assim sendo, o que temos hoje não passa de mais uma triste, patética versão de Obama. Uma espécie de Obama 2.0, se quiserem. O homem inspirou milhões, prometeu mudança na qual se poderia acreditar, e entregou o quê? Nada. Absolutamente nada, exceto a subserviência mais abjeta aos verdadeiros senhores e proprietários dos EUA: os neoconservadores e o Estado Profundo.
Trump obteve o que parece ter desejado obter: a mesma mídia-empresa que ele reclamava que o ofendia, agora só faz elogiá-lo. Ninguém mais o chama de “agente de Putin”. Mesmo que nada disso impeça os neoconservadores de o derrubarem por impeachment, diga-se. Ele escolheu a via da panaceia, que em poucos dias deixará de funcionar. Impossível pensar em ideia mais estúpida. Para começar, tudo sugere que Trump optou pelo “ataque encenação”, pelo “show de músculos”, que se converteu num dos ataques mais patéticos da história, provavelmente por ação da Guerra Eletrônica dos russos. Agora os EUA desperdiçaram coisa como US$ 100 milhões, e Trump tem o quê para mostrar? Algumas colunas ‘jornalísticas’ de elogios de uma mídia-empresa que ele sempre odiou e que voltará a odiá-lo e ofendê-lo em tempo integral, no instante em que receber ordens dos patrões neoconservadores. Se querem saber minha opinião, é resultado pífio, patético.
Desde que pôs os pés na Casa Branca, Trump age como distribuidor-em-chefe de panos quentes (pergunto-me se Trump pai foi alcoólatra). Como um sujeito desses acumulou fortuna de bilhões nos negócios é pra mim perfeito mistério, mas fato é que, hoje, os neoconservadores já o submeteram completamente, e logo o converterão em cachorro morto político deixado para trás no acostamento da estrada.
Temo que os próximos quatro anos (ou menos!) convertam-se em infindável festa do Purim …
Consequências políticas (externas)
Trump, com as próprias mãos, destruiu qualquer esperança de qualquer tipo de colaboração dos EUA com a Rússia. Ainda pior, também destruiu quaisquer possibilidades de conseguir destruir o Daech. Por quê? Porque se você supõe que alguém possa derrotar o Daech sem apoio de russos e iranianos, tenho várias pontes para lhe vender, por aí pelo mundo. Não está acontecendo nem algum dia acontecerá. E, ainda muito, muito pior é que agora voltamos a uma situação de pré-guerra, exatamente como estivemos com Obama e também teríamos estado com Clinton. Deixem-me explicar.
A Rússia tomou as seguintes medidas imediatamente depois do ataque dos EUA à Síria:
- Denunciar os ataques na ONU (esperável, sem novidade);
- Fortalecer as defesas aéreas sírias(muito importante, dará aos sírios os meios para vedar seu espaço aéreo);
- Cancelar o Memorando com os EUA (agora, os russos na Síriaterão direito de decidir quando atirar ou não atirar);
- Desativar a linha protegida de telefone direto com os militares dos EUA (os EUA não poderão mais telefonar aos russos e pedir que façam ou deixem de fazer qualquer coisa).
A combinação das decisões 2, 3 e 4 não implica que os ricos atirarão da próxima vez, por sua conta. Os russos continuam limitados por suas próprias regras de engajamento e por decisões políticas. Mas a nova situação afeta doravante dramaticamente o processo de tomada de decisões dos EUA, porque agora já não haverá garantias de que os russos não atirem. Os russos basicamente já são donos do espaço aéreo sírio. O que farão agora é dar capacidade similar aos próprios sírios. Isso não só permitirá que os sírios defendam-se contra qualquer ataque futuro por EUA ou Israel, como, além disso, garantirá aos russos negabilidade plausível caso decidam derrubar avião ou drone dos EUA. Por fim, os russos estão trazendo de volta para a costa síria alguns de seus navios mais avançados. Assim, depois de ter oferecido a Trump o benefício da dúvida, os russos voltam a postura semelhante à dos tempos de Obama na Síria. Parabéns, Trump, que maravilha!
Sim, sim, sei, Tillerson é esperado para reunião com Lavrov essa semana. O assunto foi discutido ad nauseam na TV russa, e o consenso é que a única razão pela qual os russos não cancelaram a reunião é que não querem – por questão de princípio geral – ser o lado que se recusou a receber o outro para conversações. Excelente. Considerando que estamos falando de possível guerra termonuclear internacional, entendo que seja ponto a considerar. Mesmo assim, teria preferido ver/Lavrov dizer a Tillerson que caísse fora do caminho dos russos. Por quê? Porque cheguei à conclusão de que todo e qualquer diálogo com os EUA é sempre infalivelmente a mais inútil e sem sentido perda de tempo. Para começar, porque não existe política norte-americana para seja o que for. Ao longo da última semana, vimos a dupla, de um lado Nikki Haley, de outro Rex Tillerson, contradizendo-se completamente um o outro e várias vezes: “não queremos derrubar Assad. Sim, queremos derrubar Assad. Sim, vamos derrubar Assad. Não, não vamos derrubar Assad“. É quase doloroso, dá vergonha (alheia), assistir às cenas. Ajuda a mostrar que, assim como no tempo de Obama, o pessoal de Trump também é “недоговороспособны” ou “incapaz para acordos”. Expliquei essa expressão russa nesse artigo (escrito sobre Obama! Não sobre Trump):
“Os russos manifestaram total desagrado e indignação contra o ataque e começaram a dizer abertamente que os norte-americanos são “недоговороспособны”. A palavra significa literalmente “[gente, pessoa] incapaz para acordos” ou sem as competências mínimas para firmar um acordo e, na sequência, honrar o que assinou. É expressão polida, mas mesmo assim extremamente forte, porque implica, mais do que fingimento deliberado, a ausência da capacidade, dos meios morais necessários para respeitar a própria assinatura. Por exemplo, os russos têm dito com frequência que o governo de Kiev é “incapaz para acordos”, o que faz sentido, considerando-se que a Ucrânia ocupada pelos nazistas é, na essência, estado fracassado.
Mas dizer que uma superpotência nuclear mundial é “incapaz para acordos” é diagnóstico extremo e terrível. Significa basicamente que os norte-americanos enlouqueceram e perderam os meios morais mínimos necessários para firmar acordos, qualquer tipo de acordo. Afinal, governo que descumpra o que prometa ou tente burlar, mas o qual, pelo menos em teoria, conserve a capacidade para respeitar a própria assinatura em acordos não seria descrito como “incapaz para acordos”. É expressão que só é usada para descrever entidade que sequer tem condições mínimas indispensáveis para merecer a confiança necessária para que alguém possa iniciar negociações, porque não cumprirá o que for acordado. É diagnóstico absolutamente devastador.
É ruim. Realmente muito ruim. Significa que, basicamente, os russos desistiram da ideia de que haveria um parceiro adulto, sóbrio, mentalmente são, com o qual eles poderiam dialogar. Significa que, por mais que se mantenham compostos e polidos, a mais perfeita ‘cara de pôquer’, os russos já concluíram que, simplesmente, terão de assumir que lhes caberá agir, ou sozinhos, ou com outros parceiros ; basicamente, que desistiram dos EUA.
Isso se aplica não só ao Kremlin oficial. Analistas russos independentes já se mostram menos tímidos quanto a manifestarem total desgosto e o mais absoluto desprezo por Trump. Alguns já sugerem que Trump resolveu mostrar o quanto é ‘durão’, na encenação preparatória para a viagem de Tillerson a Moscou. Se for assim, calculou muito, muito mal. Isso porque muitos daqueles analistas já dizem que o que Trump está fazendo não passa de “показуха” – exibição totalmente fake de força, que realmente nada mostra e não engana ninguém. Certo é que essas exibições de força são muito gravemente desprezadas na cultura russa, que crê firmemente que quanto mais duro e resistente é o homem, menos ele faz exibições públicas de força.
[Barra lateral: se John Wayne é o herói norte-americano prototípico, Danilo Bagrov, do filme “Brother” [Irmão] e da sequência “Brother 2” é o herói russo prototípico: tímido, de poucas palavras, pobre, às vezes encantadoramente desastrado e ingênuo, mas, de fato “o mais duro de nós todos” (como o descreve outro personagem no segundo filme (aos que não conheçam, recomendo vivamente que assistam aos dois filmes, mas não sei se há versão legendada em inglês (e dublar seria quase um crime).
Herói Americano / Herói Russo |
De garantido, que os tipos John Wayne não sobreviveriam na rua russa, seriam imediatamente desmascarados como simulacro, falsos, metidos a durões para esconder as fragilidades, seriam desmascarados sem piedade. Atualmente, quando os norte-americanos adotaram o estilo que chamo de “Delta Force/Blackwater” (barba em ponta, cabelos compridos, óculos escuros impenetráveis e muito músculo empilhado no esqueleto etc.) tem aparência cômica, pelos critérios russos. As forças especiais russas (e conheci muitos desses soldados) *nunca* se exibem como tal, se não por outras razões, porque sabem que quanto menos se fizerem de fortões, mais eficazes são nas missões para as qual são preparados].
Pessoalmente, não me parece que o plano de Trump fosse impressionar os russos. Nem creio, como alguns, que lançar o tal ataque durante a visita do premiê chinês seria afronta deliberada ou algum tipo de “mensagem”.[1] De fato, não acho que houvesse grandes planos, além de mostrar que Trump é “durão” e não ‘amolecerá’ com Putin. Só isso. Acho que as chamadas “elites” que estão no poder nos EUA são infinitamente arrogantes, estúpidas, mal-educadas, incompetentes e irresponsáveis. Não engulo a teoria do “caos administrado” (ing.“managed chaos”) nem engulo a noção de que, se antes os anglo-sionistas impunham sua ordem aos demais, hoje impõem sua desordem. Sim, tudo isso é consequência de ações deles, mas não como parte de algum plano diabólico; é sinal da degeneração terminal de um Império que hoje é sem projeto, sem noção, assustadiço, furioso e arrogante.
Já expliquei, na análise anterior que escrevi, que o plano de Trump para derrotar o ISIS já nasce morto; não voltarei àquele assunto. Direi, isso sim, que o apoio de Erdogan ao ataque de Trump é igualmente estúpido e suicida. Realmente não entendo o que Erdogan espera alcançar. Os EUA por um triz não o mataram numa tentativa de golpe, trabalham hoje para criar um Curdistão semi-independente bem ali, na fronteira com a Turquia. Sim, sei que Erdogan quer ver-se livre de Assad, ok, mas será que realmente crê que Trump derrubará Assad da presidência da Síria? E se Assad for derrubado, em que melhorará a situação da Turquia, depois que o Emirado do Takfiristão for declarado na Síria? Sinceramente espero que depois do referendum, Erdogan recobre algum senso de realidade.
E os israelenses? Será que realmente creem que negociar com Assad seria pior que negociar com esse Califato do Takfiristão?! Mas… nesse caso, pode-se esperar qualquer coisa dessa gente com tão longa história de tomar decisões verdadeiramente horríveis.
Seja como for, realmente parece que todos enlouqueceram completamente!
E há também a ovação, aplausos de pé, que se ouviu vinda da Europa e da Ucrânia. Realmente sinto vergonha por eles. Regozijam-se com a tentativa de golpe para depois um dos últimos regimes mentalmente sãos e seculares que há no Oriente Médio. Será que esses “líderes” europeus não veem que se a Síria for substituída por um Califato do Takfiristão, desabará o céu sobre a Europa, sem remissão? É realmente impressionante que essa gente não veja nem isso …
O “toque sutil” dos EUA para a RPDC e a China |
CONSIDEREMOS AGORA – do ponto de vista da China e da República Popular Democrática da Coreia, “Coreia do Norte”, RPDC – o que aconteceu.
Primeiro, como já mencionei, não creio que Xi tenha sentido que o ataque, durante sua visita aos EUA tenha sido uma bofetada ou uma afronta. Se estivesse em outro país civilizado, talvez. Mas nos EUA, não. Os chineses não cultivam absolutamente nenhuma ilusão quanto à total falta de sofisticação e, até, de boas maneiras básicas, nos presidentes dos EUA. Não estou dizendo que não se tenham sentido ofendidos ou que o ‘evento’ não os preocupe muito. Nem é preciso dizer que perceberam também a “coincidência” de a Marinha dos EUA ter cancelado o pedido de autorização para o USS Carl Vinson atracar na Austrália e, em vez disso, esteja mandando o porta-aviões e seu grupo naval de apoio na direção da Península Coreana. Perceberam também que esse movimento recebeu atenção máxima da máquina de propaganda dos EUA, que lhe deu visibilidade máxima. Um “show de força” na Síria, seguido agora de outro “show de força” no Leste da Ásia.
Típico, não é mesmo?
O movimento reforçará a parceria informal mas muito forte e profunda entre China e Rússia. Como os russos, os chineses manterão o sorriso e distribuirão declarações suaves sobre paz e segurança internacionais, contatos, negociações etc. Mas todos que fazem diferença na China compreenderão a real mensagem que Washington DC mandou: “agora é Assad –, mas vocês podem ser os próximos”.
E assim, resta só a Coreia do Norte. Não sei adivinhar pensamentos nem sou psicólogo, mas me pergunto o seguinte: o que é pior – que os norte-americanos consigam realmente assustar Kim Jong-un, ou se não lhe meterem medo? Não tenho a resposta, mas, considerando o comportamento passado dos líderes da RPDC, sugiro fortemente que nesse caso as duas possibilidades – assustarem o homem ou não o assustarem – são igualmente perigosas. A noção de “assustar” não deve ser incluída nem marginalmente em qualquer negociação política com a RPDC. Pois, bem diferente disso, os pirados em Washington já começaram a vazar uma história (verdadeira ou falsa, pouco muda) segundo a qual as agências de inteligência dos EUA concluíram planos para, não estou mentindo, “eliminar Kim Jong-un“. E para ter certeza de que a mensagem chegará ao destino, a nova harpia dos EUA no Conselho de Segurança da ONU ameaça com guerra a RPCN.
Será que realmente enlouqueceram todos, completamente, em Washington DC?
Preciso explicar aqui por qual razão ameaçar a RPDC com ataques e guerra já seria ideia terrível, mesmo que o país não tivesse armas atômicas?
Conclusão: o que acontece a seguir?
Resposta curta: não sei. Deixem-me explicar por que não sei. Em todos os meus anos de formação, treinamento e trabalho como analista militar, sempre tive de assumir que as partes envolvidas eram o que chamávamos de “ator racional”. Os soviéticos com certeza eram atores racionais. Os norte-americanos, também. Então, começando com Obama, cada dia mais frequentemente tive de questionar aquele pressuposto, com os EUA metendo-se em ações que pareciam ensandecidas ou suicidárias. Digam-me: como opera a ‘contenção’ numa pessoa que não tem instinto de autopreservação (seja por efeito de infinita húbris imperial versão cozinha dos fundos, arrogância burra ou simples estupidez)? Não sei. Para responder tal pergunta ninguém precisa de analista militar, talvez de psiquiatra ou psicanalista especialista em tipos suicidas delirantes.
Alguns leitores talvez pensem que há exagero aí. Não há. É questão muito, muito séria. Falo sério. De minha parte, acho que o governo Trump não apenas é “incapaz para acordos”; acho que vive completamente desligado da realidade. Em delírio. Vocês achavam que Kim Jong-un com bomba atômica já é ruim? O que dizer de Obama ou Trump com bomba atômica? Não é muito, muito mais assustador?
E o que o mundo pode fazer?
Primeiro, a resposta fácil: os europeus. Não há o que possam fazer. São irrelevantes. Sequer existem. Não, com certeza, no sentido político de existir.
Alguns países, contudo, estão mostrando maravilhoso nível de coragem. Vejam o que o representante da Bolívia ousou fazer no Conselho de Segurança da ONU.
E que vergonha para a Europa: um país pequeno e pobre como a Bolívia, mostrou mais dignidade política que todo o continente europeu. Não é surpresa que os russos absolutamente não tenham nenhum respeito pela União Europeia.
O que a Bolívia fez é nobre e belo. Mas os dois países que realmente têm de subir ao palanque são Rússia e China. Até aqui, a Rússia tem feito todo o trabalho pesado e, paradoxalmente, foi o país que recebeu a mais idiota das ingratidões (especialmente dos guerreiros de sofá). Isso tem de mudar.
A China tem muito mais meios, que a Rússia, para pressionar os EUA e obrigarem-nos a voltar a algum estado de semi-sanidade mental, que seja. A Rússia só tem suas soberbas capacidades militares. A China, por seu lado, tem meios para abalar os EUA onde realmente dói: no dinheiro. A Rússia está em posição difícil: não pode abandonar a Síria aos doidos Takfiris, mas tampouco pode entrar em guerra atômica contra os EUA por causa da Síria.
O problema não é Assad. O problema é que Assad é a única força capaz, pelo menos nesse momento, de realmente proteger a Síria contra o Daech. Se Assad for derrubado, a Síria cai e, depois da Síria, é o Irã. A Rússia absolutamente não pode permitir que os anglo-sionistas destruam o Irã, porque, depois do Irã, é a Rússia. Todos na Rússia compreendem isso. Mas, como já disse, o problema das respostas militares é que podem sempre levar a escaladas militares que em seguida viram guerras que muito rapidamente podem virar atômicas. Por tudo isso, minha tese central é a seguinte:
Ninguém pode desejar que a Rússia contenha os EUA por meios exclusivamente militares, porque essa via rapidamente põe em risco a sobrevivência da humanidade.
Entendo que para alguns pode parecer contraintuitivo, mas não esqueçam que a ‘contenção’ só funciona entre atores racionais. A Rússia já fez muito, muito mais que qualquer outro país, além do Irã. E se a Rússia não é a policial do mundo, tampouco é a salvadora do mundo. O resto da humanidade tem de sair de onde está, como espectadores silenciosos e realmente FAZER alguma coisa!
Rússia e China podem parar os EUA, mas terão de operar em conjunto. Para tanto, Xi terá de parar de agir como Budinha engravatado sorridente e falar alto e claro. É especialmente verdade, desde que os norte-americanos mostram cada vez menos medo da China, que da Rússia .
[Barra lateral: os militares chineses ainda estão muito atrás das capacidades que a Rússia tem, mas os chineses estão andando realmente, realmente muito depressa>
Há apenas 30 anos, os militares chineses eram primitivos e antiquados. Já não são. Os chineses fizeram impressionante progresso em tempo recorde, e seus militares são hoje bicho muito diferente do que eram. Não tenho dúvidas de que que os EUA tampouco podem derrotar a China, em guerra, especialmente não nas áreas próximas à parte central da China. Mais que isso, espero que os chineses prossigam a pleno vapor adiante, no mesmo energético programa de modernização militar que lhes permitirá superar a distância que os separa de EUA e Rússia, em tempo recorde.
Por isso mesmo, qualquer ideia dos EUA de usarem força contra a China, seja por Taiwan ou pela República Popular Democrática da Coreia, é ideia absolutamente terrível, pura loucura. Mas, e talvez porque os norte-americanos acreditem em sua própria propaganda, parece-me que o pessoal de Washington, DC pensa que ainda vivemos nos anos 1950s ou 1960s e que conseguirão matar de medo os “camponeses chineses comunistas”, com seus blindados de combate.
O que não veem é que, a cada milha náutica que os porta-aviões dos EUA viajam na direção da China, maior e mais fácil o alvo em que se convertem para militares que se especializaram em operações de destruição de porta-aviões norte-americanos. Os norte-americanos têm de se fazer uma simples pergunta: o que farão se os chineses, ou afundam ou danificam gravemente um (ou vários) porta-aviões da Marinha dos EUA? Guerra nuclear contra China também nuclear e perfeitamente capaz de transformar em desertos nucleares envenenados muitas cidades dos EUA? É? Têm certeza? Quanto dos norte-americanos trocariam New York ou San Francisco, pelo Grupo de Ataque do porta-aviões Carl Vinson. Repense.]
Até agora a China tem apoiado a Rússia, mas sempre atrás da Rússia. Muito bonito, muito prudente, mas os recursos da Rússia vão-se esgotando rapidamente. Se houvesse um homem mentalmente são na Casa Branca, ninguém por lá jamais faria qualquer coisa que pudesse resultar em guerra contra a Rússia, não seria problema difícil. Infelizmente, assim como Obama, antes dele, Trump parece pensar que pode ganhar um jogo da franguinha nuclear [ing. a game of nuclear chicken] contra a Rússia. Mas não pode. AQUI, tenho de ser bem claro: se encurralada, a Rússia lutará, inclusive se tiver de ser guerra nuclear. Tenho repetido incontáveis vezes, que há duas diferenças entre norte-americanos e russos:
- Os russos temem a guerra. Os norte-americanos, não.
- Os russos estão preparados para guerra. Os norte-americanos, não.
O problema é que casa sinal russo de cautela, cada esforço para desescalar a situação (seja na Ucrânia, na Turquia ou na Síria) é sempre interpretado no ocidente como sinal de fraqueza. É o que acontece quando há confronto entre uma cultura que valoriza a autopromoção e as ameaças berradas de longe, e outra cultura que realmente acredita em negociação e diplomacia.
[Barra lateral. As profundas diferenças culturais entre EUA e Rússia são claramente ilustradas na diferença polar que os dois países mostram em relação aos respectivos mais avançados sistemas de armas. Logo que os norte-americanos levantam o sigilo em torno de um de seus sistemas de armas, entram imediatamente num frenesi de marketing , para descrevê-lo como “o trimelhor dos trimelhores” “do mundo” (sempre “do mundo”, como se alguém fosse cuidar de pesquisar ou qualquer um pudesse comparar sistemas de armas).
Explicam incansavelmente o quanto é avançadíssima a própria tecnologia, como eles mesmos tornam-se invencíveis, com a tal nova arma. Exemplo perfeito é toda a propaganda (observada hoje, em retrospectiva, absolutamente ridícula) sobre a tecnologia stealth [aviões invisíveis aos radares (NTs)].
Os russos fazem exatamente o contrário. Primeiro, nada se diz e nada se vê, tudo é sigiloso. Até que, quando vez ou outra levantam o sigilo que cerca um sistema de armas, os russos cuidadosamente ‘diminuem’, subestimam as capacidades reais da nova arma, mesmo quando já é perfeitamente óbvio que o planeta inteiro já conhece a nova arma! Houve vários casos em que os negociadores soviéticos do desarmamento sabiam menos sobre as próprias capacidades militares, que os negociadores norte-americanos! Por fim, quando os russos exportam seus sistemas de armas, sempre atentamente degradam o modelo exportação; esse, pelo menos, foi o padrão até que os russos venderam o SU-30MKI à Índia que incluía thrust vectoring, ao tempo em que o SU-30 russo só incorporou a mesma tecnologia com o modelo SU-30SM. Significa que a coisa pode estar mudando.
Pergunte-se cada um a si mesmo: você algum dia ouvira falar do míssil cruzador Kalibr russo, antes de ter sido usado pela primeira vez, na Síria? Ou alguém sabe que a Rússia já tem mísseis nucleares subaquáticos desde o final dos anos 1970s, capazes de “voar por baixo d’água” a velocidades superiores a 425km/h?]
Fato é que a Rússia está em situação muito ruim, muito difícil. E está muito sozinha. Os europeus são covardes. Os latino-americanos têm coragem, mas não têm meios para pressionar os EUA. A Índia espera conseguir jogar nos dois campos. O Japão e a República da Coreia (“Coreia do Sul”) são colônias dos EUA. Austrália e Nova Zelândia fazem parte da gangue ECHELON/FIVE EYES.
A Rússia tem muitos amigos na África, mas mais ou menos todos vivem sob o tacão norte-americano/francês. O Irã já sacrificou mais que qualquer outro país e assumiu os maiores riscos. Seria totalmente injusto pedir que os iranianos fizessem mais. O único ator que pode fazer algo é a China. Se há ainda esperanças de evitar mais quatro anos de “pesadelo estilo-Obama” é a China avançar e dizer aos EUA que baixem a bola.
Enquanto isso, a Rússia continuará andando por uma corda fina, entre várias opções, todas ruins. A melhor esperança da Rússia, e a melhor esperança do resto da humanidade, é que as elites dos EUA afundem-se tão completamente em suas disputas internas, umas contra as outras, que reste pouco tempo para fazerem ‘política exterior’. Infelizmente, parece que Trump “compreendeu” (digamos) que bom jeito de ser esperto (é o que ele pensa), é fazer qualquer coisa, bem idiota, na política exterior (como, por exemplo, atacar a Síria). Jamais dará certo.
Um impeachment, no caso de Trump pode revelar-se uma bênção disfarçada. Se Mike Pence assumir a presidência, ele e seus neoconservadores terão talvez poder total outra vez, e assim não terão de provar que são ‘durões’ e não cometerão imbecilidades perigosas? Um presidente Pence pode ser melhor que um presidente Trump? Temo que possa. Especialmente se, com isso, vier uma profunda crise interna, aqui dentro dos EUA.
Será ela a última esperança para os EUA? |
Lamento dizer, mas os próximos quatro anos serão terríveis. Nossa próxima esperança – embora tênue – de ter alguém são na Casa Branca talvez esteja em 2020. Talvez Tulsi Gabbard candidate-se, com campanha pela paz e para realmente drenar o pântano? Quem sabe se “América em primeiro lugar” poderá significar alguma coisa, se declarada por Gabbard?
Por hora, Tulsi Gabbard parece ser quase a única pessoa que se recusa a aceitar a loucura desse “Assad é culpado”. Talvez possa trazer o mix de paz e políticas sociais progressistas que tantos norte-americanos realmente desejam? Talvez se torne a primeira mulher presidenta de pleno direito e pelas razões certas, não pelas razões erradas. Não sei. 2020 está ainda muito muito longe. Esperemos que todos cheguemos até lá, antes que algum imbecil em Washington decida que guerra contra a Rússia seria magnífica ideia.
Certo é que a dicotomia de Democratas vs. Republicanos, e Conservadores vs. Liberais só serve para perpetuar um sistema que sempre consegue perverter e trair os valores DOS DOIS LADOS, da Esquerda e da Direita. É paradoxal, porque é absolutamente claro que muitos norte-americanos querem paz para o próprio país, não querem viver em guerra perpétua, com padrões civilizados para a vida social e para o trabalho. Sim, os libertaristas mais linha-dura ainda acreditam que a grande solução seria laisser-faire mesmo que o modelo entregue todo o poder às grandes empresas, e mesmo que deixe o cidadão individual absolutamente indefeso contra as oligarquias. Mas aposto que até os libertaristas mais hardcore prefeririam a “intromissão do Estado” (como dizem) em paz, a “descarte do Estado” em guerra perpétua. Assim também os progressista mais hardcore querem limitar severamente as liberdades de muitos norte-americanos (pequenos empresários, proprietários de armas), mas mesmo eles preferirão paz com regras e regulações, a guerras sem regras e regulações Tudo isso considerado, acho que uma possível plataforma de unificação poderia ser expressa na noção de “paz e direitos civis”. É algo com que a vasta maioria dos EUA concordará. Até os cidadãos do “Black Lives Matter” [Vidas negras têm importância] podem aceitar esse tipo de plataforma pró “paz e direitos civis”. Essa plataforma, me parece, deve ser prioridade para o governo federal: desmontar a máquina de guerra e desmontar a máquina estatal de repressão: retirada total de todas as forças norte-americanas espalhadas pelo mundo, e plena restauração dos direitos civis e humanos como eram antes do ataque sob falsa bandeira, falso ataque, do 11 de setembro. E os Estados que cuidem das demais questões.
Infelizmente, temo que a plutocracia no poder jamais admitirá tal coisa. O modo como atropelaram Trump e o destruíram em um mês, diz-me que farão a qualquer um que não seja um deles, o que fizeram a Trump. Assim, por mais que ter esperança seja sempre boa coisa, e por mais que eu goste de sonhar com melhor futuro, realmente espero bem pouco. Acho muito mais provável um colapso repentino e brutal do Império Anglo-sionista, seguido de um fracionamento dos EUA (como descrito aqui).
Melhor todos nos prepararmos para tempos muito difíceis que virão.
Nosso único consolo é que os eventos dramáticos que hoje se veem nos EUA são todos sinais de fraqueza. As elites dos EUA estão-se engalfinhando umas contra outras, e apesar de os neoconservadores terem quebrado as pernas de Trump, nada disso porá fim à guerra fratricida que se trava dentro da plutocracia norte-americana. Considerem o grande quadro, como o império está rebentando em cada um e em todas as costuras, e lembrem que tudo isso está acontecendo porque nós estamos vencendo.
O imperialismo morrerá desacreditado e odiado por todos que sobrevivam ao colapso iminente do Império Anglo-sionista que tem base nos EUA. Esperemos que dessa vez seja o último império na história e para toda a humanidade, e que tenha aprendido sua lição (já não será sem tempo!).*****
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1] MK Bhadrakumar, de Indian Punchline, oferece informação interessante sobre isso:
“Vejam como Tillerson recontou aquele momento histórico na Última Ceia no resort de Mar-a-Lago na Florida:
O Presidente (Trump) informou diretamente ao President Xi, já próximo do final do jantar ontem (6ª-feira), quando os mísseis lançados estavam chegando aos alvos, mais ou menos às 20h40, noite passada. O Presidente disse ao Presidente Xi que havíamos disparado um ataque à Síria, por causa da violação – múltiplas violações cometidas por Assad – com uso de armas químicas contra seus próprios cidadãos, incluindo a morte de mulheres, crianças e bebês. O Presidente deu ao Presidente Xi o número de mísseis lançados e explicou a lógica por trás do lançamento.
O movimento mais violento, incivilizado, foi Tillerson ter pretendido que Xi teria manifestado que estaria compreendendo o ataque à Síria, e que teria falado em termos de aprovação à decisão de Trump, como se tivesse aceitando que o governo sírio fosse responsável pelo ataque com armas químicas em Idlib. É perfeitamente claro que Tillerson pisava em ovos, deixando ver que recebera instruções para mentir, e tentando não cometer crime de calúnia, que ele sabia que seria imediatamente desmascarada:
“– Acho que o Presidente Xi já manifestou que apreciou que o presidente o tivesse informado e disse – como me contaram – que compreendia que tal resposta é necessária se há crianças sendo mortas. Claro que a China lançou suas próprias declarações. Com certeza vocês podem ler. Eu também li os telegramas, claro.” (MK Bhadrakumar, 9/4/2017, “Trump puts Xi Jinping on the mat over North Korea”, Indian Punchline ,excerto) [NTs].
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